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sábado, 27 de dezembro de 2025
Os primeiros reforços de inverno
"Durante a pré-temporada, os treinos e os jogos amigáveis permitem aos treinadores avaliar o desempenho individual e coletivo, mas é num contexto competitivo que as fragilidades coletivas ficam mais evidentes.
Os primeiros jogos oficiais normalmente revelam padrões de jogo, lacunas táticas e desequilíbrios nas posições que, muitas vezes, não eram visíveis em treino ou jogos de preparação. Uma defesa pode mostrar dificuldades frente a adversários com maior aceleração ou com equipas de transição rápida ou o meio-campo pode ter problemas na transição entre defesa e ataque. Estes sinais tornam-se fundamentais para orientar decisões estratégicas, seja na adaptação de esquemas táticos, seja na necessidade de reforços durante o mercado de transferências.
Por outro lado, no decorrer da época e com o acumular de jogos, há lesões e jogadores que não correm ou jogam aquilo que o treinador esperava deles. Só com o decorrer da época é possível identificar com clareza onde a equipa precisa de reforços e onde é possível otimizar a performance coletiva, garantindo que as soluções adotadas correspondam às exigências reais do campeonato e restantes competições.
O mercado de reforços de inverno no futebol só abre no início de janeiro, mas há quem pense numa fase zero dessa janela de oportunidade para melhorar a equipa: o regresso dos lesionados. Nessa base, vou elaborar o meu top-10 de reforços de inverno com esse critério: jogadores praticamente recuperados e que perderam a maioria ou a totalidade dos jogos da primeira metade da época.
Este ranking de jogadores que regressam de lesão é baseado em diversos fatores como o nível do jogador e a sua importância para o clube, sendo que tem de haver uma probabilidade real de impacto após o regresso.
1.º Debast (Sporting).
A recuperar de lesão desde o final de outubro, está neste momento perto do regresso. Será uma grande ajuda para a equipa de Rui Borges, já que não pode contar com Diomande nas próximas semanas, por estar presente na CAN.
2.º Manu (Benfica).
O médio já teve alguns minutos de jogo, mais de 10 meses depois de ter sido submetido a cirurgia de reparação do ligamento cruzado anterior e pode ser um reforço de peso para José Mourinho. Contratado para ser um elemento importante do meio-campo do Benfica, pode provar agora que tem um futuro brilhante.
3.º Daniel Bragança (Sporting).
Em fevereiro de 2025 teve uma rotura total do ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo, sendo que já tinha tido a mesma lesão no joelho direito, em 2022. Após um processo exigente de fisioterapia e reintegração aos padrões normais de movimento, está de regresso para confirmar o seu talento em campo.
4.º Gustavo Silva (Vitória Sport Clube).
O extremo brasileiro era um dos indiscutíveis do Vitória, uma vez que foi titular nos seis primeiros jogos da Liga. Lesionou-se no dérbi do Minho. Foi submetido a uma intervenção cirúrgica e iniciou um processo de recuperação longo, estando previsto estar pronto para jogar no início de 2026. Será importante para ajudar o Vitória a aproximar-se dos lugares europeus.
5.º Léo Chú (Alverca).
O extremo foi operado ao joelho direito quando estava ainda no Dallas, no final da época passada. Contratado para dar velocidade aos alverquenses, procura ainda regressar à melhor forma física.
6.º Bah (Benfica).
Finalmente, o Benfica tem um lateral direito que pegou de estaca, mas Bah assim que estiver apto conseguirá ser um possível substituto à altura. No dia 8 de fevereiro de 2025, sofreu uma rotura do ligamento cruzado anterior, no mesmo jogo que o seu companheiro Manu Silva. Após a lesão, iniciou um longo processo de recuperação e regressa no início de 2026. O dinamarquês traz equilíbrio defensivo e largura ofensiva, algo essencial no modelo dos encarnados.
7.º Xeka (Estoril).
O médio conquistou a titularidade no final da primeira volta da época 2024/2025 e manteve esse estatuto até contrair uma lesão ligamentar no joelho direito, da qual ainda recupera. Pode ser um excelente reforço para a segunda metade do campeonato.
8.º Mateo Flores (Arouca).
O médio está lesionado e fora da competição desde o início da época devido a uma lesão meniscal e estará apto para voltar a jogar em breve. É um jogador de equilíbrio com boa leitura de jogo e será um elemento importante para o Arouca garantir a manutenção na liga portuguesa.
9.º Nuno Santos (Sporting).
Depois de mais de 400 dias após a rotura do tendão rotuliano do joelho direito, o esquerdino continua em recuperação. Apesar da ausência prolongada, tem hipóteses reais de voltar a jogar no Sporting e ser opção ao longo da segunda metade da época.
10.º Jónatas Noro (SC Braga).
O defesa-central português sofreu uma rotura total do tendão de Aquiles direito ainda no decorrer da época passada, numa altura em que estava a ser chamado várias vezes aos trabalhos da equipa principal, pela qual chegou a jogar para o campeonato e taças. Continua a ser uma promessa do futebol português e estará em breve a jogar.
Há outros jogadores que poderão ser considerados reforços, mas apenas para a próxima época. Casos como Luuk de Jong, Bruma ou Vasco Sousa têm uma recuperação longa pela frente e não devem jogar mais esta temporada. Um jogador em processo de recuperação deve ser lembrado. Sem minutos de jogo, o jogador acaba por desaparecer do radar emocional do adepto, mesmo continuando a fazer parte da equipa, mas acredito que todas as equipas técnicas percebem a importância do lado silencioso da recuperação de lesão e da importância que estes jogadores ainda podem ter nas suas equipas."
Amigos, tenham juízo!
"No tempo das promessas fáceis e memória curta, Portugal continua refém do ruído e da incapacidade de pensar em conjunto. Mas vem aí um novo ano e temos de desejar o melhor
É nesta altura que se pedem desejos. Olha-se para o ano que aí vem e espera-se que seja sempre muito melhor do que aquele de que nos despedimos às janelas e varandas, enquanto batemos quase enlouquecidos em tachos e panelas, após engolirmos dozes passas mastigadas à pressa e despejarmos umas flutes de espumante. Queremos afugentar todas as amarguras que nos trouxe para bem longe de nós, a fim de o futuro imediato se instale, comodamente, à frente do nosso caminho, escrito a cor de rosa, cheio de unicórnios e construções de açúçar e algodão-doce. Somos pueris a esse ponto. Ingénuos. Nem os santos levam vida santa, bem pelo contrário. Foram mártires antes de ascenderem, hoje os que os veneram martirizam-nos com pedidos de tudo e mais alguma coisa. Até pelo resultado de um jogo. Um caneco qualquer. Ainda que seja outra realmente a religião que professam. E já foi o tempo em que erguíamos mosteiros que demoravam literalmente séculos a levantar para agradecer a Santa Maria da Vitória.
O desporto e o seu rei futebol, da nossa perspetiva desde o ponto mais ocidental da Europa, são, disse-o Arrigo Sacchi, o melhor treinador-sapateiro da história do jogo e reinventor do totaalvoetbal neerlandês, em versão rossonera, «a coisa mais importante das menos importantes da vida». Tinha razão. Também poderia ser a menos importante das mais importantes, que quereria dizer praticamente o mesmo. Porque todos sabemos que a vida continuará na mesma sem que o tenhamos connosco, mas nunca será a mesma coisa. E talvez nem seja bem vida. Não esqueçamos do papel que a prática do desporto tem para a saúde e para a vida em sociedade e o que influencia em tudo o resto. Algo que neste país pouco entusiasmou os governantes, mais preocupados em aparecer bem na fotografia no momento dos triunfos do que em trabalhar para vulgarizá-los, para que se tornem parte do dia a dia, apontando ao mesmo tempo o caminho para uma nação mais saudável.
Não sei se já repararam, mas somos um país incrível. Sempre fomos pequenos, mesmo quando o que era nosso era maior do que nós, fruto de uma vontade férrea que, desde que consigamos calar os Velhos do Restelo, nos empurra para uma dimensão muito superior ao que está entre as nossas fronteiras e dentro dos nossos limites de gestão e governação. Olhamos para quem se candidata ao poder e provavelmente não lhes confiaríamos uma empresa de condomínio quanto mais as chaves do país, de uma Câmara Municipal, de um clube ou de uma organização. No entanto, ao mesmo tempo, exportamos talento. Em múltiplas áreas. No desporto, ganhamos em modalidades que ninguém apoia e de que ninguém se lembra durante 11 meses e a partir do futebol que temos, do campeonato esfarrapado que organizamos e que maltratamos a cada minuto apenas para depois nos servirmos dele, dele sorvendo tudo sem dar nada em troca, criámos provavelmente o melhor plantel presente no próximo Campeonato do Mundo. Daqui por alguns meses vamos estar de bandeirinhas nas janelas e nos automóveis a apoiar à distância uma Seleção que é muito maior do que futebol de onde nasceu.
Não acredito que 2026 venha a ser muito melhor do que foi 2025, mas está na tal altura dos desejos e vou deixar-me levar. O desporto e o futebol português não se vão resolver num único ano, mas bastaria que os líderes usassem um pouco do bom senso que tantas vezes lhes falta para espoletarem a mudança tão necessária. Uma mudança que lhes interessa, embora achem que não, que é melhor se isolarem, fecharem-se no seu castelo e dispararem misseis em forma de comunicados que vão fragilizando a estrutura do dos rivais. É com esse pensamento medieval que deixam por vezes o burgo, rodeados pela respetiva corte, e falam, constrangidos por uma memória seletiva e coletiva que deixa de lado escândalos próprios e até terem estado pouco antes do outro lado da barricada. Vistam-se de verde, vermelho ou azul, e apesar de dominarem a cena mediática, há outros que se calhar teriam bem mais a reclamar. A clamar por justiça.
No próximo ano, já que não o fizemos antes, deveríamos começar a tratar bem o nosso desporto. O nosso futebol. Desde 1 de janeiro. E não esqueço nenhuma obrigação ou dever, seja os do jornalista ou do dirigente, os do treinador ou do jogador, e até os dos árbitros, que, com tudo isto, também perderam o bom senso, quando deviam ser as pessoas mais equilibradas, distantes e lógicas, enfim, os adultos na sala. Quando os melhores perdem a noção do que é claro e óbvio, e do que realmente é falta ou não, seja em que campo for, então é tempo de fazer uma pausa, respirar fundo e recomeçar. Se há muito acho que a rigidez das regras está a estragar o jogo, só os donos do apito conseguirão evitar o excesso de zelo e aplicar o critério justo. Acreditemos. Frederico Varandas, que de cada vez que é anunciado aos jornalistas se espera que acorde de novo o Vesúvio, mas depois acaba por acrescentar muito pouco à discussão, sente-se agora tão confortável que saiu em sua defesa, esquecendo-se das vezes que protestou e deu murros na mesa. Sugere 100 mil euros de pena por se falar na arbitragem, acrescento a perda de pontos. Já que falamos nisso, porque não? E sem providências cautelares possíveis emitidas em qualquer tribunal a norte ou a sul. O próximo desafio é que os árbitros não se sintam inimputáveis, mas essa é outra discussão.
Li vários elogios à forma como os clubes se portaram nas últimas reuniões de trabalho em conjunto. Li aí esperança de que fosse finalmente desta que todos tenham visto the big picture, entendido que podem alcançar muito mais em conjunto do que cada um por si. Não foi há muito tempo. Basta haver um jogo e tudo se esquece. Em janeiro, decide-se a primeira fase na Europa, a Taça da Liga e há clássico na Taça de Portugal. No início de fevereiro, joga-se mais um clássico que muito poderá decidir do campeonato e até maio haverá, em tese, três grandes a lutar por dois lugares na Liga dos Campeões. Mesmo assim, o meu desejo para 2026 é que ganhem juízo de vez. Ou só por vos contar já não se concretiza?"
Chegou a altura de fazer balanços
"Com o fim do ano de 2025 a aproximar-se, está na hora de olhar para o que mudou (ou não) ao longo deste ano civil. Nos três grandes houve um que se transformou – e está em primeiro
Depois do Natal, manda a tradição que comecemos a olhar para o novo ano, fazendo um balanço do que passou. Nos três grandes do futebol português, eis o tanto que mudou (ou não…) entre uma época desportiva e outra.
O FC Porto, há um ano, era treinado por Vítor Bruno, que foi despedido pouco depois de ter sido considerado o melhor treinador do mês de dezembro. Coisas da vida, em especial do futebol… Internamente, a divisão pós-eleições mostrava um clube sempre pronto a explodir e a pressão foi tanta que André Villas-Boas foi ao México buscar um jovem treinador com uma ideia. Spoiler alert: a ideia foi péssima. A partir daí foi sempre a descer até um Mundial de Clubes miserável e nada mais havia a fazer senão iniciar um novo ciclo. Chegou então Francesco Farioli, rotulado como o treinador que perdeu no fim, mas com ele veio um belo camião de jogadores e todos parecem ter comprado de imediato o projeto da famiglia portista. O primeiro futebol apresentado foi arrasador, bonito, entusiasmante, a roçar a perfeição. Depois o FC Porto tornou-se mais pragmático e é neste momento o merecido líder da Liga, com 14 vitórias e 1 empate, e apenas 4 golos sofridos, que é meio caminho andado para ganhar. O plantel é hoje mais valioso, o treinador sabe bem os perigos de tirar o pé do acelerador e o presidente trabalha com maior tranquilidade. Não é estranho, já se sabia: tudo depende do que acontece em campo.
Já o Sporting, há um ano, teve um Natal conturbado, com troca de treinador incluída. Ruben Amorim já lá ia (e que belo presente foi aquele Man. United…), João Pereira foi-se num instante e chegou Rui Borges, com muita humildade, para conquistar um histórico bicampeonato. O verão trouxe a novela Gyokeres, mas os leões têm outros protagonistas que garantiram que as saudades do arsenal sueco não iam ser assim tão grandes. Contas feitas, o Sporting está melhor do que no finalzinho de 2024, mas precisa de um bocadinho mais frente aos grandes para chegar a líder.
No Benfica parece que um ano teve muito mais do que 365 dias. Bruno Lage arrancou 2025 com aquela sensação de que tudo estava melhor do que com Roger Schmidt, depois perdeu tudo no fim e arrancou a nova época com muitos milhões em reforços, mas a uma derrota com o Qarabag de ser despedido. Chegou José Mourinho, houve o furacão eleições e começa finalmente a surgir a sensação de que há uma equipa sólida, capaz de fazer melhor. Se for possível manter os altos e conter os baixos, 2026 será mais animado. Até para o ano!"
Até o Espanhol!!!
Iturralde González não tem dúvidas: Otamendi sofreu penalty claro. Junta-se a TODOS os outros especialistas de arbitragem que escrevem em Portugal. pic.twitter.com/1mtHl2jAiC
— O Fura-Redes (@OFuraRedes) December 26, 2025
CAN 2025: valor económico vs rendimento em campo
"Os números do mercado ajudam a contextualizar a CAN, mas raramente explicam o que acontece dentro do campo. Os dados do Transfermarkt mostram diferenças enormes no valor económico das seleções ainda em competição — e é precisamente aí que o futebol africano desmonta leituras simplistas.
Marrocos lidera a hierarquia económica com um valor global a rondar os 435 milhões de euros, seguido de perto pelo Senegal (405 M€), Costa do Marfim (370 M€) e Nigéria (281 M€). No papel, este quarteto confirma o estatuto de favorito. No campo, essa condição só se valida quando o coletivo acompanha o talento individual.
Mais abaixo surgem realidades distintas. O Egipto, avaliado em cerca de 136 M€, mantém-se competitivo graças à sua organização, experiência e inteligência de jogo. A República Democrática do Congo, com aproximadamente 133 M€, continua a provar que clareza tática e compromisso coletivo conseguem equilibrar diferenças financeiras relevantes.
O contraste torna-se ainda mais evidente quando olhamos para seleções como a África do Sul (44 M€), Angola (52 M€) ou Tunísia (69 M€), equipas cujo rendimento em campo supera claramente o valor económico atribuído pelo mercado. Do outro lado, seleções como Botsuana (3 M€), Tanzânia (6,7 M€) ou Uganda (8,3 M€) competem com limitações claras, mas sustentadas em organização e dignidade competitiva — valores que não entram em avaliações financeiras.
Em maio de 2023, quando em Dallas iniciámos o primeiro estágio com a Seleção Nacional da Nigéria e tivemos o primeiro contacto com os jogadores, tive uma percepção muito clara: o valor económico individual é determinado pelo contexto e pela sociedade. Os jogadores são, antes de tudo, humanos que fazem aquilo que mais gostam e para o qual estão naturalmente preparados.
Lembro-me da primeira palestra. À minha frente estava um grupo cujo valor global rondava os 400 milhões de euros. Victor Osimhen, avaliado na altura em cerca de 120 milhões, era apenas um miúdo-homem com um coração gigante e uma vontade imensa de vencer. Esse valor não existe isoladamente — é o coletivo que o constrói.
O valor económico ajuda, cria margem e oferece soluções. Mas não ganha jogos sozinho. Na CAN, o mercado não entra em campo. Entram homens, decisões e identidade. É aí que o rendimento real se separa do valor económico."
Agentes de futebol e licença FIFA: entre a intenção regulatória e a inutilidade prática
"A FIFA voltou a prometer ordem num setor historicamente caótico: o mercado dos agentes de futebol. Exames, licenças, formação contínua e um foro próprio pareciam anunciar uma nova era de profissionalização e controlo. Mas entre o anúncio e a realidade prática, o Regulamento de Agentes de Futebol acabou por tropeçar e hoje levanta uma pergunta simples, mas incómoda: para que serve, afinal, a licença FIFA?
Aprovado em dezembro de 2022 pelo Conselho da FIFA, no Qatar, o novo Regulamento de Agentes de Futebol (FFAR) foi apresentado como um «instrumento equilibrado e razoável para proteger a integridade do futebol e o bom funcionamento do sistema de transferências». O discurso institucional apontava para maior transparência, profissionalização da atividade e proteção dos intervenientes mais frágeis do sistema. Ou seja, um regulamento embrulhado em boas intenções.
O FFAR entrou parcialmente em vigor em janeiro de 2023 e, na íntegra, a partir de outubro do mesmo ano, reintroduzindo um sistema de licenciamento obrigatório, sujeito a exame de acesso, formação contínua e um sistema próprio de resolução de litígios, através da criação da Câmara de Agentes no Tribunal do Futebol da FIFA.
A realidade, porém, rapidamente se encarregou de expor as fragilidades deste modelo.
Em dezembro de 2023, na sequência de várias impugnações apresentadas por federações e associações de agentes e, sobretudo, após a decisão do Tribunal de Dortmund que decretou uma providência cautelar suspendendo a aplicação de determinadas normas, a FIFA decidiu suspender parcialmente o regulamento.
Essa decisão foi formalizada através da Circular n.º 1873, de 30 de dezembro de 2023, aguardando-se agora uma pronúncia definitiva do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a legalidade das regras suspensas.
Nesse contexto, a FIFA recomendou que as federações membro suspendessem temporariamente as disposições em causa dos seus regulamentos nacionais, salvo se estas coincidissem com normas imperativas do direito interno.
Nesta senda, em Portugal, a Federação Portuguesa de Futebol reconheceu essa realidade, suspendendo as normas do FFAR abrangidas pela providência cautelar que não sejam simultaneamente impostas pela legislação nacional, mantendo-se em vigor as regras estruturantes já previstas na Lei n.º 54/2017, de 14 de julho.
Na prática o que quer isto dizer?
Significa que a regulação da atividade de agente continua a assentar, sobretudo, no direito interno, sendo a licença FIFA um requisito de valor jurídico limitado e de utilidade funcional discutível enquanto o núcleo do FFAR permanecer suspenso.
Importa ainda sublinhar que a suspensão do regulamento não se limitou a disposições controversas, como o teto remuneratório ou as regras de pagamento das comissões. Atingiu, de forma particularmente significativa, um dos pilares estruturantes do novo modelo: a Câmara de Agentes.
O FFAR previa, no seu artigo 20.º, um quadro disciplinar e jurisdicional próprio, com um foro especializado para resolver litígios entre agentes, jogadores, treinadores e clubes. Dada a complexidade dos contratos neste setor, incluindo os celebrados entre agentes e clientes, as situações raramente são tão simples quanto parecem.
A Câmara de Agentes surgia, assim, como resposta necessária à crescente litigância do setor, oferecendo, pelo menos, alguma segurança quanto ao foro para apreciar litígios relacionados com agentes, oferecendo previsibilidade, especialização e uniformidade nas decisões.
Todavia, com a suspensão do artigo 20.º do FFAR, os agentes ficam num verdadeiro vazio jurídico.
A licença subsiste formalmente, a formação contínua está em curso, mas o sistema que justificaria essa exigência encontra-se inoperante.
É certo que não é incomum que tais litígios sejam submetidos ao Tribunal Arbitral do Desporto (CAS), quando o contrato prevê expressamente que este seja a instância final de resolução.
Contudo, nem sempre os custos e a celeridade do CAS são compatíveis com este tipo de disputas, situação semelhante a outros mecanismos de arbitragem. Os encargos processuais podem escalar rapidamente e o simples acesso a uma audiência pode levar tempo considerável, quanto mais a obtenção de uma decisão final e a resolução efetiva do litígio.
Perante este cenário, as perguntas impõem-se quase naturalmente: qual é, hoje, a utilidade prática da licença FIFA? Serve para legitimar um sistema regulatório que não se aplica? Para certificar agentes num quadro jurídico suspenso? As respostas, essas, continuam adiadas...
A suspensão parcial do FFAR transformou a licença FIFA naquele típico presente de Natal que não serve, mas não dá para trocar ou devolver.
A médio prazo, a grande incógnita reside no desfecho do contencioso europeu. Caso o TJUE venha a declarar ilegais partes substanciais do regulamento, a FIFA será forçada a repensar profundamente o modelo. Até lá, agentes, clubes e jogadores operam num regime híbrido, fragmentado e instável, em que a licença FIFA existe apenas como um mero selo formal, mas desprovido de conteúdo normativo relevante.
Assim, num contexto em que as principais normas estão suspensas, em que a Câmara de Agentes não funciona como sistema eficaz de resolução de litígios e em que os ordenamentos jurídicos nacionais continuam a assumir o papel central na regulação da atividade, o Agente de Futebol não deixa de parecer aquele parente adulto que se senta na mesa das crianças na ceia de Natal: presente, reconhecido por todos, mas claramente deslocado."
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