"Próximo dos jogadores, capaz de implementar um modelo de jogo ofensivo, atrativo e ambicioso, alinhado com a estrutura e objetivos do Clube e propenso à aposta em jovens atletas com potencial, este é o perfil do novo treinador do Benfica.
Eis o novo líder do futebol encarnado: Roger Schmidt. O conceituado treinador alemão chega ao Benfica após duas temporadas no PSV, dos Países Baixos, onde conquistou, em 2021/22, a Taça e a Supertaça daquele país.
É já longo e recheado de experiências no estrangeiro o trajeto do novo técnico das águias, aos 55 anos de idade.
Na última temporada como futebolista, o médio-ofensivo, então com 38 anos de idade, acumulou o cargo de treinador, ao serviço do Delbrücker. No final de 2004/05, Schmidt pendurou as botas após uma carreira como futebolista amador e semiprofissional em clubes de divisões secundárias do seu país, enquanto, em paralelo, se dedicou aos estudos, licenciando-se em engenharia mecânica.
Os três anos no comando do Delbrücker, onde conseguiu uma inesperada subida de divisão e desde logo mostrou a vincada apetência pelo futebol ofensivo, abriram-lhe as portas do Preussen Munster, em 2007 a disputar a Regionalliga West, uma das séries que compõem o quarto escalão do futebol alemão, e longe dos tempos mais áureos, quando chegou a ser finalista da Taça da Alemanha, em 1951, ou um dos clubes fundadores da Bundesliga, em 1963, na qual participou apenas na primeira edição.
No primeiro ano ao serviço do clube, que havia caído na Oberliga Westfalen na época transata, Roger Schmidt revolucionou o plantel e, com a aposta em muitos jogadores jovens, ajudou a conquistar o 1.º lugar, o que garantiu a presença na Regionalliga West no ano seguinte, conseguindo o 4.º posto da classificação e a qualificação para a Taça da Alemanha, um feito que o Preussen Munster não conseguia desde 1997/98. A turma de Schmidt foi eliminada pelo Bochum, então na Bundesliga, após desempate por pontapés da marca de grande penalidade. Na temporada seguinte, nova participação na Taça da Alemanha e eliminação nos penáltis, dessa vez frente ao Hertha Berlim, também da Bundesliga e eliminado pelo Benfica, meses depois, nos 16 avos de final da Liga Europa.
Apesar de despedido do Preussen Munster em março de 2010 (o clube viria a terminar na 6.ª posição) e de um breve hiato na carreira de treinador, Schmidt teria nova oportunidade num escalão acima, o segundo da hierarquia do futebol alemão. O Paderborn, clube que contratou Schmidt em 2011, vivia um dos melhores momentos da sua história, conseguindo marcar presença na Bundesliga 2 em cinco das seis épocas anteriores, depois de décadas nas competições regionais. Com Schmidt, o Paderborn somou mais 22 pontos do que na época anterior e obteve o 5.º lugar, ficando a somente 1 ponto do 3.º posto, que dava acesso ao play-off de promoção ao escalão primodivisionário.
Dar Asas à RedBull
No final dessa época foi anunciado que Ralf Rangnick, o ex-treinador de Schalke 04 e Hoffenheim, entre outros, assumiria o cargo de diretor de futebol das equipas RedBull, o Leipzig e o Salzburgo. Uma das suas primeiras medidas foi a contratação do seu compatriota Roger Schmidt para o comando técnico do RB Salzburgo. O percurso de Schmidt, bem como o seu modelo de jogo implementado nos vários clubes onde trabalhou, não passou despercebido a Rangnick.
Este clube austríaco, que conhecera algum sucesso nos anos 1990 (três Campeonatos e três Supertaças), foi comprado pela empresa Red Bull em 2005. O elevado investimento catapultou o Salzburgo para as posições cimeiras do futebol austríaco, conseguindo vencer a Bundesliga quatro vezes em seis temporadas.
Na época de estreia, marcada pela reestruturação do futebol do clube e pela chegada de 15 jogadores, os resultados não foram os melhores (2.º lugar no Campeonato), mas percebia-se que estava a ser criada a base para o sucesso que atingiria em anos vindouros.
Na segunda temporada, Schmidt sagrou-se campeão nacional (o primeiro de nove títulos consecutivos), venceu a Taça da Áustria e chegou aos oitavos de final da Liga Europa, sendo eliminado pelo Basileia, repescado da Liga dos Campeões. Tratou-se do melhor desempenho europeu dos austríacos desde que, em 1994, haviam disputado a final da Taça UEFA frente ao Inter e, na época seguinte, se ficou pela fase de grupos da Liga dos Campeões. Ao pleno de triunfos na fase de grupos seguiu-se a eliminação do Ajax, que venceria o campeonato neerlandês, com triunfos, por 3-1, em Salzburgo, e 0-3, em Amesterdão, nos 16 avos de final.
A Hora Da Bundesliga
Em 2014 deu-se a estreia de Schmidt na Bundesliga alemã, à frente do Bayer Leverkusen, e o primeiro encontro com o Benfica.
Classificado no 4.º lugar na época anterior, o Leverkusen voltou a ocupar essa posição, com os mesmos 61 pontos, na primeira temporada ao leme da equipa do atual técnico benfiquista. Na Taça chegou aos quartos de final, sendo eliminado nos penáltis pelo Bayern Munique. A nível europeu participou na Liga dos Campeões, eliminando o FC Copenhaga no play-off de acesso à fase de grupos, na qual alcançou o 2.º lugar num grupo que contava, além dos alemães, com Benfica, Mónaco e Zenit. Nos oitavos de final caiu ante o Atlético Madrid, também no desempate por pontapés da marca de grande penalidade.
As expectativas eram elevadas na época seguinte e, apesar de a participação europeia ter ficado aquém do conseguido um ano antes (3.º lugar na fase de grupos da Liga dos Campeões; oitavos de final da Liga Europa), o desempenho do clube dos "farmacêuticos" na Bundesliga foi um dos melhores de sempre.
Só por cinco vezes o Bayer Leverkusen obteve uma classificação acima da conseguida em 2015/16, o 3.º posto. A quebra de rendimento na Bundesliga ao longo da temporada seguinte ditaria o afastamento, no início de março, de Roger Schmidt do comando técnico do Leverkusen. Ainda assim, o clube alemão voltou aos oitavos de final da Liga dos Campeões e, mais uma vez, soçobrou ante o Atlético Madrid.
À Aventura Pelo Oriente
O novo passo na carreira surpreendeu, a Superliga chinesa. Schmidt foi contratado pelo Beijing Guoan em junho de 2017, quando o clube da capital da China ocupava a 8.ª posição no Campeonato, terminando a prova no 9.º lugar. Em 2018 alcançou o 4.º lugar, apurando-se para as rondas de qualificação da Liga dos Campeões asiática. E venceu a Taça da China, que não era ganha pelo clube de Pequim desde 2003. Não chegaria a terminar a terceira temporada no Beijing Guoan, abandonando o cargo no final de julho e no 2.º posto do Campeonato ao fim de 20 jornadas, quando era o segundo treinador há mais tempo ininterrupto em funções na Superliga chinesa, merecendo, da parte dos adeptos, uma despedida apoteótica em pleno aeroporto.
Europa Pela Porta De Um Campeão Europeu
Optando por esperar pelo clube e momento certos, só passado um ano Roger Schmidt voltou a assumir a liderança de uma equipa. De acordo com a comunicação social neerlandesa, o PSV demonstrou interesse na contratação do técnico alemão em dezembro de 2019, mas Schmidt preferiu começar a nova etapa do seu percurso no início da temporada. Na base da opção pelo clube de Eindhoven esteve a possibilidade de lutar por títulos, apesar da significativa diferença a nível orçamental para com o rival de Amesterdão, o Ajax.
Afastado do título desde 2018, o PSV encontrava-se na 4.ª posição do Campeonato neerlandês, a 7 pontos do líder, quando o decreto de pandemia motivou a suspensão da prova. A contratação de Schmidt visou devolver o clube ao topo do futebol neerlandês, e as melhorias fizeram-se sentir logo na primeira temporada, terminando a época na segunda posição.
A evolução do PSV continuou, e a época abriu com uma goleada ao Ajax, por 4-0, na Supertaça Johan Cruyff. A eliminação frente ao Benfica no play-off de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões 2021/22 esmoreceu o entusiasmo dos adeptos, mas a liderança do Campeonato ao fim de quatro jornadas restabeleceu a confiança na equipa. A luta taco a taco pelo título neerlandês demonstrou a subida qualitativa da equipa de Eindhoven em relação à época anterior, somando mais nove pontos e terminando o Campeonato a dois do Ajax, menos 14 de diferença do que em 2020/21. A época foi ainda de sucesso na Taça dos Países Baixos, um título que escapava ao PSV desde 2012.
Roger Schmidt chega agora ao Benfica, com experiência acumulada em quatro países e bons trabalhos em todos os clubes por que passou.
Modelo De Jogo Bem Vincado
A evolução das táticas do futebol teve um ponto marcante nos anos 1970, protagonizado, em paralelo, por Rinus Michels, no Ajax, e Valeriy Lobanovskiy, no Dnipro e no Dínamo Kiev.
O chamado "futebol total", epíteto utilizado para caraterizar a abordagem tática das notáveis equipas do Ajax no início dos anos 1970, com repercussões na seleção neerlandesa nessa década, em simultâneo com o "futebol científico" de Lobanovskiy, que incluía princípios semelhantes aos de Michels e introduziu a ciência para auxiliar o treino e o jogo, revolucionaram o desporto-rei.
Hoje assistimos à incorporação plena desses princípios táticos (alargar o campo com bola, reduzir os espaços sem bola, todas as posições sempre preenchidas, defender com bola, etc.) e da utilização de tecnologias de informação pelos clubes em prol das equipas aos mais diversos níveis.
No presente, com estes princípios assimilados ao ponto de serem ensinados a aspirantes de futebolistas em tenra idade, há, grosso modo, como que nos polos de uma gradação tática, duas linhas principais na abordagem assente no primado da posse de bola: a obsessão pelos equilíbrios; a procura o mais célere possível da criação de oportunidades de golo.
De acordo com os analistas, Roger Schmidt não só se se encontra entre aqueles que preferem a segunda via, como é um dos seus mais proeminentes defensores. Em entrevista ao jornal inglês "The Guardian", deixou bem vincada a convicção firme acerca do modelo de jogo a adotar: "Para nós, além de ganhar, é também muito importante a forma como ganhamos."
Da recolha das mais diversas opiniões sobre o futebol implementado pelo novo treinador do Benfica nas suas equipas, extrai-se, em linhas gerais, o seguinte: reação muito rápida à perda da bola; pressão alta com vários jogadores; linhas defensivas claramente subidas; construção em posse, com criatividade e intensidade, procurando as situações de superioridade e privilegiando os avanços no terreno com passes verticais, utilizando-se todos os corredores, para se chegar o mais rápido possível à área adversária.
Tido como discípulo de Ralf Rangnick e seguidor da mesma linha de Jürgen Klopp, Roger Schmidt proclama e implementa um tipo de futebol marcadamente ofensivo e ambicioso, entusiasmante, e no qual imperam o risco e a intencionalidade com que as situações de ataque são trabalhadas, incluindo aquelas ainda por criar, antes de se ter a bola, fazendo por recuperá-la próximo da área adversária para forçar o desequilíbrio na equipa contrária.
E com nuances, conforme tem sido salientado, em função dos contextos em que se inseriu. A capacidade de adaptação tem sido apontada como uma das caraterísticas de Schmidt, notando-se, por exemplo, na China, em que o reconhecimento das discrepâncias qualitativas entre jogadores (geralmente os avançados são estrangeiros mais evoluídos taticamente) promoveu uma abordagem mais conservadora.
Também nos Países Baixos, onde se professa quase religiosamente a saída de bola em posse e a técnica individual se sobrepõe a tudo, o famoso "Gegenpressing" [contrapressão] foi, no PSV, e de acordo ainda com analistas, implementado menos impetuosamente do que no RB Salzburgo ou no Bayer Leverkusen. O próprio Roger Schmidt admitiu à chegada ao PSV que o leque de jogadores à disposição, bem como novas ideias, incentivaria adaptações ao modelo de jogo instituído.
Este tema da pressão sem bola é mesmo um dos aspetos essenciais da abordagem de Schmidt aos jogos. No seu livro, ao abordar a filosofia de jogo que advoga, o treinador alemão confidencia que frequentemente se perguntava: "Quantos jogadores preciso para colocar os jogadores mais fracos do adversário, geralmente o guarda-redes e os defesas, sob pressão, para conquistar a bola e fazer tentativas de golo o mais rapidamente possível?" E foi assim que o diário neerlandês "de Volkskrant" descreveu a primeira sessão de treino de Schmidt no PSV: "Durou mais de duas horas. Após um aquecimento prolongado, as intenções do treinador alemão são imediatamente claras. Num jogo de parada e resposta, os jogadores perseguem todas as bolas. É futebol sem tempo para recuperar o fôlego. Espetáculo garantido!"
De resto, Guardiola elogiou Schmidt neste capítulo do jogo: "Nunca vi uma equipa que executasse tão bem os conceitos de pressing e Gegenpressing." E Frank de Boer, que defrontou, no banco pelo Ajax, o Salzburgo de Schmidt em 2014, recordou esse confronto anos mais tarde: "Nunca tínhamos visto isto antes. Estávamos avisados. Com os meus assistentes Hennie Spijkerman e Dennis Bergkamp pensámos muito sobre o nosso estilo de jogo ideal, mas, para ser honesto, não sabíamos exatamente como abordá-lo. Sim, em teoria fizemo-lo: atraímo-los e encontrámos profundidade com passes inteligentes. Isso não funcionou de todo. Jogaram a um ritmo muito mais elevado do que nós. Não era realmente uma questão de os subestimar. O seu jogo foi revolucionário."
Personalidade Forte
Dos múltiplos artigos publicados acerca de Roger Schmidt sobressaem as muitas declarações de admiração proferidas por jogadores anteriormente treinados pelo alemão, pelas quais se percebe que Schmidt é simultaneamente exigente e muito próximo dos atletas.
No capítulo da exigência, esta reflete-se não só na abordagem ao treino, mas também no que Schmidt requer dos jogadores em campo, nomeadamente superior inteligência tática e muita resistência, agressividade e velocidade na reação à perda de bola e imediata pressão.
Quanto à proximidade aos jogadores, são muitos os testemunhos que avalizam Schmidt enquanto alguém fortemente empenhado em estimular o espírito de grupo e um acérrimo defensor dos seus atletas. Outra vertente muito focada é a justiça das suas decisões, privilegiando sempre a qualidade dos atletas, a adequação destes ao modelo tático da equipa e o rendimento, sem olhar a fatores como, por exemplo, a idade ou o estatuto.
Fora de campo, Schmidt é também conhecido pelas convicções fortes, não se coibindo de manifestar os seus pontos de vista ou de tomar atitudes impactantes quando entende ser essencial fazê-lo.
Na memória coletiva perdura o episódio de 2016, numa partida com o Borússia Dortmund quando orientava o Bayer Leverkusen. Após receber ordem de expulsão, que considerou injusta, recusou-se a abandonar o banco, motivando a saída do relvado por parte dos árbitros durante nove minutos. O fim da ligação ao Beijing Guoan, em conflito com a direção, é também um exemplo: agastado com o que classificou de diferenças culturais, viu o vínculo com o clube chinês terminado abruptamente, só voltando a liderar uma equipa um ano depois.
A Aposta Em Jovens Jogadores
A análise aos plantéis à disposição de Roger Schmidt ao longo da sua carreira permite identificar a propensão para conceder oportunidades a atletas ainda a dar os primeiros passos enquanto seniores, sem deixar de utilizar jogadores com muito quilómetros acumulados.
A mescla entre experiência e irreverência parece ser a fórmula adotada. Uma análise atenta à média de idades dos jogadores utilizados por Roger Schmidt desde que assumiu o cargo de treinador do Paderborn, na segunda divisão alemã, permite constatar a aposta sem reserva em jogadores jovens.
A média etária mais elevada numa temporada foi a primeira na China, em que não foi responsável pela definição do plantel (chegou a meio da época). Aliás, só mesmo na China teve à sua disposição plantéis com média de idades superiores a 25 anos.
À chegada a Lisboa, Roger Schmidt fez questão de realçar o potencial existente na formação do Benfica, o que não surpreende, pois há, de facto, muita qualidade no Benfica Campus e é vasto o currículo do treinador alemão na aposta de jovens jogadores. É, também neste aspeto, um treinador que se enquadra perfeitamente no perfil delineado pelos responsáveis benfiquistas.
São apenas alguns exemplos os seguintes jogadores: Hinteregger, Kevin Kampl, Sadio Mané e Valentino Lázaro no RB Salzburgo; Song Heung-min, Julian Brandt e Kai Havertz no Bayer Leverkusen; Ihattaren; Ledezma, Madueke e Gakpo no PSV.
E é na baliza, a posição em que, geralmente, os treinadores são mais avessos à aposta em talento ainda em desenvolvimento, que mais se faz notar a indiferença de Schmidt em relação às idades nas suas opções. Entre as escolhas do técnico alemão para a titularidade na baliza constaram, na segunda temporada no RB Salzburgo, Gulácsi, com 23 anos. Na primeira época no Leverkusen, Leno, com 22 anos. Em metade da segunda época no Beijing Guoan, Quanbo Guo, de apenas 19 anos. E, na seguinte, Zou Dehai, 25 anos, foi o dono da baliza. No PSV, Mvogo, 26, e Drommel, 24, foram as apostas."