"Quem encontra erros em Grimaldo, no Benfica ou em ambos com a saída do primeiro da Luz falha em ver a legitimidade de todos em escolher caminhos separados
Grimaldo deu nome a uma era no Benfica. Foram sete épocas e meia em que, em 303 jogos, marcou 27 golos e assinou 66 assistências, e sobretudo atingiu a dimensão de um dos melhores laterais da Europa. Uma grandeza só confirmada, na perspetiva dos selecionadores de Espanha, com a saída para uma equipa de topo de uma Big Five, no caso a Bundesliga alemã, embora o Bayer, chamado de forma irónica pelos rivais de Neverkusen e Noiva Eterna, dada a dificuldade em consumar a conquista de títulos, esteja longe das águias quando comparadas as respetivas salas de troféus e museus.
Ao defesa, em Portugal, foram associadas duas ideias principais: a primeira de ser um playmaker encostado atrás e à esquerda; a outra, a de ao gosto de subir pelo terreno, pela linha ou por dentro, acrescerem fragilidades defensivas. A análise variou, consoante a sua participação nos golos marcados ou nos consentidos.
Ainda há dias escrevia sobre Kokçu e a melhor forma de o enquadrar num 11 a fim de lhe extrair o melhor rendimento, e a solução, para mim óbvia, só se encontrará numa resposta coletiva. Junto o mesmo raciocínio a Grimaldo e não é difícil perceber que ainda poderia ter sido mais influente no Estádio da Luz. Nem sempre teve a proteção necessária para poder ser o que realmente era, um desequilibrador nato – Enzo Fernández e Florentino Luís fizeram um trabalho extraordinário na cobertura das subidas dos laterais, tanto à esquerda como à direita, com Gilberto e Alexander Bah, na primeira metade da temporada –, nem teve o complemento mais à frente, que lhe permitisse alternar entre a linha e o corredor interior, resultando numa natural falta de largura coletiva. Na época transata, Aursnes teve de aprender a fazê-lo – e não deixa sempre de ser curioso que o melhor posicionamento do norueguês resulte de uma adaptação – embora privilegiasse zonas mais próximas do eixo.
Curiosamente, com o anúncio da saída de Grimaldo e já depois de ter falhado o húngaro Milos Kerkez e de vários outros nomes terem sido noticiados, como o de Renan Lodi, por exemplo, o Benfica apostou numa opção divergente do que significava o espanhol para o processo de Roger Schmidt. David Jurasék, prevendo-se inicialmente que Aursnes jogasse na posição ideal de falso extremo-esquerdo que o tinha tornado uma das figuras do campeonato anterior, era um lateral todo o terreno de linha, que, em teoria, corrigiria a falta de largura que o conjunto manifestava. Ángel Di María, à direita, entregaria o flanco para Bah, porque viria quase sempre para dentro, e os encarnados poderiam assim espalhar-se melhor no terreno no ataque posicional.
No entanto, o jogo das águias estava demasiado viciado em Grimaldo. Não só a herança era demasiado pesada, como o checo, que ao contrário de Bah, por exemplo, não teve uma almofada como Gilberto e foi colocado de imediato a jogar, apresentou não só deficiências técnicas que ainda dificultavam mais a primeira fase de construção do Benfica, tantas vezes dependente do espanhol, como, mais à frente, os restantes jogadores não trabalhavam as superioridades numéricas o suficiente para privilegiar os movimentos sem bola do reforço. Entretanto, Bernat chegou lesionado, recuperou e voltou a lesionar-se, portanto o plano de um segundo Grimaldo presente como precaução também falhou rotundamente.
Mais à frente na linha cronológica da temporada, Morato cumpriu até se tornar insuficiente e Aursnes deixou o lado direito para ser a melhor opção à esquerda mesmo depois da contratação do jovem Álvaro Carreras, que tem deixado mais dúvidas do que certezas e cujo passado recente o colocava para lá da linha do meio-campo e não assim tão perto da baliza que defendia. Não há dúvidas da pobreza que foi o mercado de transferências das águias nas laterais e o quanto isso hoje as condiciona.
Na Alemanha, Xabi Alonso conseguiu extrair o melhor do compatriota (e de Frimpong, à direita) com uma linha de três centrais, algo que só com Jorge Jesus aconteceu, embora na altura o português fosse mais reativo do que proativo, – Roger Schmidt, quando o tentou, já não tinha o espanhol – e este entregou finalmente as provas que os selecionadores da Roja reclamavam e que não conseguiam extrair de uma liga periférica.
Na entrevista dada há dias a A BOLA, Grimaldo lamenta que o Benfica não tenha apostado em si, alega que gostava de ter continuado e garante que continua a ver todos os encontros, mantendo levantada uma ponte com o emblema que representou mais tempo, a nível sénior, na carreira. Desconheço a tabela de vencimentos do clube, mas de acordo com o que tem sido veiculado, Grimaldo já se encontrava no teto salarial ou perto deste, e para haver fumo branco esse teria de ser quebrado. E não por pouco. É legítimo que o clube tenha procurado outras soluções. O argumento do futebolista é que já é um pouco estranho, mesmo que também não lhe possa ser negada a ambição natural de estar numa liga vários degraus acima da portuguesa. Quererá manter viva a ligação com os adeptos que nem sempre o trataram com justiça, de acordo com o que disse. É que nunca se sabe o futuro.
O problema, lá para os lados da Luz, prende-se essencialmente com o navegar à vista depois de falhada a primeira opção, incompreensível após vários meses com conhecimento do que se iria passar e já depois de o próprio ter anunciado a assinatura pelos alemães. Não se trata de uma posição menor, se é que alguma deva ser desvalorizada, mas de uma função bem para lá da mesma. Grande parte do sofrimento das águias hoje está no momento em que desvalorizaram o que o espanhol lhes dava no relvado sem o conseguirem compensar."
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