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domingo, 22 de junho de 2025

De Carlos Queiroz a Rui Jorge, o talento


"Para quem segue o futebol português, nos seus diversos patamares de desenvolvimento e escalões etários, há mais de 40 anos, impressiona o grau de maturidade alcançado em vários setores, mas também surpreende a aparente falta de memória de muitos dos seus agentes.
A 3 de março de 1989, Carlos Queiroz e Nelo vingada mostraram, talvez pela primeira vez, o caminho e as suas dinâmicas: coordenação, metodologia, consistência, organização. Tudo em suporte do Talento, fator diferenciador e essencial, mas que necessita de despiste prévio para poder ser efetivamente moldado e trabalhado.
Um ano antes (1988), estive na Morávia, região da então Checoslováquia em que a Seleção de sub-19 de Portugal chegou à final do respetivo Europeu (perdendo, por 3-1, o jogo derradeiro com a União Soviética de Salenko). Foi o meu primeiro contacto com Queiroz, a sua equipa técnica e a geração de sonho que, no ano seguinte, se haveria de sagrar campeã mundial, em Riade, com a vitória na final frente à Nigéria, por 2-0.
Já aí, dando os primeiros passos no topo da hierarquia internacional para os escalões de formação, era notória a diferença que se viria a tornar decisiva para a capacitação do treinador português (agora amplamente reconhecida a nível internacional, pelos quatro cantos do Mundo), mas também a consequência de um trabalho metódico, científico na sua génese mas suficientemente adaptável às diversas circunstâncias do jogo, das competições e dos atletas.
Porque este foi, de facto, o primeiro segredo: perceber o contexto, delinear a estratégia, encetar o processo. E deve sempre ser assim, com a mais científica e tecnológica base, a cada passo e em cada geração, mas também com a matéria-prima fundamental: jogadores com caráter, com personalidade, com inequívoca propensão para a compreensão do jogo e das suas variantes, com vontade e honra em vestir a camisola das Seleções Nacionais.
Trata-se, portanto, de um processo longo, mas pensado e orientado, pelas diversas equipas técnicas das Seleções Nacionais de futebol, ao longo de quatro décadas. Vários líderes passaram pelas diversas sedes da Federação Portuguesa de Futebol, múltiplos treinadores e centenas de jogadores. Ficou, para a história, e desde o final da década de 80 do século passado, a matriz comportamental, técnica e visionária que viria, ao longo de todo este lapso de tempo, a marcar e definir Portugal, os seus executantes e os seus treinadores, como de escola, verdadeiro exemplo e benchmark para o futebol europeu e mundial.
A solidez dos projetos surge, também, da capacidade de reconhecer a consistência como fator decisivo. No caso da Seleção Nacional de sub-21, por exemplo, a permanência de Rui Jorge como responsável máximo é trunfo e garante de que o tal processo evolutivo não é esquecido, procurando, neste derradeiro escalão etário de formação (e onde pontificam muitos atletas já com contratos profissionais de respeito, titulares ou à porta dessa condição em grandes clubes…), incutir a dimensão competitiva final. A permanente luta pelos títulos, algo que resulta da capacidade de permanente superação e aprimoramento das componentes psicológicas que conduzem à obtenção dos mais valiosos resultados.
Porque — não façamos qualquer confusão — este é um escalão em que podemos (devemos) falar de alto rendimento. Será, talvez, a nível internacional (competições da UEFA e da FIFA) um entry level, mas a merecer reconhecimento e atenção especiais.
Escrevo esta página num avião da SATA Air Açores, voando entre o Faial e São Miguel. Faço-o numa altura em que a Seleção Portuguesa de sub-21, talvez não tão puramente talentosa como algumas, de outras gerações, mas seguramente muito mais competitiva, focada e determinada para o resultado que boa parte delas, se aplica generosamente a cada minuto do Europeu da categoria, tendo concluído sem sofrer golos a fase inicial da competição, ao cabo de três jogos. Prepara o jogo de mais logo, frente aos Países Baixos, ciente de que este pode ser o seu ano. E fá-lo sob orientação de alguém com múltiplos trunfos para jogar, até ao apito inicial do árbitro georgiano que vai dirigir o encontro de Zilina: o selecionador nacional Rui Jorge foi, enquanto jogador de clube e de seleção, um exemplo de dedicação, raça e resiliência, do mesmo modo que conheceu balneários e técnicos desafiantes e objetivos sempre desafiadores.
Esse pode ser um dos segredos desta geração de jogadores. Serem orientados, em espaço de seleção, por alguém que conseguiu, como muito poucos, transportar as virtudes e predicados dos seus tempos de atleta profissional para a vertente técnica, juntando, evidentemente, o conhecimento científico à formação adequada, e tornando-se, discretamente, um treinador de elite.
Rui Jorge trabalha na FPF com a discrição que dele faz um profissional único, sabedor da função de preparação para saltos maiores que se lhe exige, enquanto responsável do último escalão de formação na hierarquia etária do futebol internacional.
O espírito, o reconhecimento do talento, a organização dentro e fora das quatro linhas, a disciplina e a paixão pelo símbolo da camisola constroem um treinador ímpar, cujo reconhecimento e descolagem para outros aeroportos, com novos e desafiantes voos, estará a bater à porta.

Cartão branco
Já nos habituou a uma postura discreta, tranquila, muitas vezes longe dos holofotes, sem necessidade de potenciar a imagem em redes sociais ou em criar soundbites ou momentos de notoriedade extra-futebol para sobressair.
Lionel Messi é único na sua atitude, dentro e fora das quatro linhas. E quando consegue ganhar jogos para uma equipa da MLS no cotejo internacional, ainda para mais no primeiro Mundial de Clubes, mostra verdadeiramente quem é: uma estrela sem imitação, um nome ao nível de Edson Arantes do Nascimento e de Diego Armando Maradona.

Cartão amarelo
Bem sabemos que o primeiro Mundial de Clubes é, para já, um desafio em construção, quer por parte da FIFA, quer por banda dos clubes intervenientes.
Porém, trata-se de uma competição com enorme potencial e a representatividade continental que cada clube assume, ao estar presente nos relvados dos Estados Unidos da América, é enorme. O FC Porto ficou bem abaixo do exigível, quer no seu primeiro encontro, em que o nulo frente ao Palmeiras foi bem mais positivo do que a pálida exibição rubricada, quer, sobretudo, na derrota com o Inter Miami, resultado de outra paupérrima apresentação dos dragões. Mais valia não terem cruzado o Atlântico…"

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