Últimas indefectivações

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

O clássico e Maxi

"FC Porto-Benfica foi um razoável jogo, sem jogos florais antes e depois. Estiveram bem os dirigentes dos dois clubes, não poluindo o ambiente. O futebol precisa de acalmia e tal estado de espírito tem que começar por cima. Perdeu o meu clube, apesar de ter jogado melhor do que há um ano em que venceu 2-0. E, de novo, houve os últimos e fatídicos minutos, que parecem já ser uma tradição maldita para o Benfica no Dragão.
Maxi Pereira voltou a jogar mais um clássico. Desta vez, do lado oposto. Como sempre jogou com alma, intensidade e ganas que, ao longo dos anos, têm disfarçado e compensado as suas relativas insuficiências. No jogo, foi-lhe poupada uma expulsão logo no início da segunda parte, que o árbitro não teve coragem de punir naquele ambiente.
No entanto, não é tanto disso que quero aqui escrever. Tem mais a ver com o que, já há tempos, referi: a ingratidão. Maxi Pereira, como excelente profissional, fez o seu jogo. Escusava era de, no final, ter exultado, de uma maneira tão expressiva, com a vitória do seu novo clube e a derrota do seu antigo clube. Afinal sempre foram 8 anos no Benfica. Não sei mesmo se, sem esses 8 anos, o uruguaio teria tido agora a oportunidade de melhorar substancialmente a sua retribuição num novo clube ou se estaria esquecido numa qualquer equipa secundária. Por isso, não questionando o direito-dever de dar o máximo pela nova equipa e de ficar satisfeito com a vitória, não lhe ficaria mal um certo período de nojo na transição. Período que outros jogadores respeitam com galhardia, gratidão e moderação. E até com o silêncio que ele não foi capaz de assegurar."

Bagão Félix, in A Bola

Nélson Semedo no caminho certo

"(...)
A simplificação em atividades complexas e delicadas é uma arte difícil de atingir.
Nélson Semedo foi promovido por Rui Vitória da equipa B e achou bem; tornou-se titular do bicampeão nacional e achou melhor ainda; chegou ao Dragão para assumir o duelo com Brahimi, acenou com a cabeça, arregaçou as mangas, fixou-o nos olhos, tratou-o logo por tu e, contra todas as previsões, não perdeu o duelo com um dos melhores jogadores da Liga. As dúvidas começam a dissipar-se: temos jogador.
(...)"

Duas faces

"O Benfica entrou com uma identidade vincada no Dragão, na primeira parte colocou o Porto em sentido, com posse e boa circulação de bola, agressividade defensiva e a equipa subida. Desta feita, não se viu um Benfica com o autocarro estacionado à frente da área (estratégia que deu a vitória o ano passado), nem uma equipa incapaz de controlar o jogo a meio-campo.
Nos últimos anos, não me recordo de ver um Benfica tão destemido e personalizado a jogar contra o Porto fora. E a comparação não é de somenos: este é, afinal o onze titular menos forte das últimas temporadas e, convém não esquecer, a equipa entrou em campo com uma ala direita que o ano passado fazia o tirocínio na equipa B. Esta foi uma das faces do Benfica este fim de semana. Uma face bem positiva e que augura um futuro auspicioso.
Infelizmente houve outra face. A da equipa que perdeu os três jogos oficiais disputados fora da Luz (com Sporting, Arouca e Porto). Como a próxima deslocação é a Madrid, para defrontar o Atlético, o Benfica arrisca-se a fazer quatro jogos fora e a acumular quatro derrotas. Esta é a face mais negativa. Que fazer agora? Consolidar uma ideia de jogo distinta da do passado (da qual se têm visto sinais nas últimas partidas), estabilizar o onze titular e não escorregar de novo.
O Benfica pode mudar de política, apostando em jovens vindos da formação, mas tem de combinar essa aposta com a capacidade ganhadora do passado recente. Caso contrário, não há estratégia de aposta na formação que resista."

'Aposta suja'

"Na sexta-feira, o jornalista e amigo Luís Aguilar, colaborador do Record e do Sindicato, apresentou o livro 'Aposta Suja'. Um livro corajoso, que recupera o jornalismo de investigação e aborda um dos temas que colocam em perigo o futuro competitivo e a integridade desportiva: o 'match-fixing', expressão que define a prática de combinar resultados, com vista a obter prémios desportivos ou quantias provenientes de apostas a dinheiro. É um livro de leitura obrigatória para jogadores, treinadores, dirigentes e instituições desportivas e políticas.
Para se compreender a dimensão do fenómeno, recupero uma declaração do antigo investigador da FIFA, Terry Steans: "As pessoas falam do lucro que a FIFA teve com o Mundial do Brasil. Perto de 4 mil milhões de dólares. Sabem o que eles chamam a 4 mil milhões no mercado ilegal de apostas na Ásia? Quinta-feira! É a receita que fazem num só dia. Estima-se que o mercado de apostas desportivas consiga um retorno anual de 1 trilião de dólares, dando uma média de 3 biliões por dia. É desta realidade que estamos a falar. Respire fundo. Em Portugal, apesar das notícias vindas a público, continuamos a fingir que nada acontece. Todavia, há sinais claros que não devem ser menosprezados. O incumprimento salarial deixa os jogadores mais vulneráveis; a falência de clubes/SAD deixa os dirigentes mais dependentes; a entrada de investidores estrangeiros sem qualquer escrutínio abre a porta ao crime organizado; a ausência de um modelo de licenciamento das competições não profissionais ou a ineficácia do modelo das competições profissionais potencia a desigualdade; a ausência de um modelo de boa governação promove a opacidade, a irresponsabilidade e a impunidade.
O Sindicato será activo, em especial junto dos jogadores, informando, esclarecendo, alertando e criando mecanismos de segurança para a denúncia, o que fará brevemente, apresentando o seu projecto 'Anti Match-Fixing'. Até lá, deixo alguns conselhos aos jogadores:
1. Sê transparente nunca combines o resultado de um evento;
2. Sê aberto conta a alguém que te tentaram subornar;
3. Sê cuidadoso nunca partilhes informação sensível;
4. Sê inteligente conhece as regras;
5. Salvaguarda-te - nunca apostes no teu próprio desporto."

Para que serve a justiça desportiva?

"1. O Direito desportivo é como o Direito canónico. Perante a Lei civil de nada valem. É por isso que a Justiça desportiva ameaça com o fantasma da expulsão das provas a quem recorrer a um tribunal comum para contestar uma sua decisão. Vejam o que aconteceu com a compulsiva despromoção do Boavista no rescaldo do Apito dourado! Depois de vários anos, acabou por ser reintegrado, obrigando assim a Liga ao alargamento para 18 clubes quando o país não tem capacidade para sustentar mais de 10-12! Vejam o que sucedeu ao Calciopoli (um terramoto que em 2006 varreu todas as estruturas do futebol italiano e que envolveu várias instâncias desportivas e civis), agora demolido pelo Supremo Tribunal de Justiça! Afinal, os únicos responsáveis pelo escândalo foram o famigerado Luciano Moggi, já irradiado, acolitado por outros dois dirigentes da Juve, hoje vice-campeã europeia depois de um banho de humildade no escalão inferior. Um dos protagonistas deste ressurgimento bianconero é o jovem (22 anos) Morata, um canterano do Real que em Julho de 2014 o cedeu por 20 milhões com uma cláusula de resgate de 30. Florentino Pérez já avisou que vai executar a cláusula, mas a velha e sagaz senhora tudo faz para impedir a sua libertação. Como? Convencendo-o a dizer «não», mediante o aumento do salário, a prorrogação do contrato e a titularidade.
2. De igual modo, também o Sporting faz o mesmo com Carrillo. Pretende que o peruano prolongue o seu vínculo e, para isso, promete-lhe aumento salarial. O jogador, porém, que tem outras e melhores propostas, recusa. E o que faz Bruno de Carvalho? Em desespero de má causa, castiga-o, afastando-o da equipa. É isto justo e legal? Não. O jogador está a cumprir exemplar e escrupulosamente o seu compromisso, que termina em Junho próximo. E até lá quer manter a mesma atitude. Só que não o deixam e marginalizam-no. O que têm a dizer a isto os senhores juízes da Comissão de disciplina e do Conselho de Justiça? Nada, como sempre."

Manuel Martins de Sá, in A Bola