"Taças, Troféus, Copas e Recopas Ibéricas. Já houve de tudo e ao gosto do que cada um lhes quis chamar. Mas o único oficializado entre os campeões de Espanha e de Portugal teve lugar em 1983...
Em Agosto de 1983, o Benfica foi a Bilbau disputar a primeira mão do que se chamou a Taça Ibérica. Quando se fala de Taças, Copas ou Troféus Ibéricos, a confusão tem campo para alastrar.
A verdade é que vários foram os torneios com essas designações desde os primórdios do Futebol organizado na Península assim dita.
Em 1935, por exemplo, houve um confronto entre os campeões dois dois países peninsulares, FC Porto e Bétis com vitória dos portistas. Confronto esse jogado de forma reservada, sem reconhecimento oficial, portanto.
Em 200, foi a vez do Sporting (campeão nacional) defrontar e bater o Real Madrid (campeão da Europa). Mais uma vez, coisa entre clubes amigos, sem oficialização federativa.
Em 1999, 2000 e 2002 disputou-se um tal de Troféu Ibérico. O Benfica perdeu as duas primeiras edições para o Deportivo da Corunha, e o Celta conquistou a última frente a SC Braga e FC Porto. Ainda outra vez, questão particular.
Mas, nesse tal Agosto de 1983, Benfica e Athletic Bilbau, campeões, respectivamente, de Portugal e Espanha, vêem a disputa em duas mãos ser apadrinhada pelas duas federações. Pela primeira vez, a Taça Ibérica disputava-se com pompa e circunstância, prova a valer e a merecer listagem nos registos das honrarias.
Em San Mamés, com arbitragem de Victoriano Sanchez Armínio, alinharam:
ATHLETIC - Zubizarreta; Urquiaga, Nuñez (depois De la Fuente), Luceranzu e Goicoechea; De Andrés, Endica, Sola e Sarabia (depois Julio Salinas); Urtubi (depois Gallego) e Argole.
BENFICA - Bento; Pietra, Bastos Lopes, Oliveira e Álvaro; José Luís (depois de Padinha), Carlos Manuel, Stromberg (depois Shéu) e Diamantino (depois Veloso); Nené e Filipovic.
O treinador do Athletic era Javier Clemente; o do Benfica, Sven-Goran Eriksson.
Sola deu vantagem aos bilbaínos aos 16 minutos; Nené empatou à meia-hora. O resultado final foi estabelecido por De Andrés aos 86.
Tudo se decidiria em Lisboa.
«Futebol champagne!»
No dia 24 de Agosto fui à Luz com a habitual rapaziada dos Olivais Sul. Que luxo!
«Nunca tinha visto coisa assim!», dizia Manniche no final da partida.
Acabara de aterrar em Portugal, esse «tosco, alto e loiro», como lhe chamou José Maria Pedroto, pronunciando louro e não loiro por uma questão de bairrismo.
Talvez tosco. Certamente alto e loiro. Mas marcador de golos. Muitos!
«Foi o melhor Futebol que vi praticar nos últimos anos!», continuava a espantar-se o dinamarquês.
Não tinha estado muito atento à carreira do Benfica no campeonato e na Taça UEFA da época anterior. Futebol maravilhoso. «Champagne!»
Velocidade, crença, lucidez, inteligência. O Futebol 'encarnado' desses dois primeiros anos de Eriksson foi algo de único. Capaz de passar tranquilamente por cima de outro Futebol ofensivo e de técnica apuradíssima do Sporting de Malcolm Allison, esse inglês que teimava em fumar charuto no banco e em beber garrafas de Magos nas conferências de imprensa durante as quais respondia às perguntas de um fedelho mal educado armado em jornalista com uma frase assassina: «stupid boy!»
Deixemos isso por agora, são contas de outros rosários. Mas o meu leitor tão estimado sabe que as lembranças são como as cerejas e sabem a ginjas.
Voltemos à Luz, nesse querido mês de Agosto, cantaria o Dino Meira.
Era o Verão, não estava muita gente, talvez umas 40 mil pessoas.
Todavia, estava nelas o ensejo de ver se o Benfica continuaria brilhante nesta sua nova aventura nórdica.
Continuava.
Em pouco mais de meia-hora transformou o campeão espanhol num farrapo.
Aos cinco minutos já Nené, de cabeça, perdera uma boa oportunidade para ganhar vantagem. Seguiram-se Carlos Manuel e José Luís.
Finalmente, Filipovic. Uma cabeçada elegante... E, como ele era elegante... Sobretudo de cabeça. 23 minutos - 1-0.
Em seguida Nené: 30 minutos - 2-0; 44 minutos - 3-0.
Magnífico! Que bonito Benfica esse!
Os bascos esperneavam. E iam às pernas dos adversários sem respeito. A segunda parte tornou-se pesada. Os 'encarnados' baixam ritmo, mas estão de novo à beira de mais golos, por Filipovic e Stromberg.
Javier Clemente não está disposto a sair de Lisboa com o saco cheio. Junta mais a sua equipa, dá ordens aos seus rapazes para se defenderem como podem.
Os minutos vão correndo para o fim, a vitória não fugirá ao Benfica, a Taça Ibérica, a primeira oficial e única «autêntica», será levantada pelo «capitão» Nené.
O árbitro da segunda mão foi Rosa Santos.
BENFICA - Bento; Pietra, Bastos Lopes, Oliveira e Álvaro; José Luís, Carlos Manuel, Stromberg (depois Shéu) e Veloso (depois Diamantino); Nené e Filipovic (depois Manniche).
ATHLETIC - Zubizarreta; Urquiaga, Nuñez (depois De la Fuente), Liceranzu e Goicoechea (depois P. Salinas); De Andrés, Gallego, Sola e Saraiba depois Julio Salinas); Urtubi e Argote.
E porque digo eu «autêntica»? Simples. Em 2005, voltam as federações de Espanha e de Portugal a apadrinhar novo confronto ibérico. Por falta de datas ou de disponibilidade dos campeões nacionais, resolve-se optar por outra solução: colocar em confronto os dois vencedores das Taças. Na liça ficam Vitória de Setúbal (que vencera o Benfica no Jamor) e Bétis de Sevilha. O jogo disputa-se em Huelva e o Vitória ganha por 2-1.
Em Portugal, há quem chame a esse troféu igualmente Taça Ibérica. Mais práticos, os espanhóis chamam-lhe Recopa Ibérica. Assim a modos que uma Supertaça Ibérica. Tanto faz... De qualquer forma é das que valem.
Ou seja, valem tanto como as memórias.
Em Agosto ou não."
Afonso de Melo, O Benfica
PS1: Querem adivinhar quem era o Stupid Boy para o Malclom Allison?!
PS2: Parabéns às nossas meninas do Pólo Aquático, que hoje venceram a Taça de Portugal, ao Fluvial Portuense, por 9-8, no ano de estreia da secção!!!
PS3: Como é habitual nesta altura, vou fazer um jejum d'Indefectível por uma semana. Desta vez o Captain Redheart vai ficar a tomar conta o estaminé...