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quarta-feira, 31 de dezembro de 2025

Consoar é consolar


"É verdade, a palavra consoada deriva diretamente do verbo latino consolar, e isso explica muita coisa. Nesta refeição ritual católica existe uma intenção para lá da comida. Uma intenção de satisfação plena, de consolação de todos, conducente à paz e à harmonia que se querem neste dia.
Ora, se pensarmos bem, é exatamente disso que se trata todo o espírito natalício em que estão implícitas a empatia e a partilha com os outros tendo por único objetivo proporcionar-lhe uma dádiva de conforto e bem-estar em nome de um ideal de paz social e de remissão espiritual.
É assim que, quando cada um de nós compra um presente, faz uma boa ação. Ou, quando simplesmente convida alguém mais isolado e arredado pela solidão, está na realidade a cumprir, ao menos por um dia, uma utopia que ao longo de todo ano a nossa sociedade simplesmente não é capaz de materializar.
Sociedades houve, e há (cada vez menos), em que toda a cultura material e imaterial se orienta para esse ideal. Essas sociedades praticamente em estádio neolítico, praticando uma economia de caça e recoleção, despojadas de tudo e possuindo apenas os bens necessários ao seu bem-estar e sobrevivência, foram comparadas pelos filósofos iluministas com o paraíso e deram lugar a correntes de pensamento igualitário e de justiça social desenvolvidas a partir do chamado ‘mito do bom selvagem’. Derivam daqui muitas das ideias e das políticas sociais que conhecemos.
Mas tratava-se duma ilusão: não é assim o mundo, esta forma de viver está praticamente extinta, e aos nossos olhos surge como uma enorme pobreza e desolação. Talvez por isso hoje temos tudo e falta-nos sempre alguma coisa, somos ricos e sentimos que somos pobres. Perdemos claramente em comparação com os que, parecendo-nos pobres, vivem na abundância apenas porque têm tudo o que lhes faz falta e com isso se satisfazem.
Nós já não, mas não perdemos nem o sentido da humanidade nem o dom da utopia, por isso, ao menos um dia no ano, viramos o mundo ao contrário e damos em vez de tirar!"

Jorge Miranda, in O Benfica

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