"Não deixa de ser impensável que um clube com essa (inabalável) estrutura tenha mandado embora Lopetegui sem ter já uma solução.
Não costumo, por norma, preocupar-me com searas alheias. Muito menos com o clube que usa o nome da cidade onde nasci, o qual, nos 18 anos em que lá vivi, nunca ganhou um campeonato nacional, sequer.
Talvez por isso, por lá ter nascido e ser do Benfica desde esse mesmo dia, numa escolha que o meu Pai fez por mim, e que eu, por mais que viva, nunca lhe pagarei, os meus conterrâneos não me perdoem essa minha opção.
Pelo Benfica, até debaixo de água (como o ouvia cantar, enquanto, durante muitos anos - até vir para Lisboa, para a Faculdade de Direito - percorríamos Portugal inteiro, para ver o Benfica jogar). No futebol, como em muitas das outras modalidades.
Por isso não me canso de repetir que sempre vi o Benfica, em todo o lado antes de ser dirigente, como continuarei a seguir o Benfica quando deixar de o ser!
Mas vamos ao que, hoje, interessa.
Saber estar, saber sair
Numa definição perfeita do que releva para quem exerce o poder, tenho presente - «por ouvir contar» - do que dizia, em conversa privada, um ex-Primeiro Ministro: «Todos entram aqui bem, mas todos saem daqui muito mal.»
E se o futebol, no que tem de ciência política e de relação de poder (porque é de poder que se trata), não esquecer as lições dessa mesma ciência, perceberemos que há dois parâmetros essenciais para definir qualquer liderança.
A obra (neste caso, as vitórias) e a escolha do momento para sair.
E se as primeiras dependem de tantas variáveis aleatórias (que, quem manda, tenta reduzir ao máximo), já o segundo depende, exclusivamente, da lucidez, do discernimento e da vontade de quem lidera (ou do medo que o já não ser possa trazer por razões inconfessáveis...).
Os arautos do clube da Invicta não se cansam de elogiar tanto título ganho por quem lhes ocupa a Presidência por tantos anos. Apesar de sabermos como muitos deles foram conquistados... retenhamos essa realidade para o que nos interessa e não falemos - uma vez, sem exceção, para que não se habituem... - do Apito Dourado!
Normalmente, os mesmos que defendem a limitação dos mandatos no Estado, ou nas Autarquias, são, tantas vezes, os mesmos que participam de Comissões de recandidatura no clube, onde se mandam às malvas tais princípios de rotatividade democrática.
No Estado, com a justificação de que, assim, se evitará, o nepotismo, o clientelismo, a corrupção; no Clube, com a justificação de não haver alternativa. Como se aqui a natureza, mesmo em termos desportivos, não tivesse horror ao vazio e não fosse capaz de encontrar sucessores dignos dessas vitórias...
A não ser que me digam que aos meios usados, os tais que os fins - as vitórias - tudo justificam (numa visão maquiavélica da actividade mais maquiavélica que conheço, o futebol), só este terá acesso...
Se assim for, compreendo o desespero dos apoiantes!
Se assim não for, só posso compreender o desespero do candidato.
Porque - e interessa sempre ver no que se traduz essa impossibilidade de perceber que chegou o momento de sair - o espetáculo lamentável de arrastamento, por época e meia, de um erro de casting chamado Julen Lopetegui (que, só me deu alegrias enquanto andou por lá), só tornou evidente que, respeitando a idade, não podem os seus seguidores respeitar tanto autismo, tanto adiamento, tanta prepotência.
As claques, como já defendi, são, cada vez mais, vozes de expressão do sentir do adepto comum. Podem até parecer controladas, manietadas e direccionadas num primeiro momento. Mas acabam, todas, a ser a voz de quem sofre - e muito - pelo clube.
A tal intransigência em ver o óbvio - que alimentava páginas de jornais sobre quem apoiava quem dentro da famosa (e ex-competente) estrutura - feita de autismo, adiamento, prepotência mas, também, de sensação de impunidade, infalibilidade e recuperabilidade, só me trouxe alegrias.
Por mim, essa tal escolha continuaria lá por muitos e bons anos. Só tenho, por isso, de lamentar que o destino não quisesse que assim fosse. Mas a expressão máxima dessa passagem do prazo de validade de quem lidera foi o triste arrastamento, por duas semanas, de uma situação sem uma deliberação alternativa para uma morte anunciada.
A solução transitória - não da pessoa, que tem competência para ser treinador principal - teria tudo a ver com um fim de época em que apenas se desejasse que o tempo passasse. Mas aqui, para quem sofre por aquele emblema (e não fica - como eu - muito contente com cada derrota deles... Deles e dos outros, já agora, para que não julguem que andam sozinhos), tal arrastamento de uma não solução só percepcionou o desfazer de novos sonhos sobre hipotéticas vitórias futuras. Com tanta determinação - adiada por meses, eu sei - em dispensar... ou despachar... Lopetegui, sempre pensei que a alternativa estava encontrada. Afinal, a eficácia de outros tempos parece não existir porque não deixa de ser impensável, num clube com essa (ex-intocável e ex-inabalável) estrutura, ter mandado embora o treinador sem ter já solução.
Dir-me-ão que nada tenho a ver com isso... E que se os sócios não reagem... Talvez. Mas posso gozar, pelo menos? Ou também não?
Rui Barros
Neste interlúdio de incapacidade de gestão, que conduziu ao arrastamento de uma solução transitória, há uma pessoa que merece o meu elogio: Rui Barros.
Nunca tive uma predilecção especial por ele, enquanto jogador, nem mesmo quando as notícias o davam próximo do Benfica... por acção de Jorge de Brito. Mas a forma surpreendentemente elegante, educada, respeitadora e calma como, com clara consciência, mostrou saber qual era o papel que lhe queriam atribuir neste momento, fizeram com que passasse a ter, em mim, uma voz que não se levantará em críticas contra quem demonstrou ser alguém que aproveitou, e muito, a experiência de ter jogado em grandes europeus.
Sérgio Conceição
Outra personalidade que fez com que admitisse mudar a minha opinião sobre ele foi a de... Sérgio Conceição. Eu sei que tenho amigos que dizem que ele fez tudo para perder o jogo... mas Casillas fez muito mais do que ele.
Perdoem-me mas não concordo! Resistiu aos cantos de sereia, sem surpresa de tantos, para escândalo de outros, quando lhe propuseram a (fundamentada ou não) hipótese, mesmo antes desse jogo, de treinar o Porto. Nisto das paixões desmedidas por um clube, tantas e tantas vezes incompreendidas, somos confrontados com uma impulsiva irracionalidade... O que não nos faz mais ou menos honestos, mais ou menos sérios. Mas Sérgio Conceição deu-nos uma lição. Tal como qualquer outro jogador, com o sentido da responsabilidade de envergar uma camisola, vestindo-a como se lhe pertencesse efectivamente, Conceição sentia o peso daquele balneário e das cumplicidades aí geradas, escolhendo o caminho a que, por momentos, terá querido fugir...
Logo após a vitória do seu ainda Vitória frente ao Porto constou que Sérgio Conceição terá recusado assinar pelo (inevitável) clube do seu coração antes desse jogo. A ser verdade o que se lê, gabo-lhe a atitude! De facto, ter achado que o melhor, de acordo com a sua consciência, seria esperar pelo final do jogo para tomar uma posição, é de grande profissionalismo! E sendo o homem «a medida de todas as coisas» e... de todas as atitudes, Sérgio Conceição, apesar da tendência para uma conflitualidade permanente, revelou grandeza - bem cada vez mais escassos no futebol português, como no resto.
José Peseiro
De todos os treinadores de futebol, foi com José Peseiro que mais falei nestes últimos tempos, por razões de circunstância.
Tenho pena que vá para o Porto, porque não posso desejar-lhe felicidades. Mas deixo-lhe um abraço."
Rui Gomes da Silva, in A Bola