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sábado, 25 de janeiro de 2025

Quitó, o sempre-em-pé


"- É que é só mentiras!
Gritou para o ar Quitó, lendo o jornal ao balcão do Café Joaninha. Avançados espanhóis, laterais argentinos, médios checos, centrais do Paraguai, todos anunciados, dia-a-dia, como reforços de peso do seu clube. Num ano que não este chegou a fazer uma lista com as invenções dos jornais: eram para cima de 100 os craques «praticamente garantidos», as bombas «prontas a anunciar», os atletas que haviam «aterrado na Portela para oficializar o contrato de 3 anos com o eterno CRF». Tudo ilusões, sonhos prometidos, invenções de quem anda a brincar com o coração frágil do adepto em tempo sombrio de mercado de Inverno.
Quitó já não tem pachorra para este mês de Janeiro, sempre a ouvir e ler cantos de sereia, a imaginar esperançoso o reforço do onze para depois tudo desaguar num enorme nada ou, pior!, numa contratação pueril mesmo em cima da hora do fecho – um cepo qualquer que só vem afundar ainda mais as finanças do clube e o futebol já de si de uma pobreza franciscana. Só ele é que não vem no jornal como futura contratação sonante: «Joaquim António, homem extraordinário, apoiante de reconhecida arte, famigerado adepto conhecido em Vila Viçosa como o "Sempre-em-pé" por nunca desistir de uma bola, está a horas de ser oficializado no Clube Romântico de Futebol».
- Disso não se lembram eles, os criativos! Isto disse em voz baixa, já não gritou. Ficou de mini na mão a olhar com olhos baços a baça vitrina da Dona Joaninha. Não tinha fome mas pediu à mesma dois ovos cozidos e um bocado de toucinho para acamar a bebida.
Sentia falta de ir ver um jogo ao vivo. Do cheiro do estádio, daquele nervoso miudinho, que às vezes é graudinho, que o inundava de emoção quando a equipa irrompia fulminante pelo relvado e o público se levantava em euforia e desesperava pelo começo do jogo. Das manhãs a preparar o farnel, das idas à mercearia para apanhar pão, presunto, queijo e garrafões de vinho. Da comida mais substancial tratava Lurdes, a esposa, no tempo em que a Lurdes ainda podia preparar o farnel, antes da morte de Lurdes, antes de Quitó ser o viúvo da Lurdes. Naquele tempo era só, e bastava, o Quitó Sempre-em-pé, o marido orgulhoso da Lurdes.
Agora pensava nas aventuras de horas a fio dentro do carro de Vila Viçosa a Lisboa. Comprava umas empadas para levar, saía pela Florbela Espanca, deixava o Palácio à esquerda e seguia pelas pedreiras até Borba. Parava no Botequim com os amigos por tradição: bebiam uma aguardente com brinde à vitória do CRF e só paravam em Lisboa, já mais para lá do que para cá. Eram tempos diferentes destes: onde agora é um viaduto era um enorme terreno aos socalcos, baldio, solitário, aberto para a cidade de um lado e para o estádio do outro. Tempos em que o carro ficava por ali, onde desse, onde pudesse ser, onde o espaço servisse os intentos dos comensais, onde se pudesse acender uma fogueira, comer, conversar, falar do 11, comer, conversar, falar da vida, conversar, falar da morte, comer, falar sem sentido, falar com o sentido nas balizas do adversário.
Os fogareiros incendiavam-se no final das tardes de Inverno, afundavam-se na lama, soltavam o seu fumo de aconchego por todos aquelas famílias que se engalfinhavam e desapareciam sob uma nuvem de vapores de panelas, tochas, charutos e santa poluição. Era o álcool e a espera da vitória a acelerar os batimentos cardíacos dos corações em chamas.
- Se hoje pudessem anunciar a Lurdes no CRF...
Isto pensou Quitó, a olhar perdido a televisão. Não gritou nem disse em voz baixa. Deixou-se só a pensar nisto. A Lurdes a entrar no Estádio, as bancadas ao rubro, alguém a anunciar de microfone na mão: «Senhoras e senhores, sócios, adeptos e simpatizantes, Românticos, vocês são os melhores adeptos do mundo. Um grande aplauso para Lurdes Gralha, esposa de Quitó Gralha, mulher responsável por centenas de farnéis faustosos que fizeram outras centenas de pessoas felizes; meus caros românticos, melhores adeptos do mundo, vamos homenagear Lurdes Gralha, que do alto da sua ternura e arte confeccionou repastos que alegraram e favoreceram vitórias épicas do Clube Romântico de Futebol».
A Lurdes a cair dos céus aos remoinhos, voando, planando pelo estádio, rodopiando. Um eco de milhares de adeptos aos gritos, aos aplausos, aos beijos, aos abraços. A Lurdes fazendo círculos cada vez mais fechados, acenando à multidão, gritando «CRF, CRF, CRF!», finalmente aterrando nos braços largos e generosos de Joaquim António Gralha, o Sempre-em-pé, que agora está quase-quase a estatelar-se no mosaico triste do Café Joaninha."

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