quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Troféus, egos e erros

"O futebol é, na sua essência, um jogo colectivo. Donde, o conjunto dos 11 jogadores deve ser superior à sua simples adição.
Acontece que o fascínio das individualidades é um factor diferenciador num desporto em que a monotonia das tácticas, o medo de perder, a exaltação de destruir o jogo mais do que o primado de o construir, a ronha premiada e outros factores o vêm tornando um jogo de uma platitude por vezes abominável e afugentadora de público. Por isso se glorifica um jogador que arrisca, que se liberta da prisão táctica, que entusiasma com a imprevisibilidade, a arte e a inteligência.
É nesse enquadramento que se podem compreender os múltiplos troféus consagrados aos melhores, seja a nível mundial, continental, nacional ou clubista. Ainda que em demasia e, sobretudo, hipervalorizados nos media e nas análises. O que leva, a meu ver, a perscrutar nos melhores uma ansiedade indisfarçável de egos. Depois há as sempre subjectivas (para não dizer parciais) escolhas, espicaçadas por guerras entre os favoritos de que o duelo Ronaldo/Messi já cansa na sua lógica pré patológica.
Desde 2011, há o prémio da UEFA para o melhor atleta da época. Creio que dos 3 escolhidos não haverá dúvidas sobre o vencedor, Cristiano Ronaldo. O que já me parece estranhíssima é a escolha dos parceiros do pódio: Griezmann só porque jogou bem no Euro 2016? Bale, excelente jogador, porque levou Gales à semi-final?
Cai-se sempre nos mesmos erros. Parece que a memória só retém a parte final das épocas. Suárez foi o melhor marcador do... ano e final quase sempre de lado guarda-redes (Buffon, p ex.), defesas e médios."

Bagão Félix, in A Bola

Benfiquismo (CLXXXIX)

Rogério 'Pipi'... ainda entre nós...
Um dos símbolos vivos do Benfica

Trinta minutos de vendaval em Turim

"Dois golos de Eusébio marcaram a vitória do Benfica frente ao Torino no dia 6 de Maio de 1964. Recordou-se Superga, e a vitória sorriu mais uma vez aos portugueses.

Esta crónica não é uma crónica: é uma errata. Ou uma reparação, se preferirem. Disse há dias na BTV que Benfica e Torino não se haviam reencontrado após o terrível acidente de Superga, que dizimou «Il Grande Torino», uma das grandes equipas de futebol de todos os tempos.
Pois, agora venho desmentir-me. E com provas, como num tribunal.
Para isso andamos, por exemplo, até Maio de 1964.
Num serviço especial para o «Diário de Lisboa», podia ler-se: «O Benfica esmagou, positivamente, o Torino, marcando quatro golos na primeira meia hora do jogo que ambos disputaram - pois o resto do tempo passou-se com a equipa portuguesa a demonstrar como não se deixa o adversário marcar golos, mas sem forçar o andamento. Nessa primeira meia hora em que o resultado final de 4-1 ficou decidido, o Benfica mostrou superioridade individual e global, especialmente pela velocidade dos lances e pela coesão de toda a equipa».
Assim foi.
Para a história, eis os protagonistas:
TORINO - Vieri (Reginate); Scesi (Paletti) e Buzzachera; Cela, Fossati e Ferrini; Germanno, Pvia, Hitchens, Peiró e Grippa;
BENFICA - Costa Pereira; Cavém e Cruz; Neto, Germano e Coluna; Augusto Silva, José Augusto, Eusébio, Torres e Simões.
A vitória do Benfica foi clara e límpida como a água primordial das fontes.

O sonho de Hitchens
Aos 15 minutos, num lance escorreito entre José Augusto e Simões, que assinalaram exibições primorosas, Eusébio fez o 1-0 para o Benfica. 2-0 foi de Ferreini na própria baliza. Em seguida, sobre o minuto 25, um remate potente de Eusébio obrigou Vieri a rechaçar a bola para a frente, onde estava a cabeça certeira de Torres. O inglês Hitchens reduziu antes de Eusébio, num livre directo de formidável violência, fazer a resultado final.
À meia hora estava tudo resolvido.
Na sua prosa, o jornalista Aldo Terruzzi declarava: «O balanço geral do encontro pode dar-se em poucas palavras: o Benfica foi rei e senhor enquanto quis, dominando completamente as operações com jogadores que fizeram o que quiseram, com relevo para os três avançados - José Augusto, Eusébio e Simões - e para Germano e Cavém; por seu lado, o Torino foi um grupo que tentou na primeira parte articular um sistema defensivo reforçado, sem poder com a força do ataque benfiquista, e que na segunda parte reforçou o sistema ofensivo sem conseguir romper a defesa do Benfica. E é isto.»
Nada como as palavras de testemunhas que a tudo assistiram.
O treinador do Torino era o famoso Nerio Rocco, que seria uma das figuras gradas do Milan. Também ele reconhecia a superioridade encarnada: «O Benfica é uma grande equipa e veio demonstrar-nos que ainda não está concluído o trabalho de reestruturação da nossa turma. Gostei especialmente de José Augusto, Simões e Eusébio, no ataque, e de Cavém, na defesa».
Já Lajos Czeizler, o técnico das águias, dizia: «O abalo inicial actuou como um safanão: toda a equipa italiana tremeu e sentiu os efeitos demolidores dos golos portugueses. Na segunda parte vieram ao de cima os efeitos de um campeonato duro e longo e de três jogos de arrasar em oito dias - Zurique, Bruxelas e Turim. Seria necessária uma constituição de ferro para que a equipa não se ressentisse. Ora, ferro, em futebol, não tem utilização...».
Hitchens, o inglês do Torino, sonhava: «Belo ataque, o do Benfica, em que todos os elementos têm craveira muito igual, embora Torres me parecesse doente ou cansado. Gostava de jogar entre Eusébio e José Augusto! Que regalo deve ser...»
Um sonho que não ia para lá das fronteiras do sonho. Nem todos podiam jogar entre Eusébio e José Augusto. Só os privilegiados, filhos dilectos dos deuses do futebol.
Benfica e Torino voltavam a encontrar-se. Com nova vitória do Benfica que já era enorme perante um Torino que já não era «Il Grande».
Reposta a verdade. Pouso a caneta descansado."

Afonso de Melo, in O Benfica

"É uma águia, mas é macho!"

"Todos os benfiquistas conhecem a majestosa águia que coroa a porta principal do Estádio. Mas será que lhe conhecem o sexo?

mais de trinta anos que a fachada principal do Estádio da Luz é encimada pela imponente escultura de uma águia em cobre e ferro. Concebida pelo escultor Domingos Soares Branco e produzida nas oficinas da Edimetal, a Águia de Metal foi colocada na fachada do antigo Estádio em Setembro de 1985, por ocasião do fecho do terceiro anel, e transporta em 2003 para o novo Estádio.
Para os operários da metalo-mecânica, o desafio 'foi um bom-bom'. Habituados ao trabalho complementar à construção civil, foi com enorme entusiasmo que encararam o projecto de construção da Águia: 'Nunca tínhamos feito uma escultura','foi uma variante interessantíssima', afirmaram alguns dos envolvidos.
Durante os três meses que durou a construção - um tempo recorde tendo em conta a sua envergadura -, escultor e operários dedicaram-se afincadamente a esta obra. Nenhum pormenor foi descurado. Observaram e registaram as águias do Jardim Zoológico de Lisboa, adquiriram um compêndio sobre essas aves de rapina e até a incidência do vento na fachada do Estádio foi calculada. A Águia do Benfica tinha de ser perfeita.
Na maioria benfiquistas acérrimos, foi com orgulho que canalizaram toda a sua energia na construção da Águia. Ainda hoje, é contagiante o entusiasmo com que falam deste projecto e são inúmeras as histórias e peripécias que contam. Porém, há uma especialmente curiosa: a história da águia macho.
Diz quem assistiu que 'um belo dia, já estava no Estádio', um dos funcionários da Edimetal, 'o Zé Pereira, um individuo doido pelo Benfica', lembrou-se: 'E se tornássemos a Águia macho?', Com o intuito de conferir maior virilidade à escultura, lá foram 'ver o tamanho daquilo que tínhamos de lhe acrescentar'. Soares Branco 'achou muita graça' e afirmou: 'Com certeza, faça-se!' Fez-se. E nós verificamos. 'Tem uns enormes testículos pretos!'.
No dia 13 de Julho de 2016, a Águia de Metal foi retirada do cimo da fachada para uma intervenção de conservação levada a cabo pelo Departamento de Reserva, Conservação e Restauro em parceira com a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Até meados de Agosto, pode vê-la de perto em frente à porta 1-2-3 do Estádio."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

O 'tetra' não é conversa, é objectivo

"O processo revolucionário em curso operado por Vieira não sei quando acabará, mas acredito que vai passar por uma final da Champions e do que dela resultar...

uma semana, dei opinião sobre este Benfica que se prepara para continuar vitorioso na temporada desportiva que teve a sua cerimónia de abertura na noite do último domingo, em Aveiro. Escrevi sobre o que penso, e houve quem tivesse reagido, prenúncio do excessivo calor que deverá caracterizar o campeonato que vai jogar-se fora das quatro linhas, à semelhança do que passou. Destaquei o que considero serem os vários ses, ou dúvidas à espera de esclarecimentos, ou medidas que reclamam decisões. Cenário normal em cada mudança de época, quando há necessidade de integrar os que chegam, substituir os que partem e, no fundamental, descobrir mais e melhores de soluções para o grupo.
Coisas simples, cuja pertinência o jogo com o Braga confirmou, ao mostrar, por exemplo, que Nélson Semedo, na direita, está emprenhadíssimo em recuperar o lugar e Grimaldo é o presente/futuro, na lateral esquerda. Além de se manter a interrogação sobre a dupla titular de centrais, porque a concorrência é forte e a qualidade é muita. São as chamadas boas dores de cabeça que qualquer treinador gostaria de ter. Rui Vitória, ao ser olhado como um felizardo, vê a sua responsabilidade aumentada pelo facto de não estar limitado nas escolhas. O que só valoriza a equipa.

Não sou particular admirador do esquema táctico que o Benfica utilizou na época transacta, de aí a minha curiosidade sobre o que nos reserva a que se iniciou anteontem. Expliquem-me os misters com quem falo que teve de ser assim antes, ou tem de ser assim agora, por força das circunstâncias, emergindo essas circunstâncias das características de peças importantes na estrutura, as quais rendem menos dentro de determinado esquema e ficam mais confortáveis se for aplicado outro. É tarefa que cabe ao treinador, complexa e ingrata, por estar prisioneira dos resultados, desenhar o modelo que, segundo ele, lhe indica a direcção do sucesso. Porque o processo revolucionário em curso operado por Vieira não sei como e quando acabará, mas acredito que vai passar por uma final da Liga dos Campeões e do que dela resultar...
Como não possuo conhecimentos suficientemente profundos para ler a sina dos candidatos a estrelas da bola, limito-me a reflectir sobre o que vejo, ou a dar palpites envergonhados e de nulo significado, como qualquer adepto. No caso, espero para ver como irá funcionar o meio-campo dos encarnados, sendo certo que, depois de Peseiro ter corrigido a sua organização, reposicionando os meios de combate ao jogo exterior do Benfica, conseguiu o controlo no eixo central, com Rui Vitória a demorar uma eternidade a responder. Pareceu-me a mim, pareceu a Vítor Serpa, que o referiu na sua crónica e pareceu também a Henrique Calisto na peça que assinou em A BOLA: «Nesse período (segunda parte), o Benfica sentiu dificuldades na construção e posse de bola, precisam de mais tempo e trabalho, em particular no corredor central».
Com Fejsa, mais disponível do ponto de vista físico, a funcionar como guarda costas eficiente e dedicado do 'selvagem' Renato Sanches, Rui Vitória descobriu a chave que lhe permitiu abrir a porta do título 35, mas... pés na terra, contenção na euforia e sabedoria na avaliação dos jovens, a caminho do tetra, depois da Supertaça. É este o ensinamento que Luís Filipe Vieira não se tem cansado de espalhar por entre a nação benfiquista: não há triunfos por antecipação. O plantel de hoje é já fruto da sua política de investmento nas áreas de formação, no Seixal e em outros mercados, mas encontrar um Renato todos os anos, talvez só ao alcance dos deuses...

José Peseiro é bom treinador e tem de se convencer que o é. Não precisa, por isso, se de justificar/lamentar em cada derrota que lhe bate à porta, como se fosse o causador de todos os males. Dizer que quem não viu o jogo ficou com ideia errada do que se passou em Aveiro é normal, e faz sentido. Dizer que é muito difícil aceitar o resultado, igualmente. Dizer que a derrota do Braga foi tremendamente injusta fere os limites do razoável. Quem marca três golos e não sofre nenhum não merece ganhar? Ou séra que o Benfica terá alguma inabilidade de Rafa Silva para introduzir a bola na rede de Júlio César? Jonas é diferente: se não marca à primeira, marca à segunda.
O problema de Peseiro não é de falta de competência. É de falta de jeito para promover a sua imagem e desfazer de uma vez por todas a ideia do pé frio ou do quase."

Fernando Guerra, in A Bola

O André Horta

"O João Gonçalves, um dos maiores benfiquistas que conheço (e sei de uns quantos), tem contado no seu blog 'Red Pass', uma ida a Oliveira de Azeméis para ir ver o hóquei. Uma viagem como dezenas de outras. Não fora entre os camaradas de viagem de carro ir um jovem jogador do Vitória, que alimentava sonhos desmesurados de benfiquismo. A viagem foi no ano passado e, então, poucos acreditariam que, meses depois, o André Horta estivesse de águia ao peito, a titular na posição que era do Renato.
O André Horta é o paradigma do jogador-adepto, mas dentro dessa categoria, está um nível acima. É o jogador-adepto de pavilhão: o lugar onde se encontram aqueles para quem o clube não se cinge ao futebol.
Há quem sonhe com uma equipa do Benfica que é uma selecção de adeptos. Pelo contrário, quero um Benfica formado pelos melhores, independentemente da preferência clubística ou nacionalidade. Como adepto, imagino que seja também esse o desejo do André Horta. Vencer: em todos os campos e em todos os pavilhões, com os melhores a vestirem a camisola do Glorioso.
Mas quero também que o clube forme jogadores que possam sonhar com um lugar na primeira equipa. Um Benfica em que um miúdo como o Horta, que vi numa foto como apanha-bolas, há perto de uma década, saiba que um dia pode mesmo jogar na Luz. É essa a grande diferença do Benfica de hoje. Um clube que se habituou a ganhar (9 títulos nos últimos 12 disputados) e que, ao contrário do passado recente, deu ao Renato, ao Guedes e ao Horta as oportunidades que o Bernardo Silva não teve."