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quinta-feira, 27 de outubro de 2022

A chama imensa de Rafa ilumina a máquina de Schmidt e derruba a signora


"Numa fantástica noite europeia, o Benfica derrotou (4-3) a Juventus e garantiu presença nos oitavos-de-final da Champions. Rafa, autor de um bis e inúmeros toques de classe, voltou a ser a grande figura da partida, mas houve também brilho dos goleadores António Silva e João Mário no dia do 19.º aniversário da Luz. As águias roçaram um triunfo gordo, mas a reação final dos italianos nivelou um duelo que foi quase sempre desequilibrado

Ele corre e corre, desafiando as regras dos velocistas do atletismo pelo caminho, porque, em vez de alargar a passada, vai mantendo-a curtinha, fazendo com que as pernas se mexam a um ritmo que dificulta segui-las com o olhar, quanto mais persegui-las. O relógio já vai nos 86 minutos, o Benfica vence a Juventus por 4-3 e Rafa Silva, vindo do supersónico mundo que é só seu, dispõe-se a protagonizar uma última arrancada.
Supera um defesa e corre mais de meio-campo sozinho, com Alex Sandro incapaz de o apanhar. Quando se aproxima da baliza da Juventus, é capaz de usar a pausa, arma de que tantas vezes careceu no passado. Olha para Szczęsny e remata. A bola vai ao poste e, logo a seguir, Rafa é substituído, sendo despedido pela Luz entre aplausos e vénias.
Os segundos deste lance foram o resumo perfeito da vitória (4-3) do Benfica sobre a Juventus, o qual permite à equipa de Roger Schmidt estar pela sexta vez no século XXI nos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. Porque naquela arrancada de Rafa ficou expressa a superioridade das águias perante uma vecchia signora inferior; porque ali ficou evidente a genialidade de Rafa, novamente o melhor em campo, capaz de levar a noite para um universo das acelerações e malabarismos onde só ele habita; e porque o golo dos lisboetas ficou a centímetros, como a escassa distância ficou uma goleada que se transformaria num 4-3 final.
A brilhante ação de Rafa, que não terminou num 5-3 que selasse o desafio, foi seguida de dois lances em que a Juventus roçou um empate que não se ajustaria a uma desigualada contenda. Aquela condução de bola, tão longa (pela distância que percorreu) quanto súbita (pela velocidade a que foi feita), juntou a enorme qualidade do futebol do Benfica, alimentado pelo seu principal craque, com a curta distância a que ficaram, simultaneamente, uma vitória gorda — que provavelmente teria sido obtida caso Rafa tivesse feito o seu hat-trick nas duas últimas oportunidades de que dispôs — ou um anti-climático empate, que ainda assim teria permitido aos portugueses seguirem em frente no torneio de todos os milhões.
Com 11 pontos em cinco jornadas, o Benfica continua em igualdade com o PSG e a última jornada do grupo H ditará quem passará em primeiro. O romance de Roger Schmidt com o Estádio da Luz permanece de chama bem intensa.
Além da jogada de Rafa, talvez o momento que mais fielmente captou o vivido na noite europeia da Luz tenha acontecido pouco depois da hora de jogo. O Benfica ia destruindo a Juventus à base de tabelas e combinações curtas, progredindo no terreno através da construção de triângulos de bom futebol. Allegri, no banco italiano, parecia de olhar perdido. Bonucci era como um general na reserva obrigado a ainda estar no campo de batalha, carente de quem outrora lhe protegia a retaguarda (Buffon) ou o flanco (Chiellini).
Depois de mais uma sucessão de passes rápidos do Benfica, a equipa visitante conseguiu recuperar a bola. Incapaz de lidar com a pressão dos locais, os italianos levaram a bola até o seu guarda-redes. A equipa de Roger Schmidt, faminta apesar do 4-1 que se registava, foi até Szczęsny morder a circulação do rival. O polaco não teve outro remédio que não fosse atirar a bola fora. Era o símbolo do desnorte italiano e da ambição portuguesa, da falta de soluções de um lado e da convicção e estado de graça do outro.
Em dia de 19.º aniversário de Estádio da Luz, quis o destino que o marcador fosse aberto por quem ainda tem 18 anos. António Silva é alguns dias mais novo do que a casa do clube que defende e, aos 17', transformou em realidade o que já vinha ameaçando. Depois de algumas oportunidades falhadas em jogos anteriores, o central elevou-se e, de cabeça, fez o 1-0.
No campo, Bonucci, 17 anos mais velho que o português, era um espectador privilegiado dos festejos de António Silva. Na bancada, Fernando Santos estaria a tirar notas.
A contenda foi quase sempre disputada perto das balizas, com sete golos que até poderiam ter sido mais. Quatro minutos depois do 1-0, Kean, num lance algo confuso depois de um canto da direita, fez o 1-1. Mas a igualdade só pareceu espicaçar o vendaval das águias.
Aos 28', um braço na bola de Cuadrado deu a João Mário a oportunidade de voltar a demonstrar a sua frieza da marca de penálti. O português e Aursnes voltaram a partir das alas e, tendo liberdade para irem das pontas para as zonas centrais que mais os caracterizam, voltaram a acrescentar critério e inteligência às circulações de bola do Benfica.
Vlahovic voltaria, pouco depois, a roçar o empate, mas havia uma figura maior neste duelo de parada e resposta. Rafa Silva fazia tabelas de calcanhar, completando-as com cruzamentos de trivela; aproveita hesitações de Danilo e Bonucci para ameaçar o golo; desenhava ziguezagues entre os adversários, conjugando velocidade com travão, vertigem com pausa, potência com técnica, tudo salpicado por doses de confiança, o elixir que multiplica o atrevimento.
Aos 35', o atacante soltou para João Mário, que fez uso do seu critério para esperar que Rafa atacasse a área. O número 27 indiciou ao seu compatriota para onde deveria ir a assistência e assim foi. João Mário serviu Rafa, que fez o 3-1 com um calcanhar que demonstrou o domínio do futebol a alta velocidade que o jogador atingiu, capaz de ganhar espaço como um raio e de resolver as jogadas como um bailarino.
A segunda parte começou como terminou a primeira, tal como esta havia começado como havia acabado o clássico do Dragão: com Rafa Silva como protagonista.
Ainda a Juventus estava a entrar na etapa complementar e já Bonucci tinha feito um passe para Grimaldo, que ofereceu a gentileza. O espanhol encontrou Rafa Silva sozinho na área. Outrora, tanto espaço para finalizar poderia atrapalhar o português, mas no mundo de Rafa habita, agora, a calma para definir nos últimos metros.
Com Bonucci e Szczęsny a seus pés, Rafa picou a bola de pé esquerdo por cima do guarda-redes polaco. 4-1 e a sensação de que um triunfo por números muito expressivos poderia estar a caminho.
Gonçalo Ramos, por duas vezes, roçou o 5-1. Os jogadores do Benfica transpiravam entusiasmo e vontade de jogar, conforto assente nas bases táticas e emocionais que Roger Schmidt conseguiu transmitir em poucos meses de trabalho.
Do outro lado estava um adversário que cai na fase de grupos ao mesmo tempo que é um dos três clubes que, no último ano e meio, mais defendeu a criação da Superliga. Tal como sucede com Real Madrid e Barcelona — os catalães também estão à beira da eliminação da Liga dos Campeões —, os responsáveis da Juventus acham a Champions “aborrecida”. “Há muitos jogos que não são competitivos”, disse, em setembro de 2021, Andrea Agnelli, presidente da vecchia signora.
Nesta competição pouco competitiva, na qual a Juventus tem de fazer o frete de enfrentar equipas que a Juventus acha não serem da sua dimensão, a Juventus perdeu quatro dos cinco jogos da fase de grupos. Depois de três temporadas a ser eliminada nos oitavos-de-final, a formação de Turim é colocada fora da competição ainda antes de novembro.
Aos 76' e aos 86', Rafa Silva ficou a centímetros do 5-1. Primeiro foi servido magistralmente por João Mário após passe de régua e esquadra de Enzo, depois atirou ao poste após a arrancada em que deixou todos a olharem para o seu talento.
Entre os dois lances, a Juventus, espicaçada pela irreverência do jovem Samuel Iling, reduziu por Milik e McKennie. Nos últimos instantes, os transalpinos poderiam mesmo ter empatado por Soulé ou Gatti. A pontaria dos visitantes não foi a melhor e o apito final chegou com o 4-3 que dá ao marcador um equilíbrio que o jogo não teve. Roger Schimdt foi abraçar Rafa, qual maestro que felicita o seu mais virtuoso solista. A chama imensa que ilumina a máquina do alemão, que continuará a competir entre os melhores em 2023."

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