"Quinze presenças na I Divisão (e um quinto lugar em 1956) marcaram a história bonita do Sporting da Covilhã. Mas sobretudo uma presença na final da Taça de Portugal, a época de 1956/57, disputada no Estádio Nacional frente ao Benfica, no dia quem que Cavém defrontou Cavém.
Voa a águia até ao alto da serra e eis-nos aqui a escrever sobre um clube que tem uma história bonita no Futebol português: o Sporting Clube da Covilhã, fundado em 2 de Junho de 1923. Nesse tempo, a vida económica da cidade girava em redor dos lanifícios. E, como sempre no Portugal de então (e no de hoje, infelizmente), havia um risco profundo que separava os operários e as suas famílias dos patrões e as famílias deles. Ricos e pobres; gente de posses e meros remediados. Era também nessa divergência que vivam os clubes desportivos da Covilhã dessa época, do Estrela Foot-ball Clube ao Victória Luso Sporting, do Montes Hermínios, ao União Desportiva da Covilhã.
Gente como José Jacinto Ferreira, José Mendes Salgueiro, Albino Albuquerque de Castro ou António Rebelo de Matos era alegremente simpatizante do Sporting Club de Portugal. Pelo que fundar o Sporting Clube da Covilhã foi o concretizar de um plano amadurecido. Quanto ao sonho de fazer do Sporting da Covilhã filial do Sporting de Portugal limitou-se a uma singela burocracia que não demorou mais de um mês.
Vamos dar um salto no tempo. Um salto de mais de 40 anos. Deixemos o Sporting da Covilhã crescer lá nas faldas da serra e tornar-se, a pouco e pouco, num clube de dimensão nacional. De tal ordem que, nos finais dos anos 40 se instalou na I Divisão e foi conquistando algumas classificações de destaque (6.º em 1949/50; 6.º em 1950/51; 6.º em 1951/52; 7.º em 1953/54 e 5.º 1955/56).
Algarvios na serra...
As épocas de 1955/56 e de 1956/57 foram as mais brilhantes da história do clube, se bem que esta última também marcada por uma descida de divisão. Malhas que o crescimento tece! Quase dava vontade de perguntar, como Richard Albee de Virginia Wolf, quem tinha medo dos Leões da Serra?
Reparem que, por exemplo, na segunda jornada do Campeonato de 1955/56, o Sporting da Covilhã veio à empatar o campeão Benfica por 2-2, valendo-lhe uma exibição colectiva de sacrifício e pundonor. Ou de arreganho e pertinácia, como era moda relatar-se nas transmissões radiofónicas. Rita, o guarda-redes do SC Covilhã esteve em grande e só não foi capaz de segurar os remates de José Águas (64') e de Coluna (81'). Pois é, meus caros, aos 81 minutos, o Benfica vencia por 2-0 e ninguém apostaria um tostão nos covilhanenses. Mais valia que o tivessem feito. A quatro minutos do fim, num livre directo, Janos reduz para 1-2. E, no último minuto, Soares foi o único jogador a crer que um alívio da sua defesa poderia servir para algo mais do que atirar a bola para o meio-campo dos campeões. Correu e correu sozinho. Sem companheiros a ajudar e sem adversários a estorvar. E fez o empate. Vingar-se-iam os encarnados na segunda volta, no Santos Pinto, vencendo por 4-2 - e com requinte, já que, aí, aos 6 minutos, perdiam por 02, golos de Sarrazola e Pires, tendo Salvador (3) e Águas dado a volta ao resultado.
Como já vimos, o Sporting da Covilhã ficaria em quinto na tabela final - O FC Porto foi campeão; Benfica, segundo; Belenenses, terceiro; Sporting, quarto. Os Leões da Serra fizeram 29 pontos em 26 jogos. E somaram 11 vitórias. Além do empate na Luz, arrancaram empates frente ao FC Porto (2-2) e Sporting (1-1), ambos na Covilhã.
A época seguinte seria um cheio para o Benfica (campeão e vencedor da Taça de Portugal, finalista da Taça Latina) e agridoce para o Sporting da Covilhã, finalista da Taça mas condenado à descida por via do seu penúltimo lugar na classificação. Seja como for: dedicámos esta página ao adversário na sua estreia desta Taça de Portugal 2014/15, falemos da forma brilhante como os covilhanenses, comandados por Tavares da Silva (um dos grandes nomes da história do futebol em Portugal, que acumulava as funções de seleccionador nacional) chegaram ao Jamor.
Se os rapazes de Otto Flória despacharam consecutivamente o Caldas (0-0 casa; 3-0 fora), o Torrense (1-1 fora; 22-2 casa; 4-0 no desempate na Tapadinha) e o Barreirense (1-0 fora; 4-0 casa), os de Tavares da Silva (encarregado da orientação técnica da equipa e coadjuvado por Fernando Cabrita como treinador-jogador) eliminaram o União de Montemor (6-1 fora; 6-0 casa), o Lusitano de Évora (0-4 fora; 7-2 casa), o FC Porto (2-1 fora; 1-0 casa) e o V. Setúbal (3-0 casa; 0-1 fora).
Se a 'chapa sete' aplicada ao Lusitano (quinto classificado nesse campeonato) foi de truz, a eliminação do FC Porto, campeão na época anterior, deu brado. Dois golos do espanhol Suarez, um avançado codicioso, emudeceram as Antas; na Covilhã, na 2.ª «mão», bastou um golo de Pedro Martin, outro espanhol, extremo-direito, que viera do Viseu e Benfica.
No dia 2 de Junho de 1957, no Estádio do Jamor, os dois finalistas apresentaram-se assim:
BENFICA - Bastos; Jacinto e Ângelo; Vasco Pegado, Serra e Zezinho; Palmeiro, Coluna, José Águas, Salvador e Cavém.
SPORTING DA COVILHÃ - Rita; Toledo e Jorge Nicolau; Fernando Cabrita, Cavém e Lourenço; Manteigueiro, Pedro Martin, Suarez, Ferreira e Pires.
Cavém, o Domiciano, defrontava Cavém, o Amílcar. Naturais ambos de Vila Real de St.º António, eram irmãos. Amílcar era mais velho (nasceu em 1930 e Dominicano em 1932) e, vindo do Lusitano de Vila Real, chegou primeiro à Covilhã onde jogou duas épocas com o irmão antes deste seguir para o Benfica. Curiosamente eram primos de José Rita dos Mártires, também natural de Vila Real de Santo António, guarda-redes dessa final e que já tinha actuado pelo Sporting de Portugal e viria a transferir-se para o Benfica em 1962. Mas não se ficava por aqui: Hélder Toledo nasceu igualmente em Vila Real de Santo António e veio do Lusitano. Ligações profundas, portanto, entre ambos os clubes. Até porque Fernando Cabrita, outro algarvio, esse de Lagos, também faria parte de algumas equipas técnicas dos encarnados. E António Lourenço, natural de Vialonga - jogador do Benfica em 1959/51.
O Benfica venceu sem grande história - 1-0 por Salvador, aos 12m; 2-0 por Águas, aos 15; 2-1 por Pires, aos 19; 3-1 por Coluna, aos 87 - e Rita foi a grande figura dos covilhanenses. Mas todos os seus companheiros de equipa ficaram guardados na aldeia branca da memória do futebol em Portugal. De Francisco Manteigueiro, personagem indelével do clube, ao central moçambicano Jorge Nicolau; de Carlos Ferreira, um extremo veloz e habilidoso a Fernando Pires, o autor do golo da final, que veio para a Covilhã cedido pelo Benfica aquando da transferência de Domiciano Cavém, em 1955.
Leões da Serra - muitos vindos da praia, muitos outros de alma «encarnada». Ainda bem que temos motivos para escrever sobre o assunto."
Afonso de Melo, in O Benfica