Últimas indefectivações

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Não insistam! O «Buda» não morre!

"Podem dizer que o Mário Wilson não voltará do mundo para onde partiu, mas a gente não acredita. À sua maneira foi eterno. Tranquilo, calmo, pacífico como um oceano.

Eu sei, eu sei. Dizem: morreu Mário Wilson. E a gente não acredita porque pensávamos que Mário Wilson era eterno, assim uma espécie de avô de nós todos, calmo, pacifico, tranquilo. O mundo a seus pés.
Chamaram-lhe, um doa, o Buda. Pela barriga, pela forma arrastada de falar, pela certeza de cada frase. Que frase» Mário Wilson falava sentenças, não frases. Era correcto e amigo, conselheiro e bondoso. Houve gente menor que lhe quis fazer guerras imundas e ele ficou lá no alto, sobre os insultos - uns vergonhosamente racistas, como os de José Maria Pedroto que fez sempre questão em ser seu inimigo, como se o «Velho Capitão» pudesse ter inimigos.
Um dia chegou ao Benfica, depois de ter sido treinador de uma equipa da Académica, formada por jogadores/estudantes, que tanto treinavam como andavam na incontornável farra coimbrã, e que mesmo assim foi segunda classificada do campeonato, e disse. «Aqui qualquer um se arrisca a ser campeão». Ele foi campeão. De Portugal uma só vez, maldita seja a ironia. Da vida, foi sempre campeão. Até na morte.
Todos terão uma palavra a dizer sobre Mário Wilson. Ele mexeu com toda a gente que vive do futebol e em redor do futebol nem que seja por uma frase, por um gesto, por algo que não sabemos ao certo explicar o que é mais fica cá dentro, bem no fundo, naquele lugar dos momentos eternos.
Falem de saudade, mas a saudade é pouco. O «Velho Capitão», com a sua alcunha que ressoa a livros de Robert Louis Stevenson, era único. Único na sua forma de estar, na sua forma de ser para quem o rodeava, pela forma de reagir às circunstâncias. O Benfica contou sempre com ele. Chamaram-lhe também o «Bombeiro». Estava pronto, disposto. A cada aflição de treinador que saía, Mário Wilson trazia a calma de uma serenidade intrínseca. Resolvia problemas, ouvia os outros, ia sendo ele mesmo na voragem dos dias que atropelam a simplicidade dos seres humanos.

Foi para cada um de nós cada um de si
Quando chegou a Lisboa vinha para o Sporting. Deram-lhe o lugar de Peyroteo, esse marcador faminto de golos que decidira afastar-se por falta de dinheiro, mas não era fácil tomar o lugar de uma lenda. Foi campeão, ponta-de-lança meio esquecido pelos anos que passaram entretanto, mas aquele não era, definitivamente, o seu lugar. Instalou-se em Coimbra. A Lusa Atenas era perfeita para o crescer das suas filosofias. Ganhou espaço, ganhou tempo, ganhou uma personalidade sem comparação. O «Velho Capitão» - foi assim que o conheceram. Entrava nos cafés, esses centros conimbricenses de teoria do jogo inventado pelos ingleses, e todos o respeitavam. Mário Wilson era Mário Wilson e ponto final.
A velhice trouxe-lhe uma aura que não é possível definir. Todos o víamos como um amigo, como um parente sábio, como alguém que, de uma forma ou de outra, fazia parte das nossas vidas. Dizem que ele morreu, neste dia 3 de Outubro de 2016, a poucos dias de cumprir 88 anos. Dizem, mas a gente não acredita. O «Buda» não morre! É inteiro na sua presença infinita. Tentaremos lembrá.lo e também não será possível. Cada um o lembrará à sua maneira. Por que ele foi para cada um de nós cada um de si."

Afonso de Melo, in O Benfica

2 comentários:

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