"Ao longo dos anos, e com a possibilidade de desenvolver a minha atividade profissional no estrangeiro, desenvolvi uma visão de perspetiva do futebol português, dos seus protagonistas, da sua evolução muito gradual e, por vezes, pouco convincente.
A chamada visão de helicóptero, que nos permite olhar de modo diferente o que vemos a dez metros de altura, e ainda de forma mais distinta quando subimos aos cem metros.
Nas principais ligas europeias, releva-se, em conjunto, o interesse do desenvolvimento do produto apresentado, os seus potenciais mercados, as fórmulas mais atrativas da competição e da cativação de parceiros, investidores e público. É uma regra de ouro sobrelevar o interesse do futebol enquanto negócio que aproveite a todos os players envolvidos, ao mesmo tempo que se trabalha na gradual valorização da imagem da competição domestica para outros públicos, novos destinatários e potenciais seduzidos pela magia de uma grande prova, com jogadores e treinadores de topo, mas, igualmente, com uma lógica de desenvolvimento sustentada nas tendências mais apetecíveis de destinatários e de mercados.
Veja-se o absoluto fascínio que as ligas inglesa e espanhola suscitam no adepto asiático, sem limitação de nacionalidades, ao ponto de as digressões de pré-temporada, muitas vezes, serem efetuadas a destinos exóticos, longínquos, mas fundamentais para a estrutura financeira daí adveniente e dos pressupostos de marketing global das principais marcas (entenda-se, emblemas), dessas ligas dominadoras, também por isso, pela relação de afetividade, engajamento e fidelidade que estabelecem com os adeptos.
Sem derivar muito mais em relação ao objetivo essencial do texto de hoje, sempre sublinho que, a dado passo da minha carreira profissional (entre 2017 e 2019), desempenhando funções na Deutsche Welle (a estação pública internacional alemã de audiovisual e digital), trabalhei muito próximo do Bayern de Munique e do Borussia de Dortmund, dos seus departamentos de comunicação e imagem, das suas estruturas de ligação ao adepto. Entendi facilmente que parâmetros como a transparência, a consciência da grandeza dos emblemas mas, ainda mais e por causa deles, da dimensão transversal e global do jogo e da Bundesliga, eram o leit motiv do seu trabalho e a ponte de permanente ligação para os superiores interesses da liga alemã e da sua promoção externa.
Resumindo, para adaptar o raciocínio ao mercado e ao pensamento dominante em Portugal: não faz nenhum sentido pensar ligas profissionais sem a presença de todos os principais emblemas, e encontrando bases de diálogo, de entendimento, de produção e capacitação de uma indústria comum, de um negócio de todos, alicerçando a construção de um bem maior e fazendo-o superar quezílias pessoais, regionalismos indevidos e prejudiciais, egos, momentos anteriores na história que não podem cristalizar mentalidades.
Quem são os presidentes do Chelsea, do Tottenham, do Manchester City, do Arsenal? Quais são os seus nomes? Podemos partir da resposta (dificílima para um normal seguidor do futebol internacional), para chegar a uma primeira conclusão: muitas vezes, o anonimato, a descrição, o zelo na imagem é um trunfo para se conseguir resultados verdadeiramente marcantes e definidores da amplitude e do alcance de uma competição.
A English Premier League é o melhor exemplo de cooperação permanente, baseada em valores superlativos como a dignidade, a ética e a ideia supranacional de negócio e indústria, adaptando o jogo às solicitações do mercado e às necessidades dos adeptos, sendo sempre conscientes, os líderes dos principais emblemas, de que a sua força e dimensão conjunta é o melhor e maior garante da consistência e solidez do produto que oferecem, que é regiamente pago, que é universalmente consumido, e que é transversalmente aceite como o melhor do mundo.
Na Alemanha, quando Bayern e Borussia se unem (e Bayer Leverkusen, Eintracht Frankfurt, VfB Stuttgart, peças históricas e dinâmicas do futebol da DFB), o jogo avança e alavanca patrocinadores, alternativas, diversidade na oferta para o adepto e para a venda da liga alemã como uma das mais poderosas e competitivas no mundo. Uma das provas é a impressionante média de espectadores nos estádios, e a qualidade destes na concessão de condições exemplares para a experiência dos adeptos.
Por tudo o ficou escrito, e o muito que ainda haveria para exemplificar, quando chego a Portugal e reparo na hostilidade entre claques, na separação entre interesses, na divisão de argumentos e na capacidade extraordinária de criar clivagens, palavras cruzadas ou mesmo desencontros de ideias entre os principais clubes, penso em duas possibilidades: os dirigentes dos principais clubes ainda não conseguiram ultrapassar o culto do ego e são igualmente incapazes de perceber o potencial global do jogo e os seus mecanismos de atração, ou pretendem, mesmo, continuar a criar pequenos campos de influências, parametrizar regulamentos à medida dos seus interesses pessoais e corporativos, limitar (para seu usufruto) as quatro linhas da diplomacia em que as grandes vitórias do futebol devem ser obtidas, numa lógica de valorização do espetáculo, de consolidação da indústria e de agregação do público que deveriam ser, de per se, argumentos únicos e identitários na cartilha de um bom dirigente.
Cartão branco
Pode acontecer tudo, até uma remontada como outras que o Real Madrid conseguiu na sua história. Mas o trabalho que, ao longo de anos, tem vindo a ser desenvolvido por Mikel Arteta no Arsenal merece ser valorizado, reconhecido e engrandecido. O espanhol conseguiu montar uma equipa competitiva para dentro e para fora, ao ponto de estar a chegar às meias-finais da Champions e de apresentar um futebol adulto, com gente de múltiplas origens mas com um objetivo comum: estar cada vez mais próximo de ganhar. Um dia, a taça fica mesmo no Emirates.
Cartão amarelo
Mereceu o benefício da dúvida, pela sua juventude e pelos predicados que dele fizeram treinador respeitado nas Américas do Sul e Central. Sendo jornalista de formação, é o primeiro a compreender a necessidade de respostas dos profissionais. Mas, no FC Porto, Martín Anselmi talvez não esperasse uma fase de tamanha desorganização interna e, ainda, de definição de poderes e autoridade. A ida de André Villas-Boas ao balneário azul e branco ao intervalo e no final do jogo do Dragão frente ao Benfica é, enquanto atitude presidencial, de uma absoluta nulidade prática, mas demonstra desorientação. A noite seguinte no hotel da Praia da Granja também. Nunca, nos últimos anos, o dragão esteve tão desorientado…"