Últimas indefectivações

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O Gnu

"De tempos a tempos, geralmente mais sobre o final do ano, as televisões fazem umas reportagens sobre o bicho. E os jornais, por simpatia, publicam-lhe os mugidos entaramelados. Por isso, de repente, vemo-nos frente a frente com o seu olhar de carneiro mal-morto, as pálpebras desencontradas, tapando meia córnea, deixando-nos da dúvida se o animal dorme ou se já se debate nas vascas da agonia. Por esse olhar semicerrado é possível traçar-lhe a obtusidade do raciocínio. Visceralmente bronco, naturalmente lorpa, o gnu baba-se. Por entre a espuma dessa baba bovina, soltam-se insinuações e mentiras canalhas. Relho, decrépito, já não tem pêlo: meia-dúzia de repas espalham-se em redor dos chavelhos.

Felizes, submissos, os repórteres de pacotilha rastejam em frente ao chefe da manada, tirando fotografias, captando imagens, desfazendo-se em elogios, lambendo-lhe os cascos. A história mete nojo, mas repete-se do princípio ao fim dos tempos. O velho gnu rebola-se de gozo na lama fétida desses dejectos humanos. Para sobreviver, precisa que lhe afaguem o ego descomunal. O seu cérebro caliginoso não o deixa tomar noção da sua tão grande pequenez. Vive num mundo só dele e da sua súcia. Há quem garanta que tem a língua bífida das cascavéis, mas não saberia dizê-lo. Os documentários que de vez em quando o retratam, mostram-no em murmúrios, em resmoneios, em rosnidos, em mugidos. A língua mantém-se dentro da boca, segurando a placa e o falso palato. Há quem se entretenha estudar o espécime em todo o esplendor da sua estupidez. Outros, ao ver imagens tão cruas da imbecilidade do gnu, agoniam-se, são acometidos por vómitos e diarreias. É assim a National Geographic: mostra-nos os seres mais repelentes da natureza sem subterfúgios. O que faz que muitos de nós duvidem que bichos como o velho gnu tenham sido sequer concebidos por Deus."


Afonso de Melo, in O Benfica

Sem Vergonha

"Factos são factos, e, uma vez provados, tornam-se irrefutáveis, podendo, quando muito, ser explicados. Refiro-me àquilo que li, numa excelente peça jornalística publicada pelo 'Público', na edição do passado dia 6, que dá conta da forma como o corredor das equipas visitantes, no Estádio de Alvalade, foi redecorado com imagens hostis e agressivas que incitam ao ódio, ao confronto e que fazem mesmo uso de símbolos que nos remetem para a memória mais trágica do século XX, com cruzes de ferro e saudações fascistas.

O texto assinado por Hugo Daniel Sousa é construído com grande objectividade e indiscutível suporte factual, o que torna inaceitável por parte dos dirigentes sportinguistas.

Opções como esta, ou seja a de fazer da sala de visitas para quem vem de fora, um espaço de crispação e violência anunciada, nunca surgem por acaso, ainda que nos queiram fazer crer o contrário. A escolha dos símbolos e do clima que eles geram e dos sentimentos que induzem nunca pode resultar apenas da opção estética de uma equipa de decoradores e 'designers'.

Comprovada esta situação, é bom que se recorde que isto acontece num momento em que, no Mundo do Futebol, na Europa e noutros continentes, decorrem campanhas contra o racismo, contra violência e contra qualquer forma de discriminação ou confronto que possa tornar os estádios perigosos e infrequentáveis.

Imagine-se que é uma pessoa receber visitas em casa e decorar o quarto onde pernoitam com fotografias que as intimidam.

As opiniões de Ricardo Costa, presidente da Comissão Disciplinar da Liga, e do prestigiado jurista José Manuel Meirim, inseridas na peça jornalística citada, têm de ser lidas e levadas à letra, pois não deve haver passividade cúmplice perante aquilo que as fotos que ilustram o artigo eloquentemente documentam. Já agora, o que têm a dizer sobre o assunto ex-presidente do clube como o Pedro Santana Lopes, agora a dirigir a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. É que um caso como este nada tem de misericordioso."


José Jorge Letria, in O Benfica

Mais campeão

"A uma ronda da primeira volta da Liga, o Benfica garantiu a liderança isolada na prova. A equipa continua invicta, numa trajectória excelente, que até já passou pelos testes exigentes, que se saldaram em duas igualdades, nas deslocações ao Porto e a Braga.

Este Benfica, versão 2011/2012, tem mais três pontos, na mesma altura da competição, do que aquele Benfica que, há dois anos, se sagrou Campeão Nacional. O registo é sensacional e auspicioso. A equipa está firme, vende saúde, exibe ideias, carrega talento, transporta emoção.

Nas duas próximas jornadas da Liga, a Luz vai ser o palco dos embates frente ao Vitória de Setúbal e ao Gil Vicente. Está desenhado um excelente ensejo para o Benfica reforçar a condição de guia na pauta do Campeonato e acrescentar mais dois degraus ao seu percurso ascendente.

Afinal, a que se deve este Benfica tão exclamativo? A uma liderança técnica competente? Sem dúvida. Ao melhor guarda-redes da Liga? Também. À mais competente dupla de centrais que actua em Portugal? Também ainda. A uma intermediária sagaz e desequilibrante? Igualmente. A um ataque explosivo e certeiro? Sem dúvida.

O Benfica está bem e recomenda-se. Os adeptos estão bem e emocionam-se. Todo o Universo Vermelho está mergulhado numa atmosfera positiva e não menos entusiástia. Ainda assim, este Benfica-mais-Campeão não pode distrair-se. Se conseguir manter o rigor competitivo que vem patenteando, só pode haver uma certeza. E qual é? 2012 vai ser mesmo um ano vermelho."


João Malheiro, in O Benfica