"Chegou envolto em desconfiança para um clube que vivia ainda sob os efeitos do período mais negro da sua existência. Luisão começou por ser a quimera de um novo ciclo na Luz mas não capitulou à dúvida; mastigou a impertinência das considerações precipitadas, venceu a hostilidade, sobreviveu às areias movediças em que teve de caminhar e afirmou-se como um dos melhores centrais da história do Benfica. Sabemos hoje que esteve sempre um passo à frente das recriminações de que era alvo: talvez não tivesse qualidade para jogar no Benfica e já era internacional pelo Brasil; quando todos desacreditavam na conquista do título em 2004/05, ele prometeu-o depois de uma derrota em casa com o Beira-Mar; ninguém lhe atribuía particular influência no grupo e já era um dos líderes do balneário; dias depois de alguns terem anunciado a derrota por velhice, superou as brumas de desencanto, reergueu-se e reassumiu o papel na equipa como se tivesse 25 anos.
Há um brilho especial e ainda uma perspetiva de futuro no crepúsculo de Luisão como jogador. A caminho dos 35 anos, é tempo de render tributo a um defesa que, não satisfazendo todas as exigências de clássicos, puristas e académicos, se impôs pela eficácia dos grandes. Mesmo fugindo à estética pomposa dos antepassados mais distintos, como herdeiro de uma dinastia composta por Félix, Germano, Humberto Coelho, Mozer e Ricardo Gomes, já ninguém ousa negar-lhe um lugar entre os maiores de sempre. Em pleno século XXI, é o alicerce máximo do conhecimento do clube e da identificação com os adeptos. Mais do que um soldado de elite, é o fiel depositário de um passado glorioso, o estrangeiro com mais temporadas de águia ao peito e quem mais vezes a capitaneou, razão pela qual, por assiduidade e liderança, já se instalou no patamar sagrado da história benfiquista.
Como qualquer defesa que se preze, sobrepõe o rigor do ofício à tentação de divagações líricas que só servem para dispersar a concentração e desvirtuar os fundamentos da tarefa; orienta-se pela necessidade de ser o polo aglutinador do seu exército e não por alimentar o recreio inconsciente de quem vive sob regras apertadas de segurança e responsabilidade. O futebol é um desporto democrático, porque nele é possível ser grande abdicando de qualidades consideradas relevantes, algumas até indispensáveis. Há grandes craques rápidos e lentos; corajosos e medrosos; gordos e magros; altos e baixos; artistas e lutadores; fortes e frágeis; velhos e novos... Mas ninguém pode prescindir da inteligência. Luisão tornou-se menos contundente, mais sóbrio e um foco de estabilidade para toda a equipa. A caminho do fim da carreira, aproveitou o tempo para consolidar maturidade e prudência; depurar o entendimento estratégico do jogo, moderar os ímpetos mais temperamentais e curar os males do exagero.
O capitão venceu todos os títulos conquistados pelo Benfica no novo século - e nesse período nenhum outro jogador encarnado se aproximou das 12 temporadas que leva de águia ao peito. Em mais de uma década, revelou a exuberância de uma autoridade plena: táctica dentro das quatro linhas e moral como símbolo do clube que se impõe a todos os agentes do jogo. Cúmplice principal de Jorge Jesus nos seis anos que mudaram o futebol português, ninguém como ele assimilou e transmitiu princípios e ideias; sustentou cumplicidades e propagou demais segredos de forma e conteúdo. Muito do funcionamento da equipa, incluindo agora com Rui Vitória, depende da sua acção, da sua voz, da sua liderança. Luisão pertence à estirpe de futebolistas que não ganham jogos sozinho. Mas ao fim de 12 anos em Portugal, é consensual a ideia de que muitas vitórias e títulos do Benfica só foram possíveis porque ele estava em campo."