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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Justiça e populismos

"Haverá porventura um populismo próprio das gentes da justiça?

Poderá a acção da justiça contribuir também para o desenvolvimento de fenómenos populistas?
Foi esta e outras perguntas que, vendo televisão, me fiz quando era noticiada a decisão sobre um caso que envolvia um ex-dirigente político de um outro país.
Não por acaso, recordei-me então de um movimento político sul-americano que poderá ser incluído na categoria dos fenómenos populistas e que, mesmo que noutro plano – o sociopolítico –, se assumiu precisamente como “justicialista”.
Em que medida pode, de facto, uma estratégia populista externa à justiça apostar na sua actuação para mobilizar e orientar politicamente a multidão?
Haverá porventura um populismo próprio das gentes da justiça que, mesmo que latente, contribui para espoletar ou engrossar, em momentos determinados, os fenómenos políticos populistas?
Poderão os magistrados, mesmo quando conduzem processos no mais estrito cumprimento das leis, tornar-se, ainda assim, instrumentos de movimentos populistas?
As respostas a estas e outras questões não são simples nem unívocas.
Não por acaso, a própria noção de justiça é das mais vagas, ambíguas e contraditórias.
Em todo o caso, sempre haverá que ter em consideração que o processo judicial não depende de uma única vontade, visão do mundo ou da verdade, antes se organiza por via de uma dialéctica própria, movida pelos sujeitos processuais que nele intervêm sustentando posições diferentes.
Em regimes democráticos, a justiça que o sistema judicial procura realizar decorre, por isso, de um conjunto de normas formais que, em princípio, devem assegurar um resultado controlável e impugnável; não deve, pois, depender de um desígnio e de uma vontade iluminada por uma ordem moral que lhe seja externa.
O risco que se corre é precisamente o de, apesar desta metodologia, os sujeitos processuais aceitarem exercer o seu mister imbuídos de um sentido messiânico que, por várias e, ocasionalmente, imperceptíveis feições, lhes é transmitido de fora do sistema.
Daí que seja sempre de ficar alerta quando, no seio do sistema judicial, no processo, se começa a ouvir falar em luta contra este ou aquele fenómeno criminal.
O sistema judicial e o processo – no qual deve exprimir-se – não devem, por princípio, reger-se por percepções e lutar por objectivos que lhe são formalmente externos; apenas deve procurar cuidar da ocorrência, ou não, dos factos e da aplicação da lei: esse é o seu papel político.
A luta contra o crime incumbe, sim, às polícias e às políticas desenvolvidas pelos governos.
E, no entanto, nunca como hoje se procuram tanto as motivações políticas pessoais dos agentes da justiça para justificar entendimentos, comportamentos e actos judiciais.
Nessa deriva se corrói, contudo, a imagem da justiça e – com culpas próprias, não raramente – nela pescam também os populistas.
A imagem de isenção e correcção da acção da justiça tem de fundar-se, pois, na não tomada de posição pública pessoal dos seus agentes quando, justamente, agem em seu nome.
Mas ela resulta também da projecção positiva que desta sua renúncia formal devem fazer os outros poderes do Estado.
O mesmo se diga, aliás, da imagem dos outros poderes públicos: também estes veem publicamente reflectida a imagem que a justiça deles projecta.
Quando, portanto, esse jogo de espelhos se transtorna, é a credibilidade de todos que estremece, é a credibilidade da democracia que soçobra.
Ora, é precisamente nesse transtorno – e muitos são os que o desejam – que jogam os populistas mais conscientes e activos, que sempre existem dentro e fora do aparelho de justiça."

2 comentários:

  1. Boa tarde, caro administrador,


    favor informar se podemos fazer uma 'parceria' no meu blogue Contra Ataque: https://ocontraataque10.blogspot.pt/


    Muito Obrigado Obrigado pela atenção,

    Um abraço,


    César Joao

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  2. Espero que haja sensatez deste blogue para a escolha de "parceiros" parece-me mais um "sumarino"...

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