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domingo, 3 de maio de 2015

A partir do Douro

"Ali, no Douro, senti o verdadeiro benfiquismo. Ali estava o adepto de todas as horas. Ali estava o fervor e a dor, a alegria e as lágrimas.

1. O Douro é um espaço único. Um ambiente sedutor e que seduz. Pessoas de uma amabilidade singular. Vinhos que se degustam e se mastigam. Adegas deslumbrantes como aquela da Quinta do Portal concebida pelo Arquitecto Álvaro Siza Vieira e que merece uma cuidada e demorada visita. Tal como uma dormida, em pleno vinhedo, na Casa das Pipas. Ou o sentir de um dos trilhos do imenso e universal Miguel Torga. O Douro é Património da nossa Humanidade em que se junta a natureza e o homem, a paisagem e a gastronomia, a hospitalidade e o humanismo. O Douro é, de verdade, uma estrada de dois sentidos. Com os seus medos e os seus humores. Com os seus rabelos e as suas novas potencialidades. E o Turismo do Douro, na pessoa do Melchior Moreira, está de parabéns. Pela promoção e pela estratégia, pela confiança e pela diversidade, pelo respeito e pela convicção.

2. Ontem com o apoio entusiástico do Dr.Manuel Januário, o acolhedor ímpar daquela Casa, e na companhia do Nuno Salvador, assisti ao Gil Vicente-Benfica na Associação Desportiva e Cultural de Vilarinho de São Romão em pleno Alto Douro Vinhateiro e bem no coração do concelho de Sabrosa. Ali vi o Benfica dar um importantíssimo passo na conquista desta Liga. Foi clarinho. Bem clarinho. Como escutei: «uma vitória sem espinhas». Ali, naquela sala, vi gente a vibrar com os golos antes de os vermos pela televisão. É a diferença entre a rádio e a televisão. É este Portugal profundo que importa conhecer e dar a conhecer. Ali saltei da cadeira com os golos do Maxi, do Luisão, do Jonas e do Lima. Ali senti o verdadeiro e puro benfiquismo. Ali estava o adepto de todas as horas. Ali estava o sentir da alma benfiquista. Ali estava o fervor e a dor, a alegria e as lágrimas, a partilha e a entrega, a dádiva e a vaidade. Ali senti a simplicidade das gentes e a sinceridade do apaixonado. Ali vivi a satisfação e partilhei a paixão. Ali fiquei em dívida. Pelo ambiente que me proporcionaram. Pela fé que evidenciaram. Pela gentileza dos simples gestos que não esquecerei e que não têm preço. Nenhum preço. Como o não tem, de verdade, este Douro que é de todos e que merece ser conhecido e respeitado por todos.

3. Hoje é Dia da Mãe. É o primeiro Dia sem a presença física, neste Mundo, da saudosa Senhora Minha Mãe. Há alguns meses partiu. Recordo Honoré de Balzac: «O coração das mães é um abismo no fundo do qual se encontra sempre um perdão». A sua partida deixou-nos um vazio. E um dos pedaços desse vazio tem que ver com o Benfica. Ainda nas vésperas da sua partida me perguntava, em pleno Hospital de Viseu, pelo resultado do Benfica. Acompanhava, já bastante doente, todas as notícias do Benfica. Sabia tudo. E de tudo. Recordava-se bem dos grandes momentos. E das principais desilusões. Os resultados, quem marcava os golos, as conferências de imprensa de Jorge Jesus, as entrevistas de Luís Filipe Vieira. Recordo bem que me disse que nesta época era importante conquistar, de novo, o campeonato nacional. Neste Dia da Mãe, e pela primeira vez, não a vejo ou não lhe telefono para escutar a sua voz, as suas incisivas interpelações, as suas advertências, os seus cuidados, as perguntas acerca do neto ou dos bisnetos. Mas no Céu, onde decerto o nosso Deus a acolheu, ficará bem contente ao saber que vai ter um novo bisneto, um novo rapaz. Ao lado do meu Querido e Saudoso Pai rejubilará de alegria. Já são três os rapazes, o que lhes proporcionará um rasgado e prolongado sorriso. A ambos!

4. Também recordei as minhas origens, as minhas origens beirãs com interessantes vivências neste Douro singular, ao ler um livro que recentemente comprei. Foi escrito por um jornalista desportivo francês de origem portuguesa Nicolas Vilas. O seu título é bem sugestivo: Deus-futebol Clube! Na introdução, o autor evidencia as suas origens, a aprendizagem da língua de seus Pais, a relação com a sua Família, em particular com os seus tios e primos, a tradição católica portuguesa. Se lesse algo sobre o Douro até poderia interrogar-se, no primeiro terço do século XX, acerca do abandono da prática religiosa como protesto social. Foi também nele que pensei nesta tarde em Vilarinho de São Romão. Casas e solares de uma beleza única, vinhas a crescer, cerejeiras a desabrochar. Ao lado, igrejas e capelas no centro das aldeias quase que coladas a escolas primárias encerradas. E na sala, naquela associação, uma vivência de uma quase que religião. Na Igreja, a saudação ao nosso único Deus. Ali, naquela sala, e perante a televisão ampla, o efectivo politeísmo. Os jogadores, o treinador Jorge Jesus, o Presidente Luís Filipe Vieira. Eles são os intérpretes de um verdadeiro culto. Ao nosso clube, à nossa quase religião, à nossa mística. Com eles sentimos, num outro sentido, uma salvação. Que é, neste mês de Maio e nos próximos domingos, uma outra redenção.
Se fôssemos ao Dicionário dos Símbolos - de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant - poderíamos interrogar-nos acerca do número onze - onze jogadores - e fazermos uma associação desta representação no espírito maçónico. Não cabe aqui! Mas o que fica, sempre, de Vilarinho de São Romão a Viseu, de Lisboa a Barcelos, são estes noventa minutos. De realização e de admiração, de carácter e de grandeza, de entusiasmo, e de doação.
E tudo, hoje, a parir do Douro! Em que, como escreveu Guerra Junqueiro, «as rochas são feitas de ossos»!

5. O Futebol Benfica - o bem conhecido Fofó! - conquistou, com todo o mérito, o título de campeão nacional de futebol feminino. Está de parabéns. E o seu dedicado Presidente, Domingos Estanislau, merece um cumprimento bem especial. A partir do Douro e de Vilarinho de São Romão!"

Fernando Seara, in A Bola

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