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Dois golos de Eusébio marcaram a vitória do Benfica frente ao Torino no dia 6 de Maio de 1964. Recordou-se Superga, e a vitória sorriu mais uma vez aos portugueses.
Esta crónica não é uma crónica: é uma errata. Ou uma reparação, se preferirem. Disse há dias na BTV que Benfica e Torino não se haviam reencontrado após o terrível acidente de Superga, que dizimou «Il Grande Torino», uma das grandes equipas de futebol de todos os tempos.
Pois, agora venho desmentir-me. E com provas, como num tribunal.
Para isso andamos, por exemplo, até Maio de 1964.
Num serviço especial para o «Diário de Lisboa», podia ler-se: «O Benfica esmagou, positivamente, o Torino, marcando quatro golos na primeira meia hora do jogo que ambos disputaram - pois o resto do tempo passou-se com a equipa portuguesa a demonstrar como não se deixa o adversário marcar golos, mas sem forçar o andamento. Nessa primeira meia hora em que o resultado final de 4-1 ficou decidido, o Benfica mostrou superioridade individual e global, especialmente pela velocidade dos lances e pela coesão de toda a equipa».
Assim foi.
Para a história, eis os protagonistas:
TORINO - Vieri (Reginate); Scesi (Paletti) e Buzzachera; Cela, Fossati e Ferrini; Germanno, Pvia, Hitchens, Peiró e Grippa;
BENFICA - Costa Pereira; Cavém e Cruz; Neto, Germano e Coluna; Augusto Silva, José Augusto, Eusébio, Torres e Simões.
A vitória do Benfica foi clara e límpida como a água primordial das fontes.
O sonho de Hitchens
Aos 15 minutos, num lance escorreito entre José Augusto e Simões, que assinalaram exibições primorosas, Eusébio fez o 1-0 para o Benfica. 2-0 foi de Ferreini na própria baliza. Em seguida, sobre o minuto 25, um remate potente de Eusébio obrigou Vieri a rechaçar a bola para a frente, onde estava a cabeça certeira de Torres. O inglês Hitchens reduziu antes de Eusébio, num livre directo de formidável violência, fazer a resultado final.
À meia hora estava tudo resolvido.
Na sua prosa, o jornalista Aldo Terruzzi declarava: «O balanço geral do encontro pode dar-se em poucas palavras: o Benfica foi rei e senhor enquanto quis, dominando completamente as operações com jogadores que fizeram o que quiseram, com relevo para os três avançados - José Augusto, Eusébio e Simões - e para Germano e Cavém; por seu lado, o Torino foi um grupo que tentou na primeira parte articular um sistema defensivo reforçado, sem poder com a força do ataque benfiquista, e que na segunda parte reforçou o sistema ofensivo sem conseguir romper a defesa do Benfica. E é isto.»
Nada como as palavras de testemunhas que a tudo assistiram.
O treinador do Torino era o famoso Nerio Rocco, que seria uma das figuras gradas do Milan. Também ele reconhecia a superioridade encarnada: «O Benfica é uma grande equipa e veio demonstrar-nos que ainda não está concluído o trabalho de reestruturação da nossa turma. Gostei especialmente de José Augusto, Simões e Eusébio, no ataque, e de Cavém, na defesa».
Já Lajos Czeizler, o técnico das águias, dizia: «O abalo inicial actuou como um safanão: toda a equipa italiana tremeu e sentiu os efeitos demolidores dos golos portugueses. Na segunda parte vieram ao de cima os efeitos de um campeonato duro e longo e de três jogos de arrasar em oito dias - Zurique, Bruxelas e Turim. Seria necessária uma constituição de ferro para que a equipa não se ressentisse. Ora, ferro, em futebol, não tem utilização...».
Hitchens, o inglês do Torino, sonhava: «Belo ataque, o do Benfica, em que todos os elementos têm craveira muito igual, embora Torres me parecesse doente ou cansado. Gostava de jogar entre Eusébio e José Augusto! Que regalo deve ser...»
Um sonho que não ia para lá das fronteiras do sonho. Nem todos podiam jogar entre Eusébio e José Augusto. Só os privilegiados, filhos dilectos dos deuses do futebol.
Benfica e Torino voltavam a encontrar-se. Com nova vitória do Benfica que já era enorme perante um Torino que já não era «Il Grande».
Reposta a verdade. Pouso a caneta descansado."
Afonso de Melo, in O Benfica