"Meu caro Jorge Jesus
Eu sei que você deve saber tudo (mais até do que Baraúna, o treinador deles no Jacuipense) sobre o Felipe Araripina ou o George Cajá - mas como não sei se sabe o mesmo do Nélson Rodrigues vou dizer-lhe: encheu de desejo e escândalo A Vida como Ela É; encheu de ciúmes e obsessões A Mulher sem Pecado; encheu de beatas e prostitutas Toda a Nudez Será Castigada - e foi tão genial nesses (e noutros) livros seus, como o foi nas crónicas de futebol que escreveu como se fosse Pelé na folha em branco. Falo-lhe dele porque ele o afirmou:
- Muitas vezes é a falta de carácter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos...
Por isso (é só um exemplo...) é que quando o Bilardo era jogador picava os adversários com uma agulha, pondo, depois, cara de santo no rosto - e no Mundial de 90 foi capaz de passar, em pleno jogo da Argentina com o Brasil, uma garrafa de água contaminada para que Branco (o portista que temia pelo seu pé canhão...) se perdesse nos seus vómitos.
Perguntar-me-á: mas por que é que está com essa conversa? Claro que é por ter dito o que disse, quando lhe falaram do Nélson atrás da baliza do Patrício:
- ... faço tudo para ganhar.
Que o faça, percebe-o (porque o futebol talvez seja, hoje, a mais maquiavélica actividade humana - em que, para se ganhar, vale mesmo tudo...), mas devia aprender com o que o Pepe Sásia ensinou a quem ganha assim, tudo resumido na perfeita metáfora da imperfeição:
- Atirar terra aos olhos do guarda-redes? Os nossos só não gostam que se faça quando se faz às claras ou se sabe.
Ou seja: você devia ter ficado calado (e dar o mérito todo ao Patrício, que era o merecido) - e não ficou porque, uma vez mais, não resistiu ao seu ego. Não, não me espantou, o que me espanta é o VAR anular golo como o que anulou ao Soares - a não ser que o Maquiavel também já ande pelo VAR a espalhar o pior do seu espírito (e isso é que me preocupa...)."
António Simões, in A Bola