Últimas indefectivações

quarta-feira, 5 de julho de 2017

No princípio é o verbo (e o contador)

"Não tenho cartilhas, a não ser a 'cartilha' da minha cabeça e das minhas convicções.

Nesta época, também tive direito ao meu defeso. Ou seja, a uma transferência. Sem intermediários. A Direcção de A Bola resolveu dar um generoso e virtual pontapé na rubrica Pontapé de Saída, pelo que, em tese, duas hipóteses haveria a considerar: despedimento por extinção de posto de escrita ou transferência para outro posto. Aconteceu a segunda opção: fui convidado para este novo espaço, que ocuparei às quartas-feiras. Evidentemente, com prémio de assinatura: o de continuar a escrever neste jornal que, desde a minha infância, leio com avidez e me ajudou a amar a língua pátria.
Como não sou ingrato, gostaria, aqui e agora, de agradecer ao Director de A Bola, Vítor Serpa, o convite que, no Verão de 2010, me fez para escrever o Pontapé de Saída duas vezes por semana. Lembro-me, na altura, lhe ter dito que receava não ter assunto e imaginação para manter tal ritmo semanal. Enganei-me, não tanto na limitação da minha imaginação, mas na abundância de temas que jamais faltaram, por boas ou por más razões. Confesso que aqueles 1600 caracteres, duas vezes por semana, se tornaram um bom exercício e até aprendi a disciplinar a extensão dos textos nesta nossa língua em que sempre se pode dizer mais com menos palavras.
Agora terei de exercitar a demasia de caracteres, depois de me ter dado bem com a escassez dos mesmos. Estou preocupado com a abundância. O tempo dirá se conseguirei passar bem da austeridade para a abastança nesta nova sopa de letras.
Fico com saudades do Pontapé de Saída. Coleccionei nada mais nada menos do que 689 artigos e até já fazia contas para a crónica milenar dentro de três anos. Comecei em 13 de Setembro de 2010 e acabei em 28 de Junho de 2017. Praticamente sete anos. O primeiro e o último falam sobre temas relacionados com o Benfica. Por mero acaso, acreditem. Iniciei-me com Ainda e sempre Torres coincidindo com o desaparecimento do Bom Gigante. Terminei com simplesmente Benfica.
O título destas minhas crónicas será O contador da Luz. Não se trata, porém, daquele medidor de consumo de electricidade electromecânico, estático, híbrido ou digital e (agora) sem caução. O contador (de palavras) sou eu e a Luz (com L maiúsculo) é a minha segunda casa. Assim me chegue a energia, em qualquer regime, mesmo que monofásico. Hoje, não tratarei de nenhum assunto de actualidade. Este texto corresponde ao primeiro dia da nova época nos clubes desportivos: o dos exames médicos. Assim sendo, aproveito para delinear alguns aspectos de um auto-estatuto editorial, ao qual aqui em obrigo e que espero poder sempre cumprir rigorosamente.

1. Este espaço será o de um benfiquista sempre apaixonado pelo seu clube, mas não será um espaço oficial ou oficioso do Sport Lisboa e Benfica. Não tenho cartilhas, a não ser a cartilha da minha cabeça e das minhas convicções.

2. Como gosto de dizer, sou independente por convicção e sou dependente por liberdade. Quer dizer, não abdico da minha responsabilidade enquanto estádio superior da liberdade. E esta defino-a, para mim, como a dependência do que gosto. E eu gosto muito do Benfica que faz parte inalienável da minha vida e dos meus sonhos desde menino.

3. Não abdicarei da minha opinião, mas saberei mudá-la se e quando disso ficar ou for convencido.

4. Sem prejuízo da veemência e intensidade da defesa das posições em que acredito, terei o dever de ser urbano e elegante em qualquer circunstância e procurarei não ser precipitado na análise de acontecimentos sem a sua devida e tão completa quando possível contextualização.

5. Neste espaço, o futebol terá a preeminência de ser o desporto mais popular e importante sob diferentes prismas, mas jamais será totalizante nas minhas rubricas. Sem fui muito ecléctico no gosto e acompanhamento de outros desportos e aprecio poder contribuir, ainda que microscopicamente, para a sua maior mediatização e consideração institucional.

6. Não me sinto limitado aos assuntos de natureza desportiva e, sempre que para mim se justificar, tratarei de outros temas que se possam enquadrar no corpo, espírito e acervo de A Bola.

7. Nunca deixarei de expressar o cuidado com o tratamento de algum assunto no qual, directa ou indirectamente, esteja interessado ou envolvido, através do prévio aviso de declaração de interesses.

8. Sempre respeitarei o direito a privacidade de outros e o meu dever de confidencialidade em todas as circunstâncias.

9. Continuarei a escrever, convictamente, com a ortografia antes do chamado novo Acordo Ortográfico, que empobrece a língua portuguesa sobretudo pela estúpida prevalência do critério fonético em detrimento da raiz etimológica e, modestamente, procurarei não alimentar a indigência gramatical que se vai tornando a norma no nosso país.

Uma nota final neste primeiro O contador da Luz: sempre que achar oportuno, delinearei um quadro sinóptico de pontos que mais me suscitaram a atenção ou a curiosidade na semana, e a que chamarei Contraluz. Uma palavra, um número, uma frase, uma efeméride, um acontecimento, um pensamento, etc.
Para esta primeira semana, fica assim:
Contraluz
- Palavra. Culpa. Enterrados os mortos, ressuscitados as labirínticas culpas.
- Número. 5555. Os caracteres (com espaços) desta primeira crónica... sempre com o 5, meu algarismo preferido.
- Frase. «Renasce o sonho». Vê-se bem que estamos no defeso.
- Árvore. Dillenia indica L. Mais conhecida como árvore das patacas (que escasseiam).
- Pensamento. «No deserto, à procura de água, encontrou petróleo e morreu à sede» (provérbio árabe). Cuidado com o equilíbrio das contratações neste tempo de transferências."

Bagão Félix, in A Bola

Que falta fez lá na Rússia a traça de Paris

"Alguma coisa terá faltado à nossa selecção em Kazan. Não foi vontade nem sorte que faltou. É injusto acusar os jogadores portugueses de pouca disposição para o cometimento e é surreal apontar o dedo aos deuses da fortuna que bem se esforçaram para impedir a saída baixa dos campeões da Europa. Por duas vezes, no mesmo lance, vimos os postes da baliza de Rui Patrício desempenhar garbosamente o papel que competia a Rui Patrício e por uma vez se viu o vídeo-árbitro dormir num lance capital em nosso desfavor. O que faltou a Portugal foi o que faltou a Cristiano Ronaldo: faltou-nos a traça.
Aquela traça que em Paris, vai fazer agora um ano, pousou magnificamente no sobrolho do estendido capitão português e fez a selecção disparar para o momento mais insólito da sua História resolveu não comparecer em Kazan e o resultado viu-se. Sem a traça a eliminação não deixou dúvidas. Ficou apenas uma coisinha por esclarecer: o castigo máximo que o jovem André Silva pretendeu, sem êxito, cavar nas barbas do árbitro iraniano no decorrer da primeira parte do prolongamento conta como o 23.º penálti roubado ao FC Porto na temporada de 2016/2017 ou contará como o 1.º penálti roubado ao AC Milan em 2018/2018? Cientistas da bola, estudem o assunto.
Prossegue, entretanto, o defeso do futebol português entregue por inteiro às barulhentas altercações entre comentadores-residentes das nossas estações de televisão. É esta uma grossa novidade mas não lhe chamaria, propriamente, um progresso civilizacional. Antes pelo contrário. Em termos, por exemplo, da secular rivalidade entre os dois emblemas da Segunda Circular, pertenço a uma antiga geração que aprendeu a gostar de futebol e dos seus clubes graças a magníficos protagonistas de duelos encantadores como Eusébio e Damas, Artur e Diniz, Bento e Manuel Fernandes, Luís Figo e Rui Costa, Chalana e o resto do mundo… Pobres gerações mais jovens que até em tempo de férias têm agora de se dividir entre um Guerra e um Pina. Ou vice-versa.
O Tour vai começar envolto numa polémica de costumes. O ciclista belga Jan Bakelants afirmou no decorrer de uma entrevista que para "ocupar os tempos livres" conta levar "uma embalagem de preservativos" porque "nunca se sabe onde se encontram as meninas do pódio". A organização do Tour exigiu-lhe imediatamente um pedido de desculpas e a equipa do Jan Bakelants, a AG2R-La Mondiale, pediu desculpa aos organizadores e ao público pela alarvidade do seu corredor. Esta historieta vinda do estrangeiro e de estrangeiros é exemplar. Por cá o patamar é outro e muito, muito abaixo. Numa recentíssima reportagem televisiva em Kazan, entrevistando adeptos portugueses, um jornalista em missão patriótica perguntava-lhes, felicíssimo consigo próprio: "E as russas? E as russas?" Que tristeza. Ninguém tem mão nisto?"

Carta aberta ao bruxo da Guiné

"Caro general Armando Nhaga, há coisas no futebol português que parecem bruxaria. Eu sei que você já esclareceu que não tem nada a ver com essas coisas, é só um desabafo. Como se já não bastasse o estado do nosso futebol, no defeso falou-se mais de e-mails do que de reforços, o que aumenta o nível de alerta e preocupação quando se aproxima o arranque da competição. Estamos, cada vez mais, à beira do abismo. Estou preocupado, como adepto, e temo que agora só as forças do oculto possam livrar-nos do mau olhado. Da minha parte, se eu fosse presidente da Liga e você bruxo, acordava consigo um contrato de prestação de serviços segundo o qual você receberia um valor chorudo por cada jornada da Liga 2017/18 sem polémica, mas calculo que não teria interesse em aceitar um trabalho em que muito dificilmente poderia ter sucesso. É como pedir à gelatina que pare de tremer, eu sei. Para mais, além do elevado risco de insucesso, a tarefa iria exigir-lhe muita dedicação, sem direito a folgas e distracções, para não acontecer o mesmo descalabro do Dortmund-Benfica (4-0).
É evidente que, como o caso é grave, se eu fosse presidente da Liga e você bruxo, não teria reservas em contratar alguém com provas dadas para o ajudar. O mestre Alves ou o bruxo de Fafe, por exemplo. Mesmo o nível internacional há especialistas de renome como o espanhol Pepe (o tal que um dia lesionou Ronaldo). Se mesmo assim não chegasse, meteríamos voluntários em cada estádio a fazer buracos na relva, a espalhar aguardente, sal e alhos, a soltar galinhas, sapos e pombos. Se tudo isto falhasse, então sim tentaríamos pedir bom senso e fair play aos nossos dirigentes. Porque no fundo, eles, você e eu queremos todos o mesmo: um futebol português firme e hirto como uma barra de ferro. Lá dizia o bruxo Alexandrino."

Gonçalo Guimarães, in A Bola

Alvorada... com o Lemos

3.ª dia dos B's

Haris...

Aulas...

NetPress... Powered by Benfica!

5.º dia...

2.º dia dos B's

Benfiquismo (DXX)

Grande...

105x68... recomeço...!!!

Videoárbitro? Um projeto bebé que fazia falta ao futebol moderno e à arbitragem. Ponto

"Vamos então fazer um balanço sobre a actuação do Sistema do Videoárbitro na Taça das Confederações.
Por partes. A tecnologia em si é boa. Muito boa.
Está bem construída, bem pensada e funciona (quase sempre) sem falhas. É útil e fazia falta ao futebol moderno e à arbitragem. Ponto.
A partir daí, a questão central passa a ser outra: a da eficácia da sua utilização.
E sobre este aspecto, convém recordar algumas coisas:
Este é um projecto bebé. Um projecto que está a dar os primeiros passos e que ainda se encontra em fase de testes.
A introdução do Sistema de Videoárbitro no futebol foi um passo corajoso e arrojado, que terá impacto fortíssimo no jogo, nos jogadores, no sistema táctico das equipas e sobretudo na rotina em campo dos árbitros. Terá também impacto nas expectativas dos adeptos e de todo o universo do futebol.
Algo assim leva tempo. Leva tempo a interiorizar. A afinar.
A FIFA, à semelhança de outros países (como Portugal), quis participar nesta fase piloto. Porquê? Porque tenciona aplica-lo no Mundial de 2018, na Rússia. Legitimamente.
Qual é que foi o grande risco dessa decisão?
É que, ao contrário das federações nacionais (que têm jogos de menor dimensão mediática para realizar os seus testes), só o poderiam fazer nas suas competições: Mundial de Sub 20, Mundial de Clubes, Taça das Confederações...
Tudo montras de grande dimensão, vistas e escrutinadas por centenas de milhões de pessoas em todo o mundo.
Foi uma decisão compreensível mas arriscada, que comportava riscos.
E o certo é que, tendo corrido bem na maioria das vezes (existiram sete situações claras onde a colaboração do VAR foi crucial para decisão final), naturalmente que teve menos bem em momentos importantes.
Num deles, terá falhado o próprio VAR: o penálti do José Fonte (pisão a um jogador chileno) foi claríssimo nas imagens mas o videoárbitro teve leitura diferente e absteve-se de intervir.
Noutros dois, falhou apenas e só o árbitro: no México/Nova Zelândia (tudo correu mal) e, de forma mais clara, na Final entre Alemanha e Chile, onde um vermelho (evidente e inquestionável em todas as imagens) ficou por exibir.
Reparem: em nenhum desses erros falhou a tecnologia em si.
O que correu mal foi a sua aplicação pelos árbitros. A intervenção humana.
E o que é isto nos diz a todos?
Diz-nos que esta é mesmo uma mudança de paradigma e que a sua afinação requer tempo, treino e formação contínuas.
Um bom VAR tem que ter um conjunto de competências, técnicas e humanas, distintas. Muito distintas. E isso não se aprende de um dia para outro. Tem que conhecer bem as leis de jogo. Tem que estar familiarizado com o protocolo aprovado.
Tem que saber analisar imagens e identificar potenciais erros. Tem que saber como pedir informação ao técnico de imagem de forma a que ele entenda qual o incidente a rever e qual a melhor imagem/ângulo a facultar. Tem que perceber quais os timings da sua intervenção junto do árbitro e, sobretudo, tem que saber qual a melhor forma de passar essa informação ao árbitro - que está pressionado em campo - com serenidade, segurança e credibilidade.
Tem ainda que saber juntar tudo isso a uma enorme eficácia, ou seja, fazer muito e bem, o mais rapidamente possível.
Isso implica, de facto, muita coisa.
E implica sobretudo que o VAR tenha uma forte personalidade. Que seja imune a pressões ou ruídos exteriores e que tenha a clareza de saber obedecer apenas e só à sua consciência.
Em suma, deve ser alguém tecnicamente muito competente e pessoalmente capaz, independente e corajoso.
Grande parte dessas competências, sobretudo as técnicas, requerem muito treino.
Treino em sala, com visionamento exaustivo de imagens e com a realização de sucessivas simulações (role play) ao nível da comunicação.
Mas também "treino" em competição. Porque só o ambiente real, a pressão dos tempos de espera, o ruído infernal do público e o enorme stress competitivo, colocarão verdadeiramente à prova a capacidade de alguém tomar excelentes decisões, de elevada responsabilidade, no menor espaço de tempo possível.
Um excelente árbitro não será, necessariamente, um excelente VAR. E é importante que todos entendamos isso com urgência.
Não esperem milagres. Seria pedir demasiado nesta fase e penso que já todos percebemos porquê. 
Mas não duvidem: erros grosseiros, de lances objectivos e transparentes, que escapem ao olho do árbitro em campo, deixarão de existir.
E com o tempo, muitos outros também. Haja tolerância e tempo para deixar crescer, sustentadamente, uma iniciativa que tem tudo para dar certo."


PS: Dois erros evitáveis que aconteceram no protocolo na Taça das Confederações:
- A obrigatoriedade de ser o árbitro de campo a 'pedir' a actuação do VAR! No lance do José Fonte, o VAR devia ter avisado o árbitro de campo... simples.
Na Final da Taça de Portugal, no video que a FPF divulgou, com a entrevista do Hugo Miguel, foi notório que o Soares Dias 'aconselhou' mesmo quando não foi solicitado... E isso deve acontecer sempre, agora o nível e confiança entre o VAR e o árbitro de campo tem que ser grande, ter árbitros de nacionalidades diferentes, que nem falam a mesma língua, não é fácil...
- A possibilidade do árbitro ir à linha lateral rever o lance, não faz sentido. Perde-se tempo, e vai criar um potencial foco de muita contestação com os 'bancos' a protestarem...
A opinião do VAR deve ser valorada, ponto final... Além disso, é muito mais complicado um árbitro de campo, alterar uma decisão sua, vendo o lance, na linha lateral... existe sempre uma relutância maior em admitir o próprio erro... como foi visível na Final com a cotovelada do Jara ao Alemão!