"O guarda-redes do Chaves travou três grandes penalidades e o Benfica chegou a pensar que o nulo tinha ficado estampado nas luvas de Hugo Souza. Aí, João Neves apareceu para mostrar que as bolas paradas podiam maquilhar uma exibição taciturna na jornada 27 do campeonato, onde os encarnados venceram (1-0) antes dos dérbis com o Sporting
Um relvado funciona como o Parlamento, mas com um número mais reduzido de intervenientes na discussão. São 11 contra 11 e, por ausência de maioria, as negociações são inevitáveis. Neste caso, a lei é a do mais forte a disputar a bola no meio-campo, a do mais rápido a ganhar a linha para cruzar, a do mais racional na leitura de jogo. As dúvidas que recaem sobre a capacidade de Roger Schmidt conseguir levar o Benfica até à vitória final no campeonato têm sugerido um cenário de ingovernabilidade. Assim, na jornada 27, no Estádio da Luz, o Chaves chegou a sonhar em subir ao poder.
O guarda-redes dos transmontanos, Hugo Souza, lendo o contexto, piscou o olho ao Ministério da Defesa. Apressou-se a enviar um currículo no qual incluiu os três penáltis negados a Di María e a Arthur Cabral. Credenciais não lhe faltavam, mas a genialidade de João Neves lançou uma moção de censura ao lanterna vermelha do campeonato que foi aprovada contra as expectativas criadas nos últimos 90 minutos do Benfica antes de dois dérbis contra o Sporting, um para a Taça de Portugal e outro para a Primeira Liga.
Também pouco consensual se tornou Orkun Kökçü, que recebeu alguns assobios quando Roger Schmdit lhe voltou a dar minutos. No fundo, Kökçü não queria mais do que um adiantamento. Um adiantamento no campo para jogar onde se sente confortável e não da semanada. Roger Schmdit não estava a dever ao médio o soldo que um pai bondoso paga ao filho para que este se possa sentir financeiramente empoderado na aquisição das gomas com que estraga os dentes no final das aulas, mas o alemão exigia do jogador o mesmo respeito que a familiaridade incluí.
Roger Schmidt e Orkun Kökçü deram tempo um ao outro. Bastou-lhes a pausa para as seleções e tudo ficou bem (ou melhor) depois do turco ter questionado publicamente o papel que o treinador lhe tem atribuído desde que chegou ao Benfica. Apesar de ter entrado na convocatória para o encontro com o Chaves, ao contrário do que aconteceu contra o Casa Pia, o jogador ficou de castigo no banco de suplentes. Em casa, como no balneário, os melhores remédios não precisam de receita.
Florentino e João Neves deram conta do meio-campo. Nunca é uma tarefa de pouca importância, aliás, é até aquele núcleo pensante o que mais faz evoluir uma equipa. Só que se exigia uma atenção redobrada, pois Tomás Araújo, que tem tido entrada enferrujada no onze, estaria no centro da defesa a render António Silva, a cumprir castigo devido a uma série de cartões amarelos. Daí que, contar com Florentino para reforçar o corredor central, fosse sempre uma boa ideia.
O Chaves não desejaria certamente ter que visitar o Estádio da Luz numa fase tão delicada da temporada. No último lugar do campeonato, com apenas 19 pontos, os transmontanos beneficiaram de um início de jogo em que os encarnados foram incapazes de apelar à paciência e, quando se esperava um domínio avassalador, a posse de bola repartiu-se. Foi uma situação de jogo que não durou para ser considerada a tendência maior do encontro.
Ainda assim, para as águias fazerem chegar a bola a Arthur Cabral, que ocupou o centro do ataque, não existia uma viagem sem escalas. De qualquer modo, com alguma surpresa, os jogadores de Roger Schmidt reforçaram a ligação aérea entre Lisboa e Campina Grande, de onde o brasileiro é natural. Um desses despejos acabou transviado para Bah que teve o azar de levar uma cotovelada de Júnior Pius, que fechava à esquerda na linha defensiva de cinco elementos. O árbitro foi rever as imagens e anunciou ao Estádio da Luz a decisão de marcar grande penalidade.
Di María teve uma semana para esquecer ao serviço da seleção da Argentina após ter conhecimento das ameaças de morte de que a família foi alvo. Pois bem, a conversão do penálti foi mais um momento para apagar da memória. O guarda-redes do Chaves, Hugo Souza, interrompeu o passe para a baliza que o internacional alviceleste procurava colocar junto às redes.
Em ataque organizado, o Benfica embrulhava-se nas próprias pernas, mas, nas bolas paradas, o perigo ia surgindo. Existia espaço para que criativos como Neres, que voltou à titularidade, e Rafa pudessem crescer, isto porque, do lado contrário, Héctor Hernández, o ponta de lança do Chaves que leva 13 golos na temporada, desesperava que a bola lhe chegasse de tão pouco ofensiva que estava a ser a equipa de Moreno.
No banco, Bernat e Carreras foram apelidos com pouca relevância para uma posição que tem nome próprio. Aursnes voltou a ser lateral-esquerdo numa defesa que, além de Héctor Hernández, teve que lidar com criativos como Raphael Guzzo e Rúben Ribeiro.
Quando Júnior Pius voltou a cometer falta dentro de área, desta vez sobre Di María, o caldo parecia estar definitivamente entornado. Hugo Souza defendeu o remate de Arthur Cabral. Os festejos logo deram lugar ao desespero quando o VAR detetou que Carraça tinha invadido a área antes do brasileiro ter rematado. Hugo Souza disse “sem problema” e voltou a defender.
O Benfica voltou então a dar uso às bolas paradas para se sobrepor. Di María cobrou o livre lateral e João Neves, completamente de costas para a baliza, penteou a bola para dar a vantagem. Com o Chaves orientado para o ataque, os encarnados podiam ter alcançado um resultado mais tranquilo se o discernimento, que em fase nenhuma do encontro abundou, tivesse aparecido. Não foi necessário."