"Chamava-se San Lorenzo de Almagro, equipava também às riscas azul grená e ficou para a história como uma máquina do Futebol do passe e repasse, tabelinhas e golos... Quatro jogadores do Benfica defrontaram-na.
Chamava-se San Lorenzo de Almagro. Almagro é um bairro de Bueno Aires que se estende ao longo da linha de caminho de ferro que liga o centro da cidade ao subúrbio de Flores. O Clube Atlético San Lorenzo de Almagro nasceu em Almagro mas com o tempo mudou-se para Flores.
Nos anos 40 ainda era fortemente de Almagro. Equipa às riscas azul grená, tal como o Barcelona. Ou melhor, tal como o Basileia, clube de Joan Gamper, o fundador do Barça.
Pep Guardiola não escondeu a sua inspiração: quis levar para o seu Barcelona o futebol mágico do San Lorenzo.
No dia 31 de Janeiro de 1947, o San Lorenzo estava em Lisboa. Tinha acabado de esmagar a selecção de Espanha, em Madrid (6-1), e de desfazer o FC Porto, por 9-4. Agora jogava contra o B-S-B, a selecção composta por jogadores do Benfica-Sporting-Belenenses.
A equipa escolhida pelos técnicos dos três clubes é decalcada da selecção portuguesa que vecera a Espanha uns dias antes: Capela (Belenenses); Cardoso'cap' (Sporting) e Francisco Ferreira (Benfica; Amaro (Belenenses), Feliciano (Belenenses) e Moreia (Benfica); Arsénio (Benfica) e Travassos (Sporting); Jesus Correia (Sporting), Peyroteo (Sporting) e Rogério (Benfica).
O Estádio Nacional regista uma das suas maiores afluências de sempre: cerca de 70.000 espectadores espremem-se em redor do relvado para assistir à magia dos homens das Pampas. Não sairão desiludidos. Antes mesmo de o encontro ter início já os jogadores do San Lorenzo se divertem exibindo a sua arte na troca de bola de uns para os outros como forma de aquecimento, utilizando a cabeça, os joelhos, os ombros e os calcanhares. A descontracção é de tal ordem que, na cabina, se fuma, se bebe café e se saboreia 'cognac'. D. Pedro Omar, o treinador, passeia-se sobre a relva e sentencia: 'Está boa. Está para perder, ganhar, ou empatar'. Vestidos com o seu habitual equipamento de listas horizontais azuis e grenás, os argentinos entram em campo sob o entusiasmo inquieto da multidão. Há quem procure memorizar os seus nomes: Blanzina, Vanzini, Basso, Zubieta, Greco, Colombo, Imbelloni (acabaria, mais tarde, por se instalar em Portugal), Farro, Pontoni, Martino, Silva... Vestidos de branco, os portugueses parecem cordeiros entregues ao sa crifício da imolação. Ao intervalo o resultado era já de 5-1 a favor do San Lorenzo de Almagro. No segundo tempo, aos golos de Jesus Correia, Arsénio e Rogério, que somaram ao de Peyroteo, os sul-americanos respondem com outros cinco: 10-4!
Elogios infinitos
Como vêem, afinal a história repete-se. Este temível Barcelona de hoje em dia teve mestres. Toda a imprensa entrava pelo caminho da unanimidade. De tudo quanto se escreveu nos mais variados jornais, aqui ficam as frases mais vibrantes: «As exibições do San Lorenzo de Almagro transcendem os limites do Desporto. São arte viva! Ou espectáculos de circo»; «O virtuosismo - o génio - é coisa esplêndida se o admirarmos isoladamente, para lá do quotidiano. Porém, o choque entre esse mesmo génio e a vida pode deslumbrar mas fatiga. Sobretudo, humilha. Em metáfora, surge-nos assim a modo de um D. Quixote, com toda a sua capacidade de sonho, a lutar com o ridículo potencial de abstracção do Sancho Pança. Ou, então, uma espécie de juízo de valor entre uma 'fuga' de Bach e qualquer buliçoso 'corridinho' do Algarve»; «Os argentinos deixam entre nós uma impressão formidável»; «Tudo aquilo parece fácil, natural, simples, tal a perícia de execução dos jogadores argentinos, verdadeiros malabaristas de circo, a quem dá vontade de gritar como no Coliseu: Basta! Basta! Basta!»; «O seu domínio de bola portentoso permite-lhes desenvolver toda a gama de dribles num palmo de terreno, e isso explica o motivo porque conseguem caminhar vitoriosamente até à baliza, em teia de jogo apertado, passes repetidos para trás, para os lados, extenuando os adversários, quebrando-os pelos rins, tantas as voltas que os forçam a dar, e anulando assim os propósitos de marcação cerrada que possam sentir à sua volta»; «Onze jogadores de Futebol, bem treinados e unidos, serão sempre insuficientes ante onze grandes artistas de circo, impecavelmente ensaiados...»; «Admiremos a exibição magistral do San Lorenzo, as harmonias construídas pelo seu Futebol, a renda formosíssima dos seus passes, as desmarcações primorosas que executaram, sobretudo o seu sistema infinitamente belo de triangulações».
Ah! Onde é que já tínhamos visto isto?..."
Afonso de Melo, in O Benfica