O poder da ressurreição do Benfica

"Lázaro estava morto há quatro dias e levantou-se; com jogos de três em três dias há por aí muitos 'defuntos' que esperam pelo deslize do Benfica, ou seja, pelo milagre da ressurreição

O Benfica qualificou-se para os oitavos de final da Liga dos Campeões e, pelo visto e ouvido, terá feito o que lhe competia e, por isso, nada de mais. Também pode ter sido a sina de Bruno Lage, ter sorte. O que parece mais difícil, pelo visto e ouvido, é ver alguém prestar, nem que seja um bocadinho, reconhecimento ao mérito de quem para isso contribuiu.

Também não parece que a indiferença de muitos seja pelo hábito que se vai ganhando com o tempo, afinal, desde o primeiro ano em que Rui Costa pôde preparar, como presidente, uma temporada, a equipa chegou duas vezes aos quartos de final da Champions e, por agora, aos oitavos de final, para lá dos quartos de final da Liga Europa.

Não é difícil encontrar alguém dizer, por exemplo, que para o Sporting até foi melhor perder por 3-0 em casa com o Dortmund, porque pôde poupar jogares na Alemanha e, sobretudo, pode poupar-se à chatice de mais jogos na Champions. O Benfica já ter garantido, com a presença e desempenho na Liga dos Campeões, mais de €70 milhões só interessará, seguramente, aos perdedores.

Se algumas equipas foram beneficiando de alguma condescendência com as consequências das lesões, no Benfica não houve, obviamente, planeamento para acautelar duas roturas de ligamentos no mesmo jogo.

O jogo da equipa do Benfica está cheio de imperfeições, erros de gestão foram cometidos no percurso e, no entanto, chegou aos oitavos de final da Liga dos Campeões e está em segundo lugar no campeonato a dois pontos do Sporting. Há, objetivamente, motivos para criticar negativamente algumas opções de Bruno Lage. Mas também para criticar positivamente. E qualquer crítica, desde que justa e honesta, só terá de ser acolhida pelo treinador ou pelo presidente. Há muita gente que o faz, sem agendas escondidas e com boas ideias.

O que se vê neste Benfica é um poder extraordinário de proporções quase bíblicas. No versículo 43 do capítulo 11 do Evangelho de São João, Jesus ordena que Lázaro, morto há quatro dias, se levante do túmulo e deixe a caverna onde estava sepultado. A comparação será, certamente, parva, mas com jogos de três em três dias há por aí muitos defuntos — adeptos dos encarnados ou dos adversários — que só esperam um deslize do Benfica, ou seja, pelo milagre da ressurreição. Só nessa circunstância despertam e acreditam que o que defendem viverá para sempre.

Dito isto, é fácil perceber que a equipa do Benfica precisa de melhorar muito para continuar a alimentar a expectativa de uma época com mais sucessos. Escrevi a 9 de janeiro que ainda ninguém consegue prever o que se pode esperar de um jogo para outro. Mais de um mês depois essa incerteza mantém-se e só poderá desaparecer com o que Bruno Lage há muito persegue — consistência — mas ainda não encontrou.

O Benfica e o Sporting não se pronunciaram sobre a morte do antigo presidente do FC Porto. Só podemos chegar à conclusão de que entenderam ficar calados por nada de positivo terem encontrado para dizer. O mais estranho é haver tanta gente indignada e incomodada. O que é que não perceberam?"

Nuno Paralvas, in A Bola