"A FIFA fez o seu trabalho e indicou dois juízes experientes, cujo nome impunha, desde logo, tranquilidade e respeito.
Andrés Cunha, do Uruguai e Cuneyt Cakir, da Turquia, procuraram contribuir para que as partidas tivessem ritmo elevado, deixando jogar até ao limite máximo do tolerável.
A estratégia, de risco, acabou por ser bem interpretada pelos jogadores que, apesar de pontual dureza, nunca ultrapassaram a fasquia do "razoável". Houve impetuosidade momentânea e algumas entradas mais viris, mas nunca agressividade ou violência.
Diz o bom senso que esta opção - a de intervir o menos possível - deve ser exercida por árbitros maduros, com pulso, estatuto e grande sensibilidade para o jogo. Isto porque, para um juiz mais jovem ou menos respeitado, o critério largo é frequentemente interpretado como falta de controlo, como um convite ao "vale-tudo", cuja tendência é depois bem mais difícil de travar.
Para a grande final de domingo, o Comité de Arbitragem deve manter a opção mais segura (e sensata), nomeando um juiz de estatuto e qualidade inatacáveis.
Sendo ambas as selecções europeias, não seria descabida a indicação de um árbitro de outro continente. Nessa linha, o brasileiro Sandro Ricci, que fez uma prova de grande nível, poderá ser um dos eleitos.
Quanto ao VAR e caso mantenha a forte (e sublinhe-se, insistente) aposta em juízes italianos, não seria de admirar que o já nosso conhecido Massimiliano Irrati fosse escolhido para a função.
O transalpino - que só detém as insígnias FIFA desde 2017 - surpreendeu, primeiro, ao ser indicado para esta competição com tão pouco tempo de "internacional", depois ao ter a honra de estar no jogo de abertura e, por último, ao ser (de longe, bem de longe) aquele que mais jogos efectuou nessa missão específica.
A admiração não advém propriamente da escolha insistente dos também italianos Roberto Rosseti e Pierluigi Collina, mas sobretudo porque Irrati - que tem qualidade - acumulou vários erros graves e visíveis, como por exemplo a não intervenção no lance entre Diego Costa e Pepe ou a recomendação (depois aceite pelo mexicano Enrique Cáceres) para que fosse assinalado pontapé de penálti por braço deliberado de Cédric.
Se o critério que preside às escolhas de quem vai e quem fica fosse o da meritocracia, como seria expectável, o árbitro de Itália já teria regressado a casa.
São razões que a razão desconhece.
Quando uma mentira repetida várias vezes quase se torna numa verdade...
Mas as meias-finais trouxeram ao de cima, uma evidência tão clara quanto inadmissível em alta competição: a de que parte significativa de jogadores, técnicos e imprensa especializada desconhecem as normas que regem o jogo que jogam, treinam e comentam.
É como se Karpov e Kasparov se preparassem para disputar o título mundial sem conhecerem, totalmente, as regras do xadrez. Não faz sentido.
No jogo de ontem e após o segundo golo da Croácia, os ingleses apressaram-se a colocar a bola no meio campo e lá arrancaram rumo à baliza de Subasic, na esperança de marcar um golo enquanto os croatas ainda festejavam o seu, fora do terreno de jogo.
A situação - vista várias vezes noutras partidas desta prova - roça o inacreditável (de tão absurda), mas tem convencido uma legião de adeptos e até jornalistas, que acham haver algum fundamental legal na estratégia.
Mas não. Não há. Não há normas nem directrizes UEFA ou FIFA que contrariem a evidência, escrita e expressa, das Leis de Jogo, redigidas pelo International Board.
A verdade é que nenhum jogo pode começar ou recomeçar sem que as duas equipas estejam no seu próprio meio-campo (à excepção do próprio executante do pontapé de saída que, momentaneamente, pode pisar o meio campo adversário).
Mais. Nenhum jogo pode começar ou recomeçar sem que as equipas tenham, no mínimo, sete jogadores.
Como se não bastasse o que dizem, respectivamente, as leis oito e três, também a do "bom senso" apela à razoabilidade a todo o momento. Por essa ordem de ideias, nenhum árbitro equilibrado e sensato permitiria que uma atrocidade destas valesse. Ela atropelaria a verdadeira essência e espírito do futebol. Do próprio desporto.
Esta insistência, repito, alimentada por parte da imprensa especializada como se fosse uma verdade absoluta, reforça a ideia de que há ainda um longo caminho a percorrer no sentido de educar e ensinar os agentes directos e indirectos do jogo... sobre as próprias regras do jogo.
Caso contrário, corremos o risco de continuar a alimentar uma mentira como se de uma verdade se tratasse, com todos os custos e prejuízos que a desinformação permanente acarreta.
Não faz sentido.
Não em pleno século vinte e um, quando a verdade está à distância de um clique."