"O salto poderoso de Kalidou Koulibaly em Turim mexeu com muita gente na cidade de Nápoles e até consta que reativou o Vesúvio. A elevação foi tão brutal e importante que só encontra paralelo com o voo de Átila, em outubro de 1984. Os fãs inveterados da Serie A sabem do que se fala.
Átila, ou ‘Attila’ na versão italiana, era a alcunha (foneticamente bem imaginada) de Mark Hateley, um ponta de lança ("bicho") que representava o Milan depois de em Coventry e Portsmouth ter mostrado que era uma fera, com a fama de ser um dos mais imponentes cabeceadores da Europa. E tirou partido dessa supremacia para se eternizar na Curva Sud de San Siro, havendo, ainda hoje, várias ocasiões em que é homenageado em tarjas gigantes que lhe são dedicadas em coreografias. Nessas ocasiões em que San Siro o celebra, há um denominador comum: a alusão a um dos golos mais icónicos da história do ‘Derby della Madonnina’.
Esse dérbi de 1984 foi especial, não só por protagonizar um duelo fratricida entre os Baresi, mas também por ser a estreia de Rummenigge em clássicos do ‘calcio’. Mas não saiamos do essencial: a imagem forte, que completou o cruzamento de Virdis, ficou exatamente gravada com o pulo de Hateley, que deixou o ‘stopper’ Collovati no rés-do-chão, Zenga sem argumentos e San Siro no máximo êxtase pela ‘rimonta’ de 2-1 contra os ‘nerazzurri’. Collovati, campeão mundial em Espanha com Bearzot, não era um vilão qualquer e por isso também entra no retrato da elevação de Átila, pois era o defesa que tinha traído os ‘rossoneri’ quando caíram na Serie B, trocando-os, precisamente, pelo Inter. No imaginário do Diabo, Hateley castigou-o exemplarmente.
Lembrei-me disso quando vi Koulibaly partir na desmarcação para chegar à bola lançada do quarto de círculo por Callejón. Benatia deixou-se ultrapassar na marcação e o senegalês fez o quarto golo da época na sequência de pontapé de canto, comprovando que era o último elemento a quem a Juventus podia ter dado permissão para romper, embalado, da periferia para o núcleo da área ou primeiro poste, como Sarri normalmente desenha nos pontapés de canto. Chiellini tinha saído por lesão na primeira parte, a oposição foi mínima e o resultado foi o que se viu.
Koulibaly foge um pouco da convenção relativamente ao trajeto dos defesas-centrais extraídos do futebol francês. Não integrou centros de formação no Hexágono e foi Rafa Benítez, já na Campânia, que lhe inculcou algumas noções defensivas mais obrigatórias. Sarri deu o polimento final, melhorando-o em todos os parâmetros, inclusive na qualidade de entrega de bola pelo centro-esquerda da linha mais recuada, desencadeando com facilidade uma série de ataques na inclinação por um flanco onde a equipa mais sobressai no jogo combinativo, com Ghoulam, Hamsik e Insigne.
O Nápoles fez um jogo fabuloso no Palácio do Poder da Juve. O ‘pressing’ alucinante dos azuis encostou a Velha Senhora às cordas durante quase todo o jogo e talvez este tenha sido o maior elogio do futebol magistral do Nápoles, pelo cenário em que foi e pela proposta simultaneamente inegociável e encantadora. São três anos de trabalho inspirador e requintado em Castelvolturno, com a impressão digital e criativa de Sarri, que só sabe jogar assim, denotando uma ânsia fascinante na busca de soluções perante os diferentes obstáculos que vão surgindo. E se há um adversário que sabe colocar entraves ao outro é a Juve. Allegri tem mais extensão no plantel, com recursos que o Nápoles, manifestamente, não tem.
É possível que a festa incontrolável dos 'tifosi' possa ter sido precipitada no que diz respeito às contas do ‘scudetto’.
É verdade que a Juve tem já amanhã o ‘Derby d’Italia’ com o Inter, vinte anos depois do mítico bloqueio de Juliano a Ronaldo sob o fechar de olhos” de Ceccarini que falei no artigo da semana passada. E ainda haverá uma deslocação dos ‘bianconeri’ a Roma, quatro dias depois da final da Taça com o Milan. Mas Fiorentina, Toro e Samp têm um bom nível e recusa-se a ideia de que os emblemas ‘viola’ e ‘granata’ abrandem contra o Nápoles meramente por serem velhos rivais da Juve.
A jornada de domingo, em Turim, foi um hino do jogo bonito, tocado com espectacularidade em pleno JS. Esse momento já ninguém tira aos azuis. E Koulibaly, claro, foi o que alcançou a nota mais alta."