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sábado, 30 de maio de 2020

Os 5 melhores jogos da Era Jorge Jesus no SL Benfica

"Dado o tropeção monumental de Bruno Lage na última fase pré-pandemia, o nome de Jorge Jesus regressou à agenda dos benfiquistas quanto à eterna discussão sobre a figura do treinador da equipa principal.
Neste caso, o saudosismo por seis anos marcantes fala mais alto em certa parcela de adeptos, que defenderão o seu regresso até às ultimas instâncias, apoiando-se no argumento de que nunca viram um SL Benfica tão forte; outros, agarrando-se às estatísticas e ao argumento da paciência obrigatória em projectos como o do Seixal, entregam-se com toda a confiança aos destinos do técnico setubalense.
Seja como for, a história recente do Benfica tem em Jorge Jesus uma figura preponderante, elevando os níveis competitivos da equipa e repondo-a no frontão do futebol português, com a mesma eficácia e regularidade dos anos áureos: trabalho que Rui Vitória e Bruno Lage souberam continuar, com abordagens diferentes e comportamento distinto.
Mas já que aqui estamos, valerá a pena relembrar os jogos capitais da era Jesuíta no reino da Águia – jogos que definiram temporadas e aqueles encontros que demonstraram todo a capacidade do técnico de 63 anos, agora campeoníssimo ao leme do Mengão Flamengo.

1. SL Benfica 8-1 Vitória FC (2009/2010) – Existiam ainda desconfianças várias. Isto apesar da promessa feita por Jesus na sua apresentação, dizendo que a equipa ia… «jogar o dobro» da que fora orientada por Quique Flores.
A pré-época deu sinais nesse sentido, com bom futebol e automatismos a serem criados à velocidade da luz; o 4-1-3-2 que serviria de base para os anos vindouros encaixou na perfeição e o Torneio de Amesterdão foi conquistado com toda a naturalidade.
Porém, nos jogos oficiais, o empate na estreia com o CS Marítimo e a vitória tirada à cabeçada em Guimarães não tinham mostrado ainda a verdadeira força daquele fantástico conjunto de jogadores.
À terceira jornada, o Vitória sadino veio confuso à Luz e os 8-1, com 5-0 ao intervalo, foram espectáculo de enorme calibre, com nota artística em doses industriais. A onda encarnada pode finalmente explodir e levar ao ‘colinho’ uma equipa que só parou de atropelar adversários em Maio, quando chegou ao Marquês.
Eternizado ficou o enorme raspanete de Jorge Jesus à equipa pelo golo sofrido em cima dos 90’, consequência de um desentendimento entre Quim e David Luiz: a confirmação de que a exigência era, definitivamente, outra.
Do outro lado, Carlos Azenha desculpava a derrota com o facto de a equipa estar ainda em… «construção». Ex-adjunto de Jorge Jesus e com ele às avessas, tentou surpreender com o 5-3-2, mas ficou longe do efeito desejado.
Demonstrou desde cedo inaptidão como técnico principal, consolidando a ideia de ser um intelectual do jogo sem propensão para tarefas de comando. Confirma definitivamente ser um erro de casting quando, na jornada seguinte, é derrotado (0-4) pelo U. Leiria em pleno Bonfim.
Fernando Oliveira, presidente de um histórico aflito de dinheiros, mostrou-lhe imediatamente a porta da saída e soltou um famoso desabafo: «Com tantos tremores de terra que já tínhamos, [Carlos Azenha] foi mais um». 

2- SL Benfica 5-0 Everton (2009/2010) – Se nas provas nacionais havia já ritmo cruzeiro, uma derrota em Atenas na segunda jornada europeia antevia ultimato britânico na recepção ao Everton FC de David Moyes.
Yakubu, Cahill, Fellaini, Coleman, Howard: os Toffees traziam as estrelas da companhia para Lisboa, apesar de terem a enfermaria cheia. As ausências na defesa até ajudam a explicar o descalabro, mas até Saviola desmanchar estratégias aos 14’, a equipa ainda aguentou o ímpeto benfiquista.
A verdadeira diferenciação de qualidade viria numa entrada de rompante na parte seguinte, com três golos em seis minutos, fixando os 4-0 aos 52 minutos. Se Jorge Jesus e a sua obra de arte eram já apreciados dentro de portas, aquele festival foi o início da recuperação do prestígio internacional que se seguiria nos anos seguintes.
E se antes do jogo o técnico português afirmava não ser «jogo decisivo», certamente outra opinião teve quando preparou a equipa para ir a Inglaterra vencer novamente, por 0-2, e garantir o apuramento para a próxima fase. Demasiado fácil.

3. FC Porto 0-2 SL Benfica (2010/2011) – Era o poderoso FC Porto de André Vilas Boas. Jesus ainda não tinha ganho no Dragão, contava por derrotas os jogos lá realizados e, dois meses antes, tinha sido trucidado quando Roberto encaixou cinco bolas na sua baliza.
Depois da saída de Ramires e a lesão prolongada de Rúben Amorim, o lugar de interior direito estava entregue a um menino chamado Salvio, ainda pouco confortável a compensar defensivamente a equipa. Se o ataque era demolidor, a fragilidade encarnada era aproveitada por equipas mais equilibradas como aquele Porto, num 4-3-3 que engolia Javi García, muitas vezes polícia sinaleiro na enorme estrada em que se tornava aquele meio-campo.
Mas, Jesus aprendeu e demonstrou neste jogo a evolução que teria contornos permanentes nas épocas seguintes: puxou César Peixoto para junto do espanhol, montou um duplo pivot e estancou as transições supersónicas comandadas por Hulk. Não foi certamente apenas por isso a vitória clara naquele dia, mas a capacidade de reinvenção foi fulcral para a evolução subsequente a que se existiu no seu sistema nas épocas seguintes, onde o equilíbrio substituiu a procura despreocupada do golo.

4. Manchester United FC 2-2 SL Benfica (2011/2012) – O Benfica não se qualificava para os oitavos desde 2005, igualmente em derradeiro jogo contra Alex Ferguson. Jesus, depois de fracassar no ano anterior na maior prova, provou ter aprendido com os erros.
Chegado à quinta jornada, o empate era suficiente para as águias se qualificarem e o golo inaugural, aos 3’, mostrou ao que a equipa vinha. Jesus tinha dito na conferência de imprensa que um bom resultado era ganhar e a equipa assim tentou, exibindo-se a grande nível e silenciando Old Trafford em largos períodos do encontro.
Confronto olhos nos olhos com os campeões ingleses, vergando-os a um domínio natural assente na qualidade técnica de Gaitán e Aimar. Umas semanas antes, aquele United tinha atropelado o Arsenal por… 8-2!

5. Juventus FC 0-0 SL Benfica (2013/2014) – Como as grandes epopeias são aquelas em que os heróis derrotam gigantes monstros e ultrapassam incontáveis dificuldades, o herói Benfica não poderia ser diferente.
A grande história começa-se a escrever no dealbar da segunda metade, quando Mark Clattenburg mostra o vermelho a Enzo Pérez. Faltavam 23 minutos para o final e a equipa via-se sem o seu motor, o que obrigou Jesus a mostrar todo o seu manancial táctico: faz entrar Almeida para apoiar Rúben Amorim, e obriga Markovic e Gaitán a acompanharem os alas adversários, locomotivas que faziam girar a engrenagem do 3-5-2 de Conte, que dinamitaria a Premier League anos depois.
A Juventus montou o cerco mas não se pode dizer que tenha feito mossa. Ao posicionamento irrepreensível do… X encarnado, juntou-se a frieza sobrenatural que só Jan Oblak sabia ter em alturas de maior pressão.
Nos descontos, e já com nove jogadores por força da lesão de Garay, o Benfica revelava toda a sua valia numa simples, mas ousada, armadilha de fora-de-jogo: há canto do lado direito para os da casa. Com seis minutos na compensação, todos sobem, até Buffon, no esforço final em procura do golo que dava direito a disputar a final no seu próprio estádio.
Assim que Pirlo cruza, a linha benfiquista avança de forma sincronizada. Há um cabeceamento fraco, Oblak defende para o lado, a bola sobra para Pogba, mas a bandeirola sobe, naturalmente. O craque francês fica confuso; quando se apercebe e olha para trás, já os jogadores encarnados assumiam as posições para o livre indirecto…"

Será que me vou lembrar do golo de Kimmich?

"Ao comentar em directo o golo de Joshua Kimmich, frente ao Dortmund num estádio vazio, Luís Cristóvão disse, e cito de memória, “tenho a certeza que 100% dos nossos espectadores se vão lembrar deste golo por vários anos”. Lamento, meu caro Luís, acho que o belíssimo golo de Kimmich cairá rapidamente no nosso esquecimento.
A memória colectiva está a esfumar-se. Não só no futebol: a quantidade de séries, discos, filmes ou livros a que temos acesso rápido e facilitado faz com que seja difícil acompanhar “as tendências”. Tirando casos pontuais, conseguimos esquecer rapidamente um golo que vimos dezenas de vezes num determinado fim-de-semana, e que foi partilhado por milhões de pessoas nas redes sociais porque rapidamente surgiu outro que o substituiu no nosso imaginário. Nos anos 90, delirámos uns anos seguidos com os golos de Ronaldo em Barcelona, sofremos com a sua lesão, quando ele regressou no Mundial asiático os golos ao Compostela ou ao Valência pareciam que tinham acontecido…há menos de um ano.
Em tempos de pandemia, a maioria dos órgãos de comunicação social ligados ao desporto teve que parar e ir ao baú: contar histórias de jogadores antigos, revisitar jogos do passado, recordar efemérides. No meio da angústia que muitos de nós vivemos, para quem gosta de futebol esta ida ao passado foi um bálsamo. Na vertigem dos dias pré-covid, às vezes era difícil ter tempo para acompanhar tudo o que se passa, quanto mais parar para recordarmos coisas de há 20 ou 30 anos. Espero que esta opção (?) estratégica dos últimos meses possa ter alguma continuidade.
Mas não só os órgãos de comunicação social têm essa responsabilidade. As próprias organizações devem tentar parar para pensar nos modelos competitivos. A juntar à habitual profusão de informação sobre futebol – variada e com qualidade, basta saber e querer procurar – somos ainda diariamente confrontados com outro tipo de abundância, a dos jogos grandes. Todos os fins-de-semana, ou melhor, todos os dias de um período que começa na sexta à noite e muitas vezes acaba na segunda à mesma hora, temos direito às vezes a mais do que um jogo especial para assistir, sempre em latitudes variadas para satisfazer o maior número de pessoas possível. E depois até a maior competição de futebol da Europa, a Liga dos Campeões, cai nesta lógica. Demasiados jogos pouco competitivos durante demasiado tempo – na fase de grupos até pode haver muitas vertentes tácticas para apreciar mas eu perco-me no catálogo futebolístico da mesma forma que fico sem saber por onde ir na página inicial da Netflix. E se fosse então pegar no exemplo da Liga Europa ou da Taça da Liga em Portugal - é mesmo necessária uma competição sobre a qual teremos pouquíssima coisa a dizer dentro de 20 anos? Em 2040, numa próxima pandemia e quando o futebol voltar a parar três meses será que os media vão relembrar jogos da taça da liga? Duvido.
A solução não passa, evidentemente, pela criação de super ligas europeias. A elitização do futebol não é o caminho, mas sim a inclusão: dar a oportunidade a mais equipas de poderem ter as suas páginas douradas rememoradas quando o futebol não for possível de ser jogado e só nos restar vasculhar o baú. Porque, como adeptos neutrais, é com enorme gozo que gostamos de recordar ou conhecer a história de vencedores inesperados como Hellas Verona, Zaragoza, Lens, Roma, Boavista ou Nottingham Forrest. Mas se só houver espaço para brilharem sempre os mesmos, ainda que com as suas próprias narrativas, mais rapidamente chegaremos a um ponto de saturação."

“No Benfica mandava o Veiga, o Simão dava-me as chuteiras dele, que tinham os nomes dos filhos. E eu abusava das noitadas”

"À beira dos 35 anos, Hélio Roque não é um nome sonante, faz parte do grupo de jogadores que chegou cedo a um grande, mas não conseguiu afirmar o seu valor e preferiu tentar a sorte lá fora. O futebol também se faz destas histórias, que são aliás a maioria invisível. Hélio não se arrepende das opções que tomou num percurso que o levou até ao Chipre, onde conheceu a mulher e mãe dos dois filhos e passou por Angola, a terra que o viu nascer mas da qual não guarda recordações de menino. Regressou há dois anos para jogar o Campeonato de Portugal. Diz que um dia vai ser treinador, mas que ainda é cedo para pendurar as chuteiras.

Nasceu em Angola. Concretamente onde?
No Huambo. A minha família é toda angolana. A minha mãe trabalhava na Sonangol, o meu pai confesso que não sei o que fazia. Tenho uma irmã, um ano mais velha.

Veio para Portugal com que idade?
Com quatro anos.

Que recordações tem de Angola?
Não me lembro de nada.

Foi viver para onde?
Viemos para casa da minha avó, na Arrentela, depois o meu pai e a minha acabaram por comprar casa lá e ficamos por ali.

A adaptação à Arrentela e a Portugal foi tranquila?
Sim. Tenho muitas saudades daquele bairro, era muito acolhedor.

Tinha alguém na família ligado ao futebol?
Não. A bola começou na rua e um dia um colega meu perguntou-me se não queria ir treinar ao Arrentela. Tinha oito ou nove anos. Fui e gostei. O treinador também disse que queria que eu ficasse. Foi aí que começou.

O que dizia que queria ser quando fosse grande?
Pedreiro [risos]. Tinha essa pancada. Gostava muito da construção.

E torcia por que clube?
Pelo Benfica. O meu pai é ferrenho do Benfica.

O que faziam os seus pais profissionalmente em Portugal?
O meu pai é camionista e a minha mãe trabalhava no hotel Meridien.

Da escola, gostava?
Não. Não ia muito às aulas, era só futebol. A minha mãe bem me dava na cabeça, mas não havia solução.

Quem eram os seus ídolos?
O Zidane e o João Vieira Pinto.

Ficou no Arrentela até aos 14 anos. Depois vai para o Amora FC. Como e porquê?
Porque já não tinha muita motivação no Arrentela. Jogávamos sempre num campeonato mais abaixo, era juvenil de 1.º ano e ia para o 2.º ano quando tive uma divergência com o treinador. Ele estava a fazer a equipa para o ano e punha-me sempre no banco. Não gostei da situação e no final de um jogo disse-lhe: "Se continuar a pôr-me no banco, não venho mais". No jogo a seguir ele pôs-me outra vez no banco e nunca mais apareci. Entretanto, o Carlitos, que estava no Casa Pia, disse-me: "Vou treinar ao Amora, não queres vir?". Arranquei com ele, fomos lá treinar: eu, ele e o Serginho. Fizemos um treino e ficámos.

Esteve um ano apenas no Amora FC e na época seguinte foi para o Benfica. Como aconteceu?
Eu estava referenciado desde os iniciados. Houve uma altura, ainda no Arrentela, que o Benfica quis que eu fosse lá uma semana, mas a minha mãe não deixou. Disse que eu tinha de estudar. Eu também não liguei muito, porque na altura era pequeno. Nos juvenis fiz uma boa época, eles continuavam interessados e eu sabia. Entretanto, houve um jogo contra o Corroios e estavam lá os olheiros do Vitória de Guimarães também. Vieram falar comigo no final. Eu até estava virado para ir para o Vitória, mas o Benfica chegou-se logo à frente. Estava nas aulas quando o meu pai me foi buscar. Nem me disse o que era. Arrancámos, fomos para o Estádio da Luz e assinei por dois anos.
Foi a primeira vez que assinou um contrato e começou a ganhar dinheiro com o futebol?
Sim, €800.

O que fez com esse dinheiro?
A primeira vez que recebi, fui às compras e gastei tudo logo num dia.

Os 800€ de uma vez?
[risos] Sim: comprei ténis, calças, só roupa e calçado. Fui com mais um colega e foi logo tudo.

E os estudos, desistiu?
O Benfica fez um acordo com a escola, porque eu tinha treinos de manhã. O acordo era para eu ter aulas à tarde, só que muitas vezes ficava sozinho com um professor. Eu já não ligava muito à escola, ainda por cima sozinho com um professor, era uma grande seca. Larguei a escola no 10.º ano.

Deve ter notado grande diferença do Amora para o Benfica.
Sim, foi muito difícil para mim. Eu era muito franzino e, quando cheguei ao Benfica, era tudo matacões, jogadores grandes; para mim foi um choque muito grande. Nunca tinha feito ginásio, nem abdominais, e nos primeiros treinos eu estava noutro mundo. Só pensava: "O que é isto?" [risos]. Estava mesmo a pensar em desistir. O treinador era muito rígido, muito militar. Sofri muito no 1.º ano.

Mas aguentou-se.
Aguentei-me porque tinha três, quatro jogadores que me ajudaram muito. O Tiquinho e o Nuno Alves davam-me muitos conselhos, diziam para ter calma, falavam muito comigo, porque muitas vezes pensei em desistir. Ainda por cima não era opção e sentia que podia jogar, sentia que o treinador escolhia se calhar não pelo rendimento, mas por outras coisas, e eu ficava muito triste e revoltado com essas situações. Muitas vezes até chorei. Fiquei mais porque o Rui Oliveira, que era o director-geral, gostava muito de mim, foi ele que me foi buscar e deu-me muita força. Acho que lhe devo muito, porque se não estivesse lá, se calhar tinha ido embora. Depois, a mudança de treinador também ajudou.

Está a falar de quem?
Do Bastos Lopes. Ele foi uma grande força para mim. Era tipo um pai para nós, ajudava, se o jogador estivesse bem, jogava; se não estivesse, não jogava, era diferente. Ele e o João Bastos ficaram no meu coração.

Nessa altura está com 17, 18 anos e começam os namoros e as saídas à noite, certo?
[risos] Sim, começam aí. Por acaso nunca tinha saído, foi na altura do Benfica que a malta começou a desafiar-me para beber um copo e foi ali que começou o gosto.

Chegou a ter problemas por causa das noitadas.
No princípio, não. Os problemas com noitadas aconteceram mais tarde, na altura do Koeman, aí reconheço que abusava um bocadinho.

Foi multado, chamado à atenção?
Um dia, o presidente chamou-me e disse-me que tinha de parar com essa vida. Eles sabiam praticamente tudo. Um jogador pensa que não, mas o clube consegue sempre informações de todo o lado. E uma saída aqui, amanhã o clube já sabe.

Quando foi chamado pela primeira vez à equipa principal?
Nos juniores de 2.º ano fui fazer a pré-época com a equipa e ia lá treinar de vez em quando durante alguns dias. Isto com o Trapattoni.

Nunca foi praxado pelos colegas?
Praxado, não, mas havia muitas brincadeiras, então no estágio da Suíça... Os mais jovens, depois do almoço, é que tinham de ir buscar os cafés para os mais velhos. E mesmo a primeira vez em que entramos mos no balneário sénior é um choque, uma pessoa não sabe o que é que há-de fazer, há um nervosismo muito grande. Mas os jogadores são de uma humildade muito grande. Um dos jogadores com quem me dei logo bem, e que foi como um pai para mim, foi o Simão Sabrosa. Eu era júnior e ele já me dava as botas dele, que tinham o nome dos filhos dele. E eu jogava com as botas dele. 

Quando faz a sua estreia pela equipa principal do Benfica?
Em 2005, com o Koeman.

O que achou dele?
É top. Foi ele que me lançou. Era muito bom nos treinos, explicava bem.

Mas só fez quatro jogos.
Sim, na pré-época joguei muitos, mesmo a titular. No campeonato, o meu primeiro jogo foi contra o Belenenses.

Estava muito nervoso?
Por acaso, não. Porque já estava na equipa A há três meses, já tinha jogado contra o Chelsea em casa e outras grandes equipas. Fui jogar a Guimarães e joguei a titular. Como já tinha jogado, não estava muito nervoso, Embora o estádio da Luz intimide sempre, é normal, porque é gigante.

Na época seguinte foi emprestado para o Vitória de Setúbal porquê?
Foi o maior erro ter saído para Setúbal. Estava no Benfica e até estava bem, o Koeman disse-me para ficar e para não sair, mas o Setúbal foi lá várias vezes falar com o presidente e com o José Veiga. A decisão era minha. Depois de me chatearem tanto pensei: "Se eles estão a fazer tanta força é bom porque vou jogar e se calhar volto com outro andamento". Mas foi um erro ter saído, devia ter ficado, porque o Koeman também apostava muito nos jovens que trabalhavam e gostava muito de mim... Foi um erro. O Vitória de Setúbal tinha uma boa equipa, com jogadores experientes, não fazia falta se calhar ir para lá. O Hélio Sousa tinha o núcleo duro dele, o que compreendo e respeito, e não fui muitas vezes opção.

Foi viver para Setúbal?
Eles deram-me uma casa, mas eu não ficava lá. Como já estava a viver no Parque das Nações desde o 1.º ano de sénior, continuei na minha casa. Mas ia muitas vezes a casa dos pais. Alternava entre a minha casa e a casa dos pais.

É nessa fase que andava nas noitadas?
Sim, posso dizer que foi a fase da noite, mas era mais nas folgas. Quando o presidente do Benfica falou comigo, comecei a pensar de outra forma.

O que acontece quando termina essa época em Setúbal?
Voltei para o Benfica, acho que ainda tinha dois anos de contrato. Na altura, estava lá o Veiga e ele, para mim, é uma pessoa que não me diz nada, era muito de negócios, era muito difícil jogar no Benfica. O Veiga é que mandava. Na altura veio o Fernando Santos treinar o Benfica, eles já não contavam comigo e fiquei à espera. O Veiga queria pôr-me em certos clubes e não aceitei.

Que clubes?
Acho que era a Académica e mais dois que já não me lembro. Disse-lhe que não, que eu é que ia escolher o clube para onde ia, porque para mim o que fazia mais sentido era jogar. Eu não queria estar num clube só por estar. O Paços de Ferreira ligou-me, eu agradeci e disse que não. E fiquei à espera, à espera. Não era por um presidente ou um dirigente me ligar que eu iria para um clube. Eu estava à espera que um treinador me ligasse para eu sentir que ia ser opção. O Veiga ligava-me a dizer: "Estás a brincar com esta merda". Entretanto, o mister Rui Dias, do Olivais e Moscavide, ligou-me. Estava na II Liga, mas foi muito importante. Fez-me ver que ia ser opção e arranquei para lá.

Não está arrependido das opções que tomou nessa altura?
Não estou, porque não só joguei, como também cresci como homem. E essa II Liga que apanhei era top: tinha o Rio Ave, o Vitória de Guimarães, o Leixões, o Estoril, era muito forte. Foi muito bom, cresci muito. Não me arrependo.

Mas também só fica uma época no Olivais e Moscavide, depois dá o salto para o Chipre. Porquê?
Só assinei um ano de empréstimo, voltei ao Benfica e rescindi contrato. Falei com o meu empresário, o Carlos Gonçalves, e disse-lhe que estava farto de estar em Portugal, porque sentia que não apostavam nos jovens portuguesas. Pedi-lhe para me arranjar um clube fora, não interessava onde. Uma semana depois, ligou-me a dizer que tinha uma equipa do Chipre, o AEL Limassol. Eu nem conhecia, mas disse “está bem, pode ser”. Mandaram o contrato e assinei.

Assim, sem mais nem menos, sem conhecer nada?
Sim. Ainda fui à Internet e acho que não encontrei nada. Mas arranquei.

Foi sozinho?
O Tiquinho também assinou e o Joca, que jogava no FCP, também assinou. Fomos os três. Eu só conhecia o Tiquinho.

Como foi o primeiro impacto quando lá chegou?
Aterrei, apanhamos um táxi para o hotel e eu só via montanhas. Só pensava: "O que é isto, onde é que vim parar? Isto é um terceiro mundo". Depois, quando começámos a chegar a Limassol e vimos as luzes, fiquei mais descansado. É outro mundo, é uma ilha fantástica.
Como é que foi com a língua? Sabia falar inglês?
Nada, não sabia nada. O Joca falava inglês e ajudava. Mas como gostava de aprender, comecei a ouvir as pessoas a falar, a ouvir os colegas todos os dias, fui captando, acabei por começar a falar o grego, porque não tenho vergonha. Falava e eles riam-se mas iam corrigindo, ensinavam-me palavras e eu ensinava em português.

Gostou da vida no Chipre?
Sim, é uma vida de luxo. Uma ilha onde parece que estamos de férias, onde há muitos bares, praia, lojas, restaurantes, é um mundo à parte. Os primeiros três, quatro meses era uma vida louca, só noites... Mas houve um dia em que disse para mim: “Já chega, isto não é vida para mim.” Fiquei em casa a pensar na vida e aí mudei, porque já estavam a falar muito da minha vida. Os treinadores já diziam: “Esse jogador só gosta é de noite". Acho que foi aí que me deu o clique. Que se deu a viragem. Foi ainda antes de Novembro. Comecei a levar uma vida mais profissional, treinar, descansar, jantava ia para casa e já não saia mais.

Nessa altura ainda vivia sozinho?
Sim.

Esteve quatro anos no AEL Limassol. O que mais o marcou?
Eu estava no Benfica, que é um clube gigante, e fui às escuras. Mas aquilo é um clube gigante também. No primeiro treino que fiz, quando saí do balneário e subi para o campo de treinos, vi que as marcas do campo estavam cheias de adeptos. Eram milhares de pessoas dentro do mini-estádio. Aí, sim, tremeram as pernas. Fiquei parvo com tanta gente. Era fogo por todo o lado, porque eles queriam ver os novos jogadores e, na altura, éramos quase 20 jogadores novos. Nunca pensei que fosse assim e foi muito bom porque sempre gostei de jogar com adeptos, dá-me mais ânimo.

O empresário não vos deu umas luzes sobre o que iam encontrar?
O Carlos Gonçalves não explicou bem. Houve algumas confusões em termos de contratos...

Como assim?
O contrato estava assinado, mas, quando lá chegasse, tinha de assinar outra vez o contrato. Mas eles queiram que eu treinasse primeiro e depois é que iam assinar - e eu disse que não. Falei com o Carlos Gonçalves, mas ele também omitia muitas coisas... e dois dias depois rescindi com ele, porque acho que não foi sério. Tratei sozinho do meu caso. Falei com o presidente e disse-lhe que se não me trouxesse o contrato me ia embora e não treinava. Eles foram todos treinar e eu fiquei no hotel. À noite apareceu lá o presidente com o contrato para assinar. E os meus colegas continuaram a treinar sem contrato. É um risco muito grande porque, sem contrato, passadas duas semanas podem mandar-nos embora, sem mais nem menos.

Foi no Chipre que conheceu a sua mulher.
Sim, no segundo ano. Ela era jornalista cipriota e apresentava programas na televisão. Um dia, num treino, foi lá fazer uma reportagem e eu pus-lhe o olho em cima [risos]. Depois fomos de pré-época para a Grécia e ela estava lá também a fazer reportagem. Fui chamado a um programa para falar sobre o AEL, ela é que apresentou o programa. Consegui o número dela e comecei a falar com ela. 

Passado quanto tempo foram viver juntos?
Namorámos seis ou sete meses e depois ela juntou-se a mim.

Não chegou a conquistar nada pelo AEL Limassol.
Não. E no ano em que saí, eles foram campeões [risos].

E porque é que sai?
Aquilo foi uma confusão. Eu já não me dava bem com o director-desportivo porque ele era má pessoa. Difamava muito os jogadores. Na altura começou a lançar rumores. Muitas vezes ligava à comunicação social a dizer que o jogador ia sair e, pronto, começavam os rumores. Só que nesse ano, antes de sair, renovei por três anos. Entretanto, veio um treinador novo que me disse: "Comigo, vais ser vendido". Começa a pré-época e começam os rumores na imprensa a dizer que eu vou sair. Achei estranho. Todas as pré-épocas há jornalistas que vão com as equipas e eu tinha um jornalista que era meu amigo e que me avisou: "Hélio, cuidado, que eles estão a tentar pôr-te fora daqui". Era eu e outro jogador, o Freddy. O novo treinador queria tirar-nos da equipa. Na pré-época punha-me a jogar só cinco, dez minutos.

Eles não gostavam de si porquê? Por fazer noitadas, por ser refilão?
Às vezes quando não gosto das coisas se calhar falo muito. E chocava muito com as pessoas, sobretudo os directores. Quando faltava o pagamento, dois, três meses, os capitães têm de falar, então havia um choque com a direcção. Depois, no final do ano, era assim: "Temos de pagar três meses, vamos dar-te dois e deixas X". E essas confusões não são fáceis. Aquela direcção era um bocadinho mentirosa. Uma mentira aqui, outra ali, cria muito desconforto. E eu por vezes explodia. Como tinha algum moral com os adeptos e estava a jogar bem... Mas os directores provavelmente começaram a espalhar a ideia de que eu era mau carácter e os adeptos depois também começaram a assobiar. Fiz a pré-época, eles não tiveram coragem de me dizer na cara que queriam que eu saísse, até porque eu tinha renovado por três anos.

Então como vai parar ao Nea Salamis?
Faltavam dois dias para acabar as transferências, o treinador chamou-me depois de um treino, disse-me que tinha de tirar um jogador, aquelas tretas. A dois dias de acabar as inscrições. Fiquei com raiva. O presidente ligou-me e disse-me: "Hélio, os treinadores vêm e vão, tem calma. Se quiseres ficar, ficas. Podes não ser opção, mas ficas, pago-te o salário". Andei ali um dia ou dois a pensar e, entretanto, um amigo que estava na equipa do Salamina (Nea Salamis) foi a minha casa tentar convencer-me a ir jogar com eles. Mas eu estava numa equipa top e ir para uma equipa média não fazia parte dos meus planos. No dia a seguir eles jogam contra o AEL, eu fiquei de fora e eles perderam 3-1. Vi o jogo e pensei: "A equipa é mesmo fraca". Mas ele foi outra vez a minha casa e acabei por falar com o presidente que me disse: "Vais para lá e eu pago-te o salário na mesma. Empresto-te um ano". Aceitei. E foi a melhor coisa que fiz.

Porquê?
Ganhei motivação. Adorei as pessoas do clube. Pessoas verdadeiras. Passamos ali umas fases más, em termos financeiros, mas são pessoas do bem.

Entretanto, casa. Quando nasceu o primeiro filho?
A Andriana nasceu em 2009. Assisti ao parto mas no dia a seguir tive de ir logo para a pré-época, para a Polónia. Foi um choque grande.

Esteve tantos anos no Chipre, deve ter muitas histórias para contar. Não se lembra de nenhuma? 
Assim de repente, não é fácil.... Uma vez, ia jogar-se um dérbi AEL-Apollon e quando é assim a cidade pára, é uma coisa louca. No dia do jogo, saí de casa com um amigo que levei para o Chipre para viver comigo nos primeiros seis meses, mas como ainda tínhamos tempo de beber um café rápido... Estava a fazer uma inversão de marcha e não reparei bem, veio um carro e deu-me uma porrada mesmo na minha porta, fiquei virado ao contrário, no meio da estrada, que estava um pouco movimentada. Saí rapidamente do carro com o meu amigo e ficámos sem saber o que fazer. O coração a mil. O homem que me bateu veio ter comigo, começa a falar em turco, eu a olhar... O que é fiz? Peguei na chave do carro, pus na mão do homem e comecei a fugir em direcção ao campo. Eram 15 minutos sem parar. Cheguei ao estádio, estava lá o director e só lhe disse: “Bati com o carro, dei a chaves ao homem, vai lá ver”. Ele ficou doido [risos]. Ele foi lá resolver o assunto, o carro foi para a sucata e fiquei um mês sem carro porque eles só diziam: “Este gajo é louco. Ainda por cima antes de um dérbi, podia ter problemas com a polícia” [risos]. A minha sorte é que os clubes grandes, como o AEL e o Apollon, controlam tudo muito bem e não saiu nada nas notícias [risos].

Porque saiu do Chipre e foi para Angola?
Estive três anos no Salamis e gostava de estar lá. Eu já tinha muitas propostas para sair. O Petrolul da Roménia, também tinha da Polónia. Nunca quis sair. Ir para Angola não era coisa que quisesse muito, mas financeiramente falou mais alto. Estava em final de contrato no Salamina, queriam renovar e eu nunca pensei que em Angola pagassem tanto. Estavam a falar-me de valores e eu só pensava: "Estes gajos são loucos". Ia para um jogo no Salamina, estava dentro do balneário quando o vice-presidente do Progresso Sambizanga ligou. Eles já me tinham feito duas propostas que eu tinha recusado. E pergunta-me: "Quanto é que queres para vir para aqui?". Então disse-lhe um valor e ele à noite mandou-me uma mensagem a dizer: "O presidente aceitou". Eu disse aquilo, mas ao mesmo tempo não queria ir. Ele insistiu: "Vamos pagar-te um bilhete de uma semana, vens aqui para tratar dos últimos detalhes e para conheceres". Falei com o Salamina e o presidente deu-me autorização.

Foi sozinho?
Fui. E foi um choque tremendo. Saí do aeroporto para o hotel, à noite, muitas luzes, não dava para ver muita coisa. Logo nesse primeiro dia comecei a ter febre. Já tinha ouvido falar do paludismo, fiquei aflito. De manhã, abri os cortinados, era só poeira e pessoas na rua a vender. Águas paradas em todo o lado. Uma coisa surreal. Liguei à minha mulher e disse-lhe que ia embora, que não ia ficar ali. Liguei ao empresaário que me levou para lá, o Djamil Andrade, e disse-lhe para me tirar dali. Ele pediu calma, falou com o vice-presidente que foi logo ao hotel: "Tem calma, vamos ajudar-te, vamos por-te numa casa, vamos fazer tudo para te sentires confortável". Entretanto saí, fui tratar dos últimos detalhes do passaporte e do BI e estive quatro horas no trânsito, com quase 40 graus, transpirava por todo o lado [risos]. O trânsito em Luanda é surreal. Ele depois levou-me às instalações do clube e aquilo era num bairro incrível, do pior [risos].

Como assim?
O centro de estágio fica no meio de um dos piores bairros de lata de Luanda, o Sambizanga. Para ir treinar era só águas paradas, cheiro a lixo, cheiro a tudo, havia pessoas que tomavam banho naquelas águas. Depois, ele parou num sítio para almoçar lá perto, tudo cheio de moscas, nem comi quase. Cheguei ao hotel, liguei ao empresário e voltei a dizer que não queria ficar. O vice-presidente foi ao hotel à noite outra vez dizer que iam por-me numa casa boa, que ia ter motorista para me ir buscar e levar ao treino. Fui à casa do presidente, assinei contrato, eles fizeram a transferência para o Chipre. Regressei ao Chipre e levei a minha mulher e filhos para Angola.
Mas se o choque foi tão grande, se ficou tão impressionado com aquela pobreza, não teve problemas em levar a família?
Tive um choque muito grande, mas quando cheguei lá para viver, aí foi um espectáculo. Eu ia para os jogos, o clube ia buscar a minha mulher e filhos para o estádio, ao intervalo do jogo, iam ter com eles para lhes dar de comer. Tratavam-nos muito bem.

Já tinha nascido o segundo filho?
Sim, o David nasceu em 2014. Ele tinha sete meses quando foi para Angola. Foi um risco que corremos, porque havia vacinas que ele ainda não tinha levado.

Não foi um choque para a sua mulher?
Foi, porque ela sempre viveu em boas condições. Chegou lá e viu pessoas na rua a vender, mães com dois filhos às costas a vender, com águas paradas, muita pobreza. Mas a vida para nós era tranquila. Nos três anos em que lá estive, se vi um ou dois assaltos foi muito. As notícias só falam das coisas más de lá. Mas nunca me senti inseguro, até porque todos os apartamentos e casas têm seguranças.

Só esteve um ano no Progresso Sambizanga.
Eu assinei por um ano e meio mas só fiz meio ano.

Porquê?
O Benfica de Luanda, que era uma equipa candidata ao título, fez-me uma proposta, tive de negociar com o clube, porque eles não queriam que eu saísse. Mas, como era um clube melhor, jogava a Liga dos Campeões africanos... Eles têm bom coração, não cortam as pernas. Pagaram a transferência e eu mudei-me para o Benfica de Luanda. Joguei a Liga dos Campeões.

Fica duas épocas no Benfica de Luanda e a seguir foi para o Recreativo de Libolo. Como e porquê? 
Estive dois anos no Benfica de Luanda. O Recreativo do Libolo é a equipa campeã em Angola e o director desportivo, Bruno Vicente, é como se fosse um "irmão", esteve comigo no AEL, com o Mariano Barreto, e na altura era o gajo das análises estatísticas. O Bruno vai para o Libolo com o Mariano Barreto que entretanto sai e ele fica como director-desportivo. E formou equipas campeãs. Era muito bom director-desportivo, muito bom mesmo. Ele estava sempre a dizer-me: "Tens de vir para aqui". Fazia-me propostas mas eu nunca aceitava. No último ano de Angola disse-lhe: "Vou jogar para a tua equipa este ano".

Porque entretanto também acabava contrato com o Benfica de Luanda.
Sim, acabava contrato com o Benfica de Luanda que estava a passar uma fase má em termos financeiros. Pagaram-me tudo, não tenho razão de queixa, mas sei que ia passar uma fase má. Nesse ano em que saio, acabou o clube. Deviam muito dinheiro ao presidente, muitas confusões. O presidente largou aquilo e acabou. Nessa altura fui para o Libolo. Quando estava lá o Bruno parecia um clube da primeira Liga, tinha tudo.

Mas só lá ficou uma época e volta ao Chipre. Porquê?
Já estava na altura. O Libolo era em Calulo, uma cidade pequena, não dava para levar a família, tive de ir sozinho. Para ir a Luanda eram seis horas de autocarro. Chegou uma fase em que já não dava. A minha mulher e os meus filhos já estavam no Chipre. Duas semanas antes de viajarmos para Angola, a minha filha começou a chorar e a dizer que não queria: "Angola, não". Estava traumatizada não sei com o quê. Não queria, não queria e eu já tinha pago até cinco mil dólares para ela entrar numa escola privada, mas decidimos que então eles ficavam e eu ia. Também não queria levar uma criança traumatizada para Angola.

Chegou a perceber porque é que ela dizia que não queria voltar a Angola?
Não sei, até hoje não percebo.

Deixar a família para trás foi complicado?
Claro. O crescimento dos miúdos é o mais importante. Eu sentia isso quando ia uma semana a casa. Chegar e ver o meu filho que tinha dois anos a ficar a olhar para mim com ar espantado…“É o papá?” Ele parecia que nem acreditava. Vinha a correr, agarrava-o no meu colo e ele a tocar-me na cara a ver que era mesmo eu. De manhã, quando acordava, ia ver se eu ainda lá estava. “O papá está aí? O papá está aí?”. Foram coisas que me tocaram. Por exemplo, eu ia à casa de banho e ele começava a chorar porque pensava que já me tinha ido embora. Isso marcou-me muito.

Aguentou a época toda no Libolo?
Não. Não faltavam muitos jogos para terminar quando falei com o Bruno. Já tinha uma proposta do Chipre e queria voltar. O Bruno também ia embora do Libolo, praticamente todos os jogadores já estavam a começar a sair, tínhamos Liga dos Campeões na altura e ele só dizia: "Eh pá façam a Liga dos Campeões para acabar em grande e depois eu deixo-vos sair". Acabámos a Liga dos Campeões e deixou-nos ir.

E voltou para o Nea Salamis.
Sim.

Mas quase não jogou. Porquê?
Em Angola as viagens eram demais. Seis horas de viagem para chegar a um sítio, treinar, jogar, voltar para outra viagem de seis horas... Como tinha Liga dos Campeões, chegávamos a Calulo e tínhamos de apanhar outra vez o autocarro para baixo e depois viajar de avião...Rebentou comigo em termos físicos. Doía-me o corpo todo, tinha dores nas pernas que nunca tinha tido. Voltei para o Salamis numa fase em que estava cansado, apanhei a pré-época mas o desgaste era muito grande e, quando chegou a janeiro, falei com o presidente e disse-lhe que tinha de tirar quatro meses de férias para recuperar. E pronto fiquei quatro meses em casa. Entretanto, um colega meu ligou-me: "Vem para aqui para Portugal". E lá voltei.

Era o que queria ou nem por isso?
Por caso, quando vim de férias nem vinha muito a pensar nisso, mas quando cheguei cá e comecei a treinar... A minha mulher, entretanto, arranjou um trabalho em Portugal, na Majorel Solution Trainer e pronto, ficámos.

Foram viver para onde quando vieram para Portugal?
Para a Quinta do Conde.

Que tal foi jogar no Campeonato de Portugal, no Olímpico do Montijo?
Foi top. Quando saí de Portugal havia a III divisão e não tinha bem a noção, não estava à espera de um campeonato assim, é muito competitivo. Adorei.

A família adaptou-se bem a Portugal?
Sim. A minha filha então ficou maluca com a escola.

Entre vocês falam em que língua?
É um misto, é o que sai. Às vezes estou a falar ao telefone com a minha mulher e os meus colegas dizem: "Este gajo é maluco, fala 10 línguas ao mesmo tempo". Pode ser grego, inglês, português, é tudo ao mesmo tempo. Os meus filhos falam as três línguas também. Eu por exemplo falo com a minha filha em português, a minha mulher fala em grego. Ela agora também já fala tudo em português, o meu filho até aos três anos só falava grego. Quando voltei, comecei a falar português com ele, devagarinho, ele entrou para a escola e agora já fala bem português.

Entretanto, além de jogar, também já começou a dar treino.
Explique lá isso. Estou a tirar o curso de treinador também. O Mário Bicho deixou de jogar no Pinhalnovense e começou a carreira de treinador, ia assumir os juniores no Montijo, e propôs-me ser adjunto dele. Foi uma experiência única. Não é fácil ser treinador, é muito difícil.

É mais difícil do que ser jogador?
É muito difícil, não estava à espera.

O que é mais difícil para si?
A comunicação. Porque estar num balneário como jogador... eu estou sempre na brincadeira. Agora ser treinador, entrar dentro do balneário, ter ali vinte e tal jogadores à frente... não é fácil. Às vezes, queres dizer uma coisa e a palavra não vem... Muita gente pensa que ser treinador é fácil, mas não é. É mais fácil ser jogador do que ser treinador.

Quer mesmo ser treinador no pós-carreira de futebolista?
Sim. Concretizei o meu primeiro sonho que era ser jogador, agora quero ser treinador. Desde os meus 21 anos que gosto de analisar, sempre tive esse bichinho. Sou do tempo do Championship Manager, que era que um jogo de treinadores, já jogava esse com 15 anos e às vezes estava a ver jogos e dizia aos meus colegas: "O treinador vai fazer isto, isto e isto". E eles "ah..." e pimba ele fazia. E eles: "Fogo, como é que tu sabes?". Acho que vou conseguir.

Vai continuar a ser treinador na próxima época?
Eu ainda sou jogador. Sinto-me bem e quero continuar a jogar. Tenho tudo acertado para ir para o Oriental. Vamos lá a ver.

Onde é que ganhou mais dinheiro?
No Benfica ganhei bem, mas foi em Angola onde ganhei mais.

Investiu onde? Meteu-se em algum negócio?
Não investi assim em grandes coisas, ainda estou a pensar, mas vou investir, sim. Se calhar numa loja de roupa.

Tem ou teve alguma alcunha?
Quando era miúdo, era o Éladas. Quando jogava no Arrentela chamavam-me muitas vezes isso, mas não sei porquê, se calhar vem de Hélio.

É supersticioso?
Não. A única coisa que faço é o sinal da cruz, o normal da entrada em campo, e beijar o sítio do anel. 

Tem tatuagens?
Tenho cinco. A primeira que fiz foi o nome da minha mãe e da minha avó. Tenho o nome da minha mulher e dos meus filhos. E também tenho a data do meu casamento no meu pescoço.

Pensa fazer mais?
Pensava, agora nem tanto. Quero seguir como treinador e por isso tenho que pensar bem.

Alguma vez teve alguma lesão mais grave, mais complicada?
A única lesão que tive foi no adutor, a mais grave.

Esteve parado quanto tempo?
Três meses. Foi quando estive no AEL. Mas de resto não tive mais nada de especial.

Qual foi a maior extravagância que fez na vida?
Extravagância... Foi uma ida a Roma com a minha mulher. Estávamos em Chipre e ela viu uma viagem que ficava muito em conta para Roma. Eu até não sou de viajar muito, mas arrancámos e fomos para Roma. E disse-lhe: "Olha vamos chegar lá e vamos com calma, ver as coisas primeiro e depois compramos", mas aquilo descambou. No primeiro dia gastámos muito dinheiro.

Tem ideia de quanto?
Acho que só no primeiro dia gastamos uns três ou cinco mil euros. Em roupa. Foi uma loucura [risos]. Foi uma coisa que não sei explicar. Já viajei por muito lado, mas não para ir de férias, e em Roma é tudo grandes lojas Dolce & Gabbana, Armani, Versace... Perdemos a cabeça. Mas foi uma grande viagem, fui ao Vaticano, vi o Papa. Foi top.

Qual foi o melhor carro que teve?
Mercedes Sport Coupé. Mas já o vendi.

Tem algum hóbi?
Só se for jogar Playstation, o FIFA e o Fortnite.

Qual foi a maior alegria e a maior frustração no futebol?
A maior alegria foi quando ganhei a Supertaça com o Benfica. Frustração... acho que não tenho nenhuma. 

Nem o facto de nunca ter ido à selecção?
Não, por acaso não. Não é frustração. Fui aos sub-20, fui a Toulon.

Qual foi o melhor jogador contra quem jogou?
Ibrahimovic. Joguei contra aquela equipa da Juventus que era o Ibrahimovic, o Del Piero...

O maior rival?
O maior rival é o Sporting. Nunca ganhei ao Sporting [risos]. De jogadores, o Makélélé era um adversário muito forte.

Qual o clube de sonho onde gostava de ter jogado?
No Barcelona.

Não tem nenhuma história divertida para finalizar a entrevista?
A minha memória é péssima, mas lembro-me que uma vez o Mariano Barreto, que chegou a treinar o AEL Limassol, multou-me, se não me engano, porque era para lá estar a 29 de dezembro e eu só cheguei a 2 de Janeiro [risos]. Só que em vez de tirar o dinheiro da multa do ordenado, tive de pagar um jantar a todo o plantel. Quando vi que estavam todos só a pedir pratos caros, vinho e sobremesas, nem jantei [risos]. Foi quase 1000€ a conta."

Quinta da Bola...

Gonçalves & Horn II

O martelo de Nietsche IV

"1. Perante as jogadas de bastidores, as retiradas oportunistas, os golpes de mão, as hipocrisias descaradas, os apegos ao poder, a falta de vergonha, as perseguições políticas, as alianças de conveniência, o retirar dos papetes e os discursos em que o significado das palavras muda segundo as conveniências de cada momento, pergunto aos dirigentes políticos e associativos do mundo do desporto se ainda sabem qual é o significado da palavra paixão? Os gregos antigos quando alguém morria não queriam saber se o defunto era rico ou pobre, alto ou baixo, bonito ou feio. O que eles queriam saber era se tinha vivido a vida com paixão. Perante o degradante espectáculo que alguns dirigentes políticos e associativos do vértice estratégico do desporto nacional têm proporcionado ao país recomendo-lhes a leitura de uma entrevista de Elisabete Jacinto ao DN (2019-02-14). Talvez possam ficar com uma ideia do que é o “impulso lúdico” que comanda a vida e se projecta numa verdadeira paixão pelo desporto.
2. Friedrick Schiller (1759-1805) foi o primeiro filósofo na era moderna a tratar a questão do jogo no ser humano. Na obra “The Aesthetical Essays” (Cf. Proj. Guteenberg) define jogo como o dispêndio exuberante de energia, cuja acção sem finalidade própria, se esgota em si mesma. Ainda na ideia do filósofo, o homem joga somente quando é homem no pleno sentido da palavra e, somente, é homem pleno quando joga. Trata-se do “play drive”, quer dizer, do “impulso lúdico” tão mal compreendido e tratado pelos políticos e não políticos que desgraçadamente têm gerido o desporto nacional. E o Codvid-19 ainda veio acentuar mais esta desgraça.
3. Herbert Spencer (1820-1903) no livro “Education: Intellectual, Moral and Physical” editado em 1866, defendeu o interesse das crianças pelos jogos e considerava a alegria das suas brincadeiras tão importantes quanto os esforços que as acompanhavam. E concluía que uma ginástica que não fornecesse os estímulos mentais próprios das brincadeiras dos jogos devia ser considerada defeituosa. Trata-se de uma obra que, apesar de terem passado mais de 150 anos, recomendo ao Ministro da Educação, ao Secretário de Estado da Juventude e Desporto e ao Presidente do Comité Olímpico de Portugal. Porque, para compreender verdadeiramente uma questão não existe melhor solução do que compreender o momento original em que ela se coloca.
4. Em 1901, o alemão Kral Groos publicou nos EUA (Nova Iorque) em língua inglesa o livro “The Play of Man” de onde colhi a seguinte máxima ? pro patria est, dum ludere videmur. Esta máxima significa ? “parece que estamos a jogar, mas estamos a preparar-nos para servir a nossa terra natal”. Era o mote das actividades físicas por toda a Europa antes da 1ª Guerra Mundial. Hoje, quando olho para o comportamento de algum dirigismo desportivo da cúpula do desporto nacional lembro-me da máxima que aprendi com Karl Groos, mas ao contrário: ? Parece que estamos a servir o País, mas estamos, simplesmente, a divertirmo-nos, deviam dizer alguns dirigentes desportivos. Trata-se da metáfora do “dress code” que significa as preocupações de um alto dirigente desportivo que, ao partir para um evento desportivo internacional, estava mais preocupado com o “dress code” obrigatório das festarolas onde ia participar do que nas condições em que os atletas iam competir.
5. Já não me lembro quando comecei a comprar diariamente jornais desportivos. Ao cabo de uma vida já devo ter gasto uma fortuna em jornais desportivos. Nunca me arrependi de os comprar apesar de, algumas vezes, ao cabo de uma leitura vazia de conteúdo, ter chegado à conclusão de que deitei o dinheiro fora. Apesar disso, centenas de vezes, comprei no mesmo dia os três desportivos. Na leitura dos desportivos, sigo uma regra sagrada que nos foi deixada pelo saudoso Prof. Moniz Pereira de quem fui aluno: ? Os jornais desportivos são para ser lidos de trás para a frente.
6. Neste tempo de pandemia, eu que sou filho e neto de jornalistas e ainda não tinha atingido a adolescência já sabia o que era a redacção dos jornais e conhecia bem o cheiro da mistura do chumbo com o óleo que lubrificava as “linotypes”, é com um enorme sentimento de tristeza que vejo a situação em que os jornais desportivos se encontram. Hoje (2020-05-28) foi um dia em que comprei os três desportivos. Pouco passava das oito da manhã. Quando há uns anos via as bancas com dezenas de exemplares hoje comprei o único exemplar d’A Bola, um dos três do Record e d’ O Jogo, se não estou em erro, ficou lá um exemplar. Pelo que me é dado perceber os jornalistas têm cometido um erro. Querem, numa perspectiva corporativa, encontrar as soluções dentro da classe dos jornalistas. Ora, as eventuais soluções, se estiverem em algum lado, estão na sociedade. Os jornalistas têm de deixar de pensar em circuito fechado.
7. As instituições quer elas sejam religiosas, políticas, económicas ou jornalísticas, vivem na necessidade constante de se terem de adaptar à média da cultura das pessoas que estão debaixo da sua influência. A dificuldade é que, como essas pessoas estão sempre a mudar, a adaptação está a ser cada vez mais imperfeita. A continuar-se assim, por mais balões de oxigénio que possam ser disponibilizados, a morte é o destino mais certo, a menos que as instituições se consigam remodelar a uma velocidade superior à rapidez da mudança. Infelizmente, não é fácil embora não faltem por aí musas e pitonisas, videntes, astrólogos e bruxos a pretenderem adivinhar o futuro. Nos tempos de: (1º) Incerteza e dúvida permanentes; (2º) Grande volatilidade em que tudo muda constantemente, (3º) Enorme ambiguidade uma vez que, num grande número de situações, os problemas sugerem caminhos opostos para a sua solução. Nestas circunstâncias, adivinhar o futuro é, tão só, mais uma das impossibilidades da vida. Por isso, é necessário construí-lo. Claro que fica por saber se os atuais líderes, que nas mais diversas áreas sociais estão numa situação de comando, têm alguma ideia acerca do futuro que devem construir. E como…
8. Lamento dizê-lo, mas no momento de crise que se vive, o desporto nacional encontra-se completamente à deriva. Não há dia nenhum que não surjam nos jornais os dirigentes federativos que enquanto gestores intermédios arcam com todas as responsabilidades sobre um desporto que já vinha a funcionar mal, hoje está parado e ninguém sabe para onde é que o deve conduzir. O último presidente federativo a manifestar as suas angústias foi o da Federação de Natação. Diz António José Silva (Record, 2020-05-28) que “a FPN está a ajudar indiretamente junto das entidades no sentido de alargar as medidas de apoio económico do Governo às organizações desportivas e já foram feitas várias iniciativas e propostas, quer ao IPDJ e à Secretaria de Estado, secundadas por outras organizações, como a Confederação do Desporto e Comité Olímpico de Portugal”. Compreendo o discurso de desespero do presidente da FPN. E não queria estar no seu lugar porque ele, dramaticamente, expressa o estado de desorganização total em que a estrutura administrativa do desporto nacional se encontra. Nos tempos que correm o peso do descalabro recai sobre os gestores intermédios. Eles, quando olham para cima veem a nomenklatura completamente aparvalhada sem saber o que deve fazer e quando olham para baixo veem aqueles que deles dependem completamente desesperados. A minha solidariedade para o presidente António José Silva… e outros em semelhante situação.
9. Quando se esperava que o Comité Olímpico de Portugal (COP), com a autonomia e responsabilidades que lhe advém da Carta Olímpica profusamente esplanada na legislação portuguesa, à semelhança das demais organizações de liderança sectorial da sociedade civil, estivesse a preparar um caderno de encargos amplamente participado por todos os agentes desportivos a fim de o apresentar ao Governo fomos surpreendidos pela notícia (Lusa, 2020-05-26) de que, afinal, o COP se limitou a pedir à tutela "orientações específicas" para a retoma do desporto. Como referiu Mário Santos, o Chefe de Missão aos Jogos Olímpicos de Londres (2012) e actual responsável pelo desporto na Universidade de Coimbra, cito de cor: ? tratou-se de mais uma oportunidade entre aquelas que têm vindo sistematicamente a ser perdidas pelo COP. Por mim, lamento.
10. A adocracia, enquanto processo de gestão informal, expedito, criativo, adaptativo, integrador e temporário que, geralmente, acontece no âmbito das organizações burocrático-mecanicistas a fim de se resolverem problemas inesperados ou situações de crise, é um útil instrumento de gestão. O desastre começa a acontecer quando a adocracia se institucionaliza no âmbito das organizações burocrático-mecanicistas, como, desde 2005, tem vindo a acontecer no Sistema Desportivo nacional. Em resultado, está criada uma situação em que todos têm opiniões, mas ninguém é capaz de resolver as complicações de todo o género que surgem por todo o lado. Hoje, o desporto vive uma cultura de cada um por si e fé nos deuses do Olimpo. Todavia, os deuses do Olimpo já não respondem aos homens como o faziam ao tempo da Grécia antiga. Em consequência, temos um Sistema Desportivo a funcionar na mais completa ausência de uma liderança sustentada num poder hierárquico bem definido, competente, racional e gerador de confiança. Quando no âmbito do livre associativismo, por incapacidade das estruturas do vértice estratégico, as estruturas intermédias e da base do Sistema Desportivo, numa dinâmica mais ou menos anarquizada do salve-se quem puder, são obrigadas a tomar a iniciativa perante as entidades oficiais a fim de resolverem dificuldades que já vinham de trás mas que, agora, se agravaram com a crise do Codvid-19, é porque há qualquer coisa que vai mesmo muito mal no desporto da pátria de Camões. E essa qualquer coisa é: Líderes incompetentes fazem incompetentes aqueles que lideram."

NBA vs Futebol Português - O que as aproxima, o que as separa - Parte I

"A rivalidade entre Celtics de Boston e os Lakers de Minneanapolis permitiu à NBA, desde a sua criação em 1949, criar adeptos/fans e despertou o interesse da Comunicação Social, com forte apoio da radio, então um dos melhores meios para levar aos adeptos/fans a magia do que se passava dentro e fora do campo, elevando ao mesmo tempo os seus atletas a mitos e ídolos.
A ABA, fundada em 1967, tinha como um dos seus principais elementos de identidade a bola de jogo ser tricolor (azul, vermelha e branca), e jogadores espectaculares, extremamente populares e capazes de fazer um basquetebol mais agradável aos olhos dos adeptos/fans.
Basquetebolistas como Julius Erving “Dr. J”, Derrick Gervin, Connie Hawkins e Ricky Berry, eram cada vez mais falados. Dr. J era o símbolo da grande metrópole Nova Iorque, e aparecia para jogar nos seus campos ao ar livre regularmente e jogando em inúmeras vezes. As suas fotografias realçavam o seu “nickname”: surgia de bata branca, estetoscópio, uma bola tricolor, e usava cabelo ao estilo afro. Isto era marketing pessoal.
Por seu lado, a NBA nos anos 60, debateu-se com diversos problemas, com os seus profissionais a conviverem com drogas, álcool, prostituição e apostas. A sua imagem não era a melhor…
Larry O’Brian, comissário da NBA, consciente daqueles problemas e da mais valia das equipas da ABA, lutou durante vários anos para unir as duas ligas, alcançando o seu objectivo a meio da década de 70. Os Denver Nuggets, San Antonio Spurs, Indiana Pacers e New York Nets foram, então, integrados na NBA, bem como atletas de outras equipas.
A linha de 3pt foi, entretanto, introduzida, os direitos de televisão vendidos e a NBA aventurou-se, também, no cabo. Criou o tecto salarial e o regulamento antidrogas.
As entradas de Larry Bird e Earvin “Magic” Johnson, logo após terem jogado a final do campeonato universitário, acentuou a velha rivalidade entre Este e Oeste, os “orgulhosos” Celtics contra o “showtime” dos Lakers. O basquetebol renasceu das cinzas em que se encontrava e surgiram de volta os grandes momentos do basquetebol, tornando-o global com as transmissões televisivas.
Com Michael Jordan e o Dream Team, os jogadores passaram a ser vistos como artistas, ao estilo de Hollywood, contribuindo para que o basquetebol se afirmasse à escala planetária. Até a Looney Tunes quis ter MJ no filme Space Jam.
A nova geração de jogadores representada por Kobe Bryant usufrui do advento da internet e das redes sociais, pelo que poucos são aqueles que passam incógnitos em todo o mundo. Não são só os melhores a merecer a atenção dos adeptos/fans.
Assim, Larry O’Brian deu credibilidade à NBA. David Stern internacionalizou e alavancou a NBA à escala universal. Já Adam Silver colocou os clubes (organizações/franchises) num patamar diferente ao serem consideradas empresas de media, valorizando-as financeiramente na grandeza de muitos milhões, produzindo um serviço/produto que é o basquetebol, cujo propósito é o entretenimento dos adeptos/fans e alimentando o chamado “fan engagement” através da promoção dos seus ídolos (jogadores), com conteúdos nas diversas plataformas digitais de acordo com as características de cada uma, como forma de aumentar os rankings televisivos.
Contudo, esta fórmula não é assim tão inovadora, os Harlem Globetrotters promovem o entretenimento das pessoas através do jogo de basquetebol e o circo reinventado pelo aparecimento do Circo do Soleil, com somente um objectivo: agradar ao consumidor (adepto/fan) do espectáculo colocando-o no centro da sua actividade.
Isto é visão de onde queremos chegar.
É ter um propósito.
Desenvolver um produto.
Aplicar um plano estratégico de gestão desportiva, de marketing e de comunicação.
A NBA e as suas organizações/franchises (clubes), tornaram-se relevantes na indústria desportiva e do entretenimento, sendo possível identificar o seu propósito e responsabilidade para com os seus stakeholders, dando um enorme relevo à comunidade onde as organizações estão inseridas através de acções de responsabilidade social.
Os jogadores por seu lado passaram a ser admirados, seguidos e visíveis para os adeptos/fans, gostando serem pessoas multidimensionais, estando presentes nas diversas redes sociais e pessoas presentes nas suas comunidades e que interesses para além do basquetebol. Muitos deles tornaram-se ícones da moda, entrepeneurs e investidores, capitalizando a sua imagem em patrocínios e notoriedade.
Desta forma se a visão e o propósito de uma organização, ou de uma competição é fundamental para sabermos onde queremos chegar e qual a razão de existir, compete ao líder ou grupo de liderança ser o elemento fracturante por um lado e congregador por outro. Capaz de implementar uma visão única, transformando a competição de um conjunto de clubes para algo maior, onde todos partilhem da mesma visão e um modelo de negócio, que sirva o interesse dos adeptos/fans, como forma de se tornarem relevantes, e terem sustentabilidade.
Se o “core business” da NBA é espectáculo e o entretenimento, como é que se pode vender o futebol português no mercado da indústria desportiva e do entretenimento global?"

Benfiquismo (MDXL)

Passada...

Benfica e Bayern

"O Benfica deve trabalhar para ter uma hegemonia em Portugal idêntica àquela que o Bayern fez por merecer na Alemanha

Na próxima semana já temos telefutebol. Vem com alterações, sem adeptos e alguns receios. Vejamos, na Alemanha o regresso parece corado de êxito. Há futebol, há golos e já percebemos que o vencedor será o habitual, o Bayern vai ganhar uma vez mais.
O Benfica deve trabalhar para ter uma hegemonia em Portugal idêntica àquela que o Bayern fez por merecer na Alemanha. É um caminho, uma ambição que deve ser trilhada no respeito pelos adversários e pela competição. O valor das vitórias do Bayern tem muito mais significado quando vemos a qualidade do Dortmund ou do RB Leipzig.
O Benfica tem de nivelar por cima e não esperar ganhar pelo desnorte financeiro dos rivais. A nossa exigência connosco mesmo não pode abrandar. O Benfica sempre soube recriar esta ambição e sempre soube superar as dificuldades e transformá-las em oportunidades.
Para a semana, regressa o futebol, mas desta vez não houve pré-época, não vimos os jogadores que estão em forma, não vimos as promessas e certezas em torneios de exibição e, no entanto, foram três meses sem competição. Não sabemos quem está bem e quem está mal, quem vem melhor e quem estará pior, quem surpreende pela positiva e pela negativa. Há 18 incógnitas a entrar em competição. Em rigor ninguém sabe o valor de nenhuma equipa. Para mim o Tondela parece-me o Real Madrid de Lafões e só sabemos que equipa de amarelo. Todo o respeito a expectativa para o jogo de quinta-feira, 4 de Junho. Benfica-Tondela para descarregar toda a ambição de uma época.
Para já o medo das lesões levou os responsáveis pelo nosso futebol a aumentar para cinco as substituições autorizadas, ou seja, meia equipa pode ser alterada.
Foi publicado ontem uma lista dos emblemas mais valiosos do mundo, o Benfica subiu no ranking. Esse facto aumenta o orgulho, as sobretudo redobra as nossas obrigações competitivas. As condições económicas e financeiras são meios para atingir os fins desportivos e não um escopo em si mesmo. O objectivo é ganhar títulos, o nosso maior capital está nas vitrinas do museu e no maior desafio são as novas taças que lhes queremos somar."

Sílvio Cervan, in A Bola

Regresso!

"Se tudo correr bem (ou se nada correr mal), a bola voltará a rolar nos relvados portugueses da primeira liga (nem todos são sempre de 'primeira liga') já na próxima quarta-feira (quinta-feira, dia de Benfica, é o que verdadeiramente interesse). O uso excessivo de parêntesis acima (não me levem a mal) é propositado. As dez jornadas do campeonato, mais a final da Taça, oxalá sejam realizadas, senão, espero poder vir a dizê-lo daqui a uns anos, um breve hiato na nossa vivência benfiquista. No meu caso em particular, tal é a frequência com que vou ao Estádio da Luz, sempre, sinto que o Benfica só joga verdadeiramente em casa se eu lá estiver nas bancadas. Mesmo a ocasional alteração de lugar, que é rara e nunca desejada, revela-se-me, de certa forma, desarmoniosa. Mas pior que futebol sem público é nenhum futebol. Teremos jogos para ver, golos para festejar e, assim o esperamos, títulos para celebrar.
Exigir a eventual perpetuação da suspensão das competições - quando será possível a reabertura dos estádios? - seria um atentado à sobrevivência do futebol tal como o conhecemos.

Pelas avultadas quebras de receitas (direitos televisivos e patrocinadores), mas também por um fenómeno de desabitação. Desconheço estudos sobre este hipotético fenómeno, mas desconfio de que, a cada dia que as novas plataformas de distribuição de entretenimento conquistam adeptos, o potencial de transferência destes existe em alguma medida. Afinal, os dias continuarão a ter 24 horas, e as carteiras não engordarão certamente. Dir-me-ão que tal nunca aconteceria, mas acho avisado mitigar-se esse risco. E nós, os que vamos aos estádios, até somos minoritários. É na TV, de longe, que se vê mais futebol."


João Tomaz, in O Benfica

Chegou a hora!

"Esta é a última vez que falamos antes do regresso do campeonato 2019/20. Na próxima quinta-feira, 4 de Junho, às 19h15, na Catedral, o campeão nacional recebe o CD Tondela. E o nervosismo habitual antes de qualquer jogo do Benfica já começa a sentir-se deste lado. Têm sido meses bastante complicados - todos sabemos disso - e já é tempo de a nação benfiquista sorrir. É o regresso possível do futebol: à porta fechada, com todas as condições de higienização e segurança, com um controlo apertado da saúde dos profissionais de futebol e restantes equipas técnicas e staff.
Não é o que todos nós, adeptos, queríamos, mas é o que temos. E é com esta realidade que vamos a jogo.
Desde o início de pandemia que tive - tenho - muitas dúvidas se esta é a solução mais acertada. E isto serve para Portugal e para os restantes países que retomaram os respectivos campeonatos. Confesso que ainda tenho aquela visão romântica do desporto e dos seus valores, como a superação individual e colectiva, a competição ou o jogo limpo. Mas também acredito que há momentos na vida em que tudo se relativiza e em que um troféu ou uma medalha valem menos do que o bem comum. Mas não sou eu quem decide, por isso há quem decide, por isso há que respeitar a decisão de retomar a liga. E agora já não chega apenas respeitar. É preciso esquecer as diferenças de opinião quanto ao processo e concentramo-nos naquilo que realmente importa - o Sport Lisboa e Benfica e, neste caso, a sua equipa principal de futebol masculino.
Agora, é para apoiar onde quer que seja: no sofá, sozinho ou com a família e amigos, nas Casas do Benfica respeitando a distância física, no café ou no restaurante de esquina, em Lisboa e no Porto, nas Ilhas e em Trás-os-Montes, no Alentejo ou na Austrália, em Angola ou na Suíça. Não interessa onde, só importa como. E vai ter de ser com toda a energia acumulada nestes meses. É tempo de recuperar o que é nosso: a liderança."

Ricardo Santos, in O Benfica

Os jogos do Benfica vão ter adeptos

"Não me lembro de estar tão ansioso por uma quinta-feira desde 2014, antes daquela quinta-feira de 1 de Maio, quando fomos a Turim explicar a Pirlo,Buffon, Pogba, Vidal,Tévez e companhia que a aventura deles na Liga Europa ficava pelas meias-finais. A quinta-feira da próxima semana, 4 de Junho, assinala o regresso do Benfica à competição após a interrupção motivada pela pandemia e marca também o meu regresso ao sofá lá de casa. Não há qualquer dúvida: o futebol é estranho sem adeptos. Sem cachecóis no ar, sem abraços nas bancadas e sem aquele gajo que aos 20 minutos já está aos berros a pedir ao Bruno Lage para meter o Cervi, o Rafa ou o Mantorras. A confusão antes de entrar no estádio pode até ser incómoda, mas de repente já me apetece que, algures no meio da multidão, alguém me entorne meio copo de cerveja pela cabeça abaixo.
Para nossa sorte, os jogos do Benfica vão pode ter alguns adeptos. Onze dentro de campo e mais alguns no banco. O adepto com a missão mais complicada é Bruno Lage. Agora, não só tem de orientar a equipa no sentido de conquistar os três pontos como tem de assegurar que o Rúben Dias e o Ferro vão cantando o '1904' enquanto o Pizzi faz uma assistência a isolar o Vinícius. Nas bolas paradas, o Vlachodimos tem de cantar o 'Tudo a Saltar', e o banco de suplentes tem de formar um coro a cantarolar o 'E quem não canta fica em casa'. É bom que os jogadores treinem este novo estilo de jogo durante a semana, estou certo de que Bruno Lage começará a deixar de fora da convocatória quem não se conseguir adaptar. A música do Taarabt pode ser cantada por ele próprio.
Nunca mais é quinta-feira!"

Pedro Soares, in O Benfica

Campeão de volta

"Quase três meses depois, o futebol português voltará a entrar em campo. E, para nós, futebol português, escreve-se com sete letras: Benfica. É já próxima quinta-feira, num Estádio da Luz sem cor, que a nossa equipa terá de voltar a ganhar. Depois disso, terá mais nove partidas para recuperar a liderança e festejar (de que forma, agora não interessa) o 38.º campeonato. Não é obviamente o regresso que os adeptos desejavam.
O futebol sem público é como comida sem sal, e mesmo através da televisão perde grande do seu encanto. Temos visto algumas partidas da liga alemã à porta fechada, e, com aquele ambiente enfadonho, silencioso e incolor, por muito que brilhem os artistas, é difícil manter 90 minutos de atenção. Claro que com o Benfica em campo será diferente, pois a importância do resultado trará outras sensações - embora não sejam decerto comparáveis àquilo que estamos habituados a viver nas bancadas da Luz. Enfim, é o que há, neste tempo que nunca mais acaba.
Futebolisticamente, espera-se que o mau momento de Fevereiro e início de Março tenha ficado para trás. Espera-se um Benfica, pelo menos, ao nível daquele que conseguirá 18 vitórias nos primeiros 19 jogos deste campeonato, que então nos valeram uma vantagem pontual que chegou a parecer decisiva. Depois, entre penáltis falhados, menor fulgor e alguma infelicidade, deixámos escapar a liderança. É hora de recuperar a confiança e partir para a recuperação. É hora de voltarmos para o nosso lugar: o primeiro. E, para tal acontecer, teremos de ultrapassar, um por um, os adversários que ainda temos pelo caminho. Venha o Tondela!"

Luís Fialho, in O Benfica

Gratidão

"As datas de comemoração dos vários títulos conquistados pelo Sport Lisboa e Benfica, neste século, têm permitido reviver momentos únicos, graças à BTV e à programação inteligentemente delineada pelos seus responsáveis. As entrevistas aos vários protagonistas dessas conquistas permitiram-nos recordar acontecimentos verdadeiramente empolgantes e alguns mesmo surpreendentes. Todas as entrevistas sobre o tetra foram reveladoras de um clube moderno, inovador e claramente virado para o futuro.
A conversa entre Luís Filipe Vieira, Luisão, Jonas e Salvio bastaria para explicar a razão da hegemonia benfiquista no futebol português. Aconselho vivamente a todos benfiquistas que revejam aquele momento sublime, com o presidente a confessar saudades do trio-maravilha. Andando bem mais para trás, recordamos o feito de 2005, com a conquista do 31.º título e sempre com Luís Filipe Vieira ao leme. A entrevista de Hélder Conduto a Simão Sabrosa foi tocante e esclarecedora.
O nosso capitão contou alguns episódios que provam que o Benfica é uma família. Simão revelou ainda que jogou vários jogos incapacitado, com uma lesão que o perseguiu quase metade da época, mas ele nunca desistiu e fez os 34 jogos do campeonato. É de jogadores desta fibra que o SL Benfica precisa! A resposta final de Simão Sabrosa à pergunta para definir numa palavra o que sentia sobre o Clube diz tudo sobre a sua categoria - gratidão. Eis como numa simples palavra o nosso capitão disse tudo. É essa gratidão que nós também sentimos por ele, pelo seu exemplo e, sobretudo, pela sua postura pós-Benfica. No fundo, nós sentimos que Simão Sabrosa saiu do Benfica, mas o Benfica nunca saiu dele."

Pedro Guerra, in O Benfica