Últimas indefectivações

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Omega e Slimani

"Estamos no aquecimento de motores para o grande jogo do próximo domingo (no caso do Benfica é mais arrefecimento, depois de demasiado calor e altitude).
Os resultados e a confiança que geram fazem pender o favoritismo para o lado do Sporting. Porém, os resultados na pré-época podem ser muito enganadores. Veja-se o último jogo do Benfica por terras do México: a equipa encarnada apareceu sólida com boa circulação de bola e uma assinalável capacidade para pressionar alto. Na primeira parte o Benfica podia ter marcado vários golos em lances de Jonas e Gaitán. A defesa mostrou solidez (Júlio César está já em grande forma), a bola circulou rápido do centro para as alas. Vários tiros de longa distância passaram a escassos centímetros do golo. Luisão saiu aos 39 minutos. Samaris que o substituiu, já aquecia há algum tempo. Durante os últimos lances em campo, não foi visível no capitão qualquer incapacidade para disputar os lances. Sem pretensões a fazer diagnósticos médicos, quase apostaria que Luisão vai estar apto para domingo.
O grande problema deste Benfica está na lateral direita. André Almeida é um excelente profissional, que faz bem vários lugares da defesa e meio-campo defensivo. Mas é mais previsível nos seus movimentos do que um relógio suíço. André Almeida como defesa lateral é um autêntico Omega - não adianta nem atrasa. Difícil de passar em drible, mas fácil em velocidade, fecha bem no meio, sobe pouco e mal. Nenhuma grande equipa pode ter como titular um lateral assim.
Do lado do Sporting, curiosidade será ver se Slimani continuará a ser usado como sprinter nos lances de contra-ataque. São contranatura neste óptimo ponta-de-lança as correrias com bola. Slimani é um avançado de um só toque. Exclamativo. Para a baliza. A relação deste argelino com a bola não é de amor. É de tiro."

500.º

"Foi em 15 de Setembro de 2010 que com o título 'Ainda e sempre Torres', comecei a escrever estes meus breves comentários em A BOLA, que a sua direcção baptizou como 'pontapé-de-saída'.
Volvidos quase 5 anos, chego hoje ao 500.º 'pontapé-de-saída'! Dir-se-à que é apenas mais um. Mas, para mim, transporta o simbolismo de quem vê o lado iconográfico dos números. Esta coluna é uma ponte, pessoalmente significante, entre o que devo a A BOLA na minha iniciação de leitura e o jornal que leio há sessenta anos. Quando Vítor Serpa me convidou para escrever duas vezes por semana, lembro-me de lhe ter dito que sim, mas alertando para as (minhas) dificuldades em encontrar termas que pudesse abordar. Hoje - confesso - esse receio nunca se concretizou, pois descobri que, no desporto em geral e no futebol em particular, há sempre um qualquer detalhe à nossa espera. Sobre assuntos do dia e sem dia, no quase monopólio do futebol, mas não só.
Devo também referir que esta exigência bissemanal me levou a descobrir temas que estão para além do que se vê nas manchetes. Sobre os quais me debruço com alguma reflexão e muita curiosidade e diversão, procurando variar, até porque tenho horror à repetição e à rotina.
Sou entranhamente benfiquista. O que não quer dizer que este meu espaço seja obrigatoriamente um 'pontapé-de-saída' do Benfica. Nem oficial, nem oficioso. Escrevo o que penso, com total independência. Sei, também, que, por vezes tenho momentos de enviesamento clubístico emocional, que, todavia, não cerceio.
Por aqui me fico. Amanhã escreverei o 501.º texto. Com júbilo e gratidão. E, se for capaz, com humor."

Bagão, Félix, in A Bola

As boas tangas do mercado

"O adepto português é extraordinário. Tem bolsa de pobre mas gostos de nobreza futebolística. Por isso delicia-se com as notícias sobre os milhões que o mercado movimenta. Só que o escrutínio às SAD falha porque há muitas operações que não são comunicadas à CMVM (sem tirar nem pôr...) e, seja na mesa do café ou nos pontos de debate virtual, o debate brota já inquinado a montante. Parece impossível, mas é mesmo assim: em 2015 ainda há quem decida ignorar os gastos encobertos pela etiqueta do custo zero aplicada aos reforços que, teoricamente, deviam ser contratados sem pagamento de transferência. Os jornais desportivos ainda tentam fazer alguma pedagogia, trazendo rigor para a discussão, mas logo as intervenções televisivas atraem mais névoa para o fenómeno.
As boas tangas do mercado só enganam quem fizer questão de estar desatento. Os principais clubes portugueses tentam manter-se competitivos a todo o custo e, pelo que se está a ver no lançamento de 2015/16, decidiram movimentar-se no limite do risco. Apostas em jogadores problemáticos como Taarabt, Osvaldo ou Prince Boateng são excelentes exemplos de como os autos de fé em torno da formação são pouco resistentes ao sopro dos ventos. De permeio, enquanto são colocadas em balanças virtuais os valores relativos a compras e vendas, criam-se cenários de fantasia que os relatórios e contas das sociedades só demasiado tarde desmentem.
O FC Porto ter registado na época passada custos com pessoal acima dos 70 milhões de euros, ou o Benfica na casa dos 60 milhões, são dados arrepiantes neste futebol português que conseguiu sobreviver ao impacto da troika mantendo-se no 5.° lugar do ranking da UEFA. O tal custo zero tem como efeito colateral o pagamento de prémios de assinatura superiores aos futebolistas, comissões mais elevadas aos empresários e subida exponencial da folha salarial que acaba por condicionar, em alta, os vencimentos dos jogadores que renovam contrato ou chegam a seguir. Uma armadilha que pode fazer um orçamento descarrilar, caso não haja sucesso desportivo. Esse é grande desafio de águias, dragões e leões: ficar sentado no topo do pódio quando a música parar. Quem não o conseguir vai ter sérios problemas."

Rui Vitória e o arranque do Benfica

"1. No seu brilhante 'Football Total' (1975), o romeno Stefan Kovacs, que oleou uma das máquinas mais extraordinárias da história do jogo (o Ajax da primeira metade dos anos 70), expressa uma definição para treinador: "Numa época de eficácia e tecnologia, é aquele, que sabe tudo o que concerne ao seu domínio. E como o comandante de um barco ou de um avião a quem ninguém deve escapar. Os dirigentes sabem certas coisas, os jogadores outras, os médicos outras ainda mas o treinador deve saber tudo. (...) Se qualquer coisa lhe escapa, se não agarra um fenómeno de ordem fisiológica ou psicológica, está condenado, um dia ou outro, ao desaire. "Há 40 anos, um grande mestre do futebol reclamava para o treinador intervenção esmagadora no dia a dia. No caso do Benfica, a ideia serve para acentuar a diferença entre Rui Vitória e Jorge Jesus.
2. RV conquistou o Seixal porque tem cumprido os desígnios do diálogo e confirmado a imagem de homem que confia na competência de quem o rodeia. Todos os departamentos podem fazer agora o seu trabalho sem interferências de um comandante (JJ) que metia o nariz em tudo incluindo sectores para os quais não lhe era reconhecida competência. A máquina vive mais feliz: os médicos não são confrontados com os diagnósticos; os fisioterapeutas não têm de explicar decisões; a comunicação deixou de preocupar-se com o discurso; os nutricionistas e os cozinheiros não têm de dar satisfações pelas ementas... A organização tem agora um líder que a vê como auxílio para muitas decisões, em contra ponto com quem interferia em tudo, assente no empirismo que punha em causa a especificidade científica de cada parcela da vasta e complexa estrutura de apoio.
3. JJ desenvolveu cultura de exigência implacável, geradora de permanente tensão. RV prefere impor-se sugerindo o caminho aos jogadores, ao contrário do antecessor que traça a rota e acompanha ele próprio a expedição para manter alerta máximo constante. Todas as ideias e estilos são ganhadores e perdedores porque, mesmo em tempo de culto aos generais do banco, o futebol pertence mais aos pés dos jogadores do que à cabeça dos treinadores. Todas as verdades já conheceram a glória na centenária história do jogo, sinal de que o grande treinador pode ser mestre irascível (Menotti) ou de elegância máxima (Eriksson); não negociar princípios (Guardiola) ou adaptar-se e ser genial em qualquer contexto (Mourinho); ser discreto (Ancelotti) ou exuberante (Klopp); professor (Wenger) ou autodidacta (Cruyff).
4. O Benfica 2015/16 sugere ser mais sensível à pausa, perfeição e segurança do que à exaltação de um jogo frenético, intenso e explosivo. O processo está no início e só deve ser avaliado mais tarde - a força motriz de qualquer equipa é ditada pelos jogadores, pela relação com o treinador e pelo compromisso de todos com a causa coletiva. Mais do que receber a bênção da estrutura, RV tem de afugentar as dúvidas e convencer a plateia da Luz, definir o destino e conquistar a autoridade com saber e bom senso. O Ajax do futebol total, para manter o exemplo inicial, foi fundado por Rinus Michels, o marechal intratável com tiques de ditador; mas foi Stefan Kovacs, o sábio romeno, dialogante e bem formado, quem conduziu a equipa até muito próximo da perfeição. Prova de que também é possível atingir o belo e a eficácia sem recorrer a gritos e maus modos."

Ética precisa-se

"O momento escolhido pela cadeia de televisão alemã ARD e pelo credenciado semanário britânico Sunday Times (cinco páginas) para divulgar um conjunto de dados sobre resultados de controlos anti-doping em Campeonatos do Mundo e Jogos Olímpicos, apresentados como duvidosos, não podia ser mais perturbador. Eles surgem quando o Comité Internacional Olímpico está reunido em Kuala Lumpur e a menos de três semanas do Congresso da IAAF, onde se irão processar grandes alterações nos seus órgãos directivos.
A ARD clama ter conseguido acesso a informação confidencial da própria IAAF sobre os 11 anos que mediaram entre 2001 (refira-se que apenas em 2000 foi desenvolvido um protocolo científico capaz de detectar a EPO e, portanto, só então se iniciaram os testes sanguíneos) e os Jogos Olímpicos de Londres-2012. Segundo a ARD, num conjunto de 12359 testes sanguíneos, realizados a mais de 5000 atletas, existem mais de 800 que sugerem, note-se sugerem, uma elevada probabilidade da existência de doping ou, pelo menos, devem ser considerados anormais. A maior incidência de anormalidade ocorre nas provas de meio fundo, fundo e marcha, nas quais, a percentagem atinge os 33 por cento.
Recorde-se que a mesma cadeia televisiva, em Dezembro, apresentara um documentário em que acusava, então, objectivamente, atletas russos. Os dados enviados para Comissão Independente da Agência Mundial Antidopagem provocaram a suspensão de diversos atletas e ao consequente pedido de demissão do cargo de Tesoureiro da IAAF, do então presidente da Federação Russa de Atletismo. Aliás na lista dos países eticamente menos limpos, na qual Portugal ocupa um muito pouco honroso 18.º lugar (8 casos de doping sanguíneo), a Rússia surge no topo da lista com 30 casos, seguido da Ucrânia com 28 e da Turquia com 27! Irão aquelas reportagens a tempo de refrear alguma falta de ética em Pequim?"

Carlos Cardoso, in A Bola