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quinta-feira, 14 de maio de 2020
Conversa do Tetra !!!
"Imagens marcantes e recordações
Luís Filipe Vieira: "O pai do Tetra são os jogadores. Quero dar um abraço ao Salvio, ao Jonas e ao Luisão. Tenho saudades vossas. Qualquer um deles marcou uma passagem importante no Benfica. O Luisão tem 20 títulos, o Salvio tem 14, o Jonas tem nove ou 10. Marcaram toda a Família Benfiquista e sabem o quanto me marcaram a mim. Conversámos sempre muito ao longo destes anos de forma transparente e amiga, mas com grande grau de exigência. O que posso dizer é que tenho saudades. Estas imagens marcam e deixam recordações. Temos de olhar para a frente, mas sabem que estão na história do Benfica. Já estavam pelo Tri e estão também pelo Tetra. Só não foi possível chegar ao Penta, mas vamos trabalhar para lá chegar um dia. O Salvio disse uma verdade: somos uma Família. Foi com estes, será com outros, mas com grau de exigência."
O inédito e histórico Tetra
Luisão: "Para nós foi um prazer imenso ficar na história do Clube. Ganhar um [Campeonato] não é fácil, imaginem conquistar quatro… Fiquei completamente arrepiado e emocionado com estas imagens. Os momentos que vivemos, a amizade… Tudo isso fica gravado na nossa memória. Foi tudo espectacular!"
Jonas: "Vendo as imagens é difícil não nos emocionarmos. Foram momentos únicos que vivemos juntos e a nossa amizade e companheirismo foram muito importantes para estas conquistas. Fico feliz também pelos prémios individuais."
A família Benfica
Salvio: "Na verdade, como disse o Luisão, fiquei arrepiado ao ver as imagens destes títulos que vencemos juntos, por tudo o que passámos juntos, tudo o que ultrapassamos. É emocionante e tenho muitas saudades de todos. São momentos que tenho na memória e é uma emoção enorme ter vivido tudo isto no Benfica, e ter partilhado o balneário com Jonas e Luisão. Para além de companheiros [de equipa], são meus amigos. Sempre tivemos uma grande família no Benfica. Estou feliz por ter conquistado estes títulos com eles."
A relação próxima com Luís Filipe Vieira
Luisão: "O Presidente pode não aceitar a designação de 'pai do Tetra', mas ele é o companheiro do Tetra. Digo isto do fundo do coração. Se eu conquistei o que conquistei, devo muito a ele que, ao longo dos 15 anos, sempre me mostrou onde eu poderia chegar. Para mim falar do Presidente em relação ao grupo é mostrar que ele é o primeiro – quando as coisas não correm tão bem – a acreditar. O Benfica tem uma cobrança muito forte e, quando as coisas correm mal dentro do campo, a pressão em cima dos jogadores acontece, e o Presidente está sempre ali. Nós tivemos um resultado negativo e o Presidente chamou-me e disse 'tu tens de conseguir colocar essas palavras [compromisso, humildade, determinação, sempre ambiciosos] dentro do balneário porque nós vamos conseguir chegar ao Tetra'. E era um momento em que os adeptos já não acreditavam… Graças a Deus deu certo. De certeza que, mais lá para a frente, vai voltar a acontecer o Tetra."
Luís Filipe Vieira: "Os jogadores são profissionais, mas são também pessoas. E acho que uma das coisas muito importantes no Benfica é a relação que se cria. No caso do Jonas, na despedida dele, há coisas que nos ficam na cabeça, que nos deixam com saudades, nostalgia no momento da partida. Mas ele sabe que vai estar sempre perto de nós. Há coisas que se passam dentro do Benfica que nos marcam para sempre."
Salvio, Luisão e Jonas aos olhos do Presidente
Luís Filipe Vieira: "É uma das mais-valias que o Benfica tem hoje. Esta relação humana que nós conseguimos ter, havendo respeito. Estou imensamente grato pela felicidade que me fizeram viver ao longo destes anos todos. Não sou muito expansivo, mas sabem pelo meu olhar e pelo meu sorriso. Obrigado por tudo o que me deram, a mim e ao Benfica."
"Em relação ao Salvio, nestes anos todos que tenho de Benfica, ele foi de certeza o jogador mais azarado que passou por cá. Mas nunca se dava por vencido [Salvio emociona-se ao ouvir estas palavras...]. Ele, além de ter interiorizado todo o benfiquismo, foi sempre capaz de reagir aos infortúnios. Felizmente, conseguiu sempre vencer os problemas, não está perdido para nada, pelo contrário, tem uma força e determinação muito grandes, conseguiu fazer levantar o Estádio muitas vezes com a sua garra e entusiasmo. Toda a gente pensava ‘o Salvio não vai ser o mesmo’ e ele continuou sempre a ser o mesmo, com um riso contagiante e uma alegria… Não tenhas dúvidas de que tinha muitas saudades tuas, marcaste-me."
"Quem está aqui no Benfica, e eles sabem melhor do que eu, quando começa uma época, quer sempre ser campeão. Mas também temos de pensar que temos sempre adversários pela frente. Há uma determinação e ambição muito grandes de querer ganhar sempre. De certeza que neste ano não fugimos à regra. Vamos entrar a todo o gás para conquistar este título. Trabalhamos arduamente para voltarmos a ser campeões. Essa é a garantia que podemos dar a todos os Benfiquistas. É para isso que trabalhamos todo o ano, para chegarmos ao final e sermos todos felizes."
"Qualquer destes três homens marcaram o Benfica e marcaram-me a mim. O Luisão, costumo dizer, que foi e é o meu companheiro de viagem. É aquele que sabe o que era o Benfica do passado e o que é hoje. O Salvio começou por um empréstimo e depois com uma aquisição, onde fui criticado por todos. Foi uma aquisição como homem e como jogador. O Jonas apareceu sem querer. E eu só pensava, passado um ano, ‘como é que foi possível ele vir para aqui a custo zero?'"
Os importantes conselhos e ajuda do Presidente
Jonas: "Tenho várias histórias com o Presidente. Esteve sempre connosco, ao nosso lado e sempre deu a cara. Foi sempre o primeiro, nomeadamente nos momentos de maior pressão, porque não é fácil jogar no Benfica. Ajudou-me a definir em alguns períodos da minha vida, na renovação do contrato, por exemplo. Eu pensava se iria render o mesmo que antes, e, por vezes, apareciam outras propostas e o Presidente falava comigo e dizia que o Benfica era o melhor sítio para estar. Agradeço os conselhos e valeu muito a pena segui-los. O Luisão e o Salvio foram amigos que me ajudaram muito. Eu e o Luisão falávamos muito."
Salvio: "Só tenho palavras de agradecimento para o Presidente. Ele sabe o que penso dele. Sempre esteve perto de mim. Tive momentos complicados, nomeadamente na altura das lesões no joelho. O Presidente dava-me ânimo, força, ligava-me… Quando surgiu o problema de cancro do meu pai, ele ajudou-me muito e eu valorizo isso e muito. Nunca nos faltou nada e até tive mais do que precisava. Para além de ser um grande Presidente, é uma grande pessoa. Obrigado, Presidente, por tudo."
O título mais saboroso do Tetracampeonato
Luís Filipe Vieira: "O título mais especial, o que vivemos mais intensamente, foi o Tri. Todos eles são saborosos, mas o Tri era para partir tudo. Saímos a pensar em ganhar, voltávamos a pensar em ganhar…"
Luisão: "Para mim, desses quatro, o mais importante foi o Tetra. Foi o que teve um sabor mais especial porque na época anterior eu parti o braço, muitas pessoas estavam com dúvidas de como eu voltaria. No início da temporada voltei, mas no banco, até que tive oportunidade e, contra o 1.º de Dezembro, consegui marcar um golo e recebi aquele papel do Presidente [Compromisso, Humildade, Determinação, sempre Ambição]. Coloquei à frente da minha cama e prometi a mim mesmo que só ia descansar quando lhe devolvesse o dever cumprido. O Tetra foi o mais importante por essa superação. Com a idade, nós temos de dar provas todos os dias, e não é fácil competir em alto nível e treinar frente a um Toto [Salvio] que não pára de correr como se cada treino fosse o último."
Salvio: "A minha escolha também e o Tetra. Foi uma época em que praticamente fiz a época toda sem problemas, fiz uma boa temporada, desfrutei muito em campo. Foi uma época muito boa, para mim e para todos."
Jonas: "O Tetra ficou marcado porque eu também tive um problema difícil no início da temporada, e foi um ano de muito trabalho. A época do Tetra ficou marcada, foi um período em que eu estive que me esforçar muito para voltar depois da infeção no pé. Foi uma temporada marcante."
As saudades de estar com os melhores
Salvio: "Tenho muitas saudades e lembranças de todos. Lembro-me dos jogos, dos campeonatos ganhos. Vi muitas imagens do Tetra e recordei momentos incríveis. Agradeço a Deus por me ter dado a oportunidade de ter vivido isto e de ter jogado num clube tão grande como o Benfica. Joguei com o melhor capitão de todos, que é Luisão; com o melhor jogador que é o Jonas e tenho muitas saudades porque não poderei voltar a jogar com eles."
Histórias do Tetra
Salvio: "O momento do Tetra, quando ganhámos em Vila do Conde, foi um grande momento para nós. Faltavam 10 minutos para acabar, era um jogo muito difícil, muito complicado e conseguimos ganhar já perto do final. Foi um grande dia. Depois, houve muitos momentos dentro do balneário. Passámos muitos bons momentos. Os mais divertidos? Jonas, Eliseu… Lembro-me dos primeiros anos que cheguei, o David Luiz estava sempre a brincar. Jogámos com tantos jogadores que havia sempre algum ‘palhaço’… Eu acho que ninguém sabia que o Eliseu ia aparecer de mota, muito menos dentro do balneário. Mas foi um momento muito engraçado. Estávamos todos muito felizes."
Jonas: "[Eliseu] era uma figura. No balneário, antes e depois dos treinos, toda a gente ‘pegava muito no pé dele’. Às vezes ele fazia coisas que ninguém esperava. É uma grande pessoa e um Benfiquista ferrenho. Nestes anos, demonstrou todo o amor que tem pelo Clube. Infelizmente, não temos tanto contacto com ele porque desaparece do nada [risos]. Ele aparece sempre nas festas do Marquês, quando o Benfica ganha, portanto espero que ele apareça todos os anos."
Luisão: "Eliseu é o jogador mais tranquilo com quem já joguei. Eu fico nervoso antes do jogo, preocupado, a pensar nas coisas. Para o Eliseu, o jogo poderia ser de extrema responsabilidade que ele era a mesma pessoa."
Quando o capitão salvou o goleador…
Luisão: "Uma história do balneário? Há muitas, mas algumas não posso contar [risos]. Tenho uma com o Jonas, mas é fora do campo. Um dia perdemos um jogo, estava a chegar a casa e vejo o Jonas rodeado de cinco adeptos, escondido dentro do carro. Tive de sair do carro para o proteger, senão ele ainda levava [risos]."
Jonas: "Essa história é muito boa. Eu estava a chegar a casa, um carro ultrapassa-me e diz: ‘pára, pára!’. E eu disse: ‘só paro se for só para falar.’ Tivemos 20 ou 25 minutos a falar e quando estava tudo mais tranquilo, vem o Luisão e salvou-me. Dentro ou fora do campo, ele protegia-nos sempre."
O especial aniversário de Júlio César...
Jonas: "A história do aniversário dele? O Júlio [César] é muito guloso e muito animado. Era o aniversário dele e ele queria sempre dar mais uma volta… mas tínhamos muitos jogadores alegres. O Luisão, o Salvio, o Pizzi, o André Almeida…"
Luisão: "Agora que já somos antigos jogadores, já podemos falar. O Júlio apanhou-nos em Lisboa, colocou-nos no barco e fomos até Troia. Quando olhei para o relógio eram 18h30 e eu a pensar que íamos voltar à noite. Em Tróia, perguntei ao Júlio César: ‘Como é que voltamos?’ E ele responde: ‘Eu aluguei uma casa aqui em Troia. Querem que chame um autocarro para vos levar?’ Queria bater-lhe! [risos] Estávamos cheios de areia, sal… Tivemos de apanhar um barco até Setúbal e táxi em Setúbal até Lisboa."
Benfica
Equipa de eleição
Salvio: "A equipa do Bicampeonato. Sentia que a equipa jogava muito bem, com um grande estilo de jogo, sem medo de ninguém. Fizemos uma grande época. Também gostei muito da equipa do Tetra, mas escolho a equipa do Bi."
Jonas: "Escolheria também a do Bi. De um lado Salvio, do outro Nico; Lima ao meu lado; atrás Luisão e Jardel… Samaris, Eliseu, Pizzi… Era uma equipa que quando ia para os jogos tínhamos grandes hipóteses de ganhar com goleada. O estilo de jogo estava adaptado, era muito automático. Treinávamos muito e, no campo, saía tudo com muita naturalidade."
Luisão: "Vou elogiar a primeira e a segunda época, quando eu cheguei ao Benfica. Nós não tínhamos as condições que tivemos nos últimos anos. Porém, dentro do campo, lutávamos muito para construir um alicerce para o Benfica poder conquistar o que está a conquistar hoje. Não era fácil não ter lugar para treinar, é difícil… Essa fica como aquela época de carácter, de luta. Depois, o primeiro ano do Jorge Jesus, que revolucionou o futebol do Benfica. Tínhamos alas muito fortes, e uma consistência e dinâmicas de jogo muito fortes. E depois todas as que terminaram no Tetra. Sem olharmos, já sabíamos onde cada jogador estava, estava tudo muito automatizado."
A pressão de jogar no SL Benfica...
Luisão: "Quando cheguei ao Benfica era Campeão Brasileiro, titular no Cruzeiro e era convocado para a Selecção brasileira, mas, no começo, senti um pouco. Todos sentem."
Jonas: "Também passei por esse momento, de pensar que não ia conseguir fazer o que fazia antes. É normal."
Salvio: "Na minha primeira época, em que estive emprestado [2010/11], tive dois ou três meses de adaptação que não foram fáceis. Tínhamos um treinador muito exigente, que era o Jorge Jesus. Isso também me fez crescer como jogador. Quando ultrapassei essa fase ficou tudo muito mais tranquilo e depois foi desfrutar dos jogos na Luz."
Melhor jogador com quem se cruzaram
Salvio: "O Jonas e o Saviola."
Luisão: "Jonas e Saviola foram os melhores com quem já joguei. São jogadores muito inteligentes, estão sempre um pensamento e um posicionamento à frente. Houve um jogo na Luz em que estávamos a ganhar e o Jonas errou um domínio na frente, eles atacaram e acabei por fazer uma falta perto da área. Eu e o Jonas discutimos e depois tivemos de ir na mesma carrinha até ao aeroporto para apanhar o avião para o Brasil… Parecíamos duas crianças sem conversar. Só fizemos as pazes no aeroporto. Amigos também brigam."
Jonas: "Das equipas pelas quais passei, a maioria das pessoas com quem tinha mais afinidade era difícil discutirmos. Naquele momento eu já conhecia o Luisão, e ele, dentro de campo, transforma-se. Não há amizade, não há nada. E precisamos de um jogador como ele, por isso é que ele é um líder. Vai ser sempre o eterno capitão. Ele dava-me broncas e na maioria das vezes estava certo."
"É difícil escolher um. Eu até joguei pouco com ele, mas acho que é um menino que pode ir longe na carreira e tem uma qualidade muito diferente. O João [Félix] foi um jogador que me impressionou muito, até pela idade. Mas claro que não dá para não falar de jogadores como Salvio e Luisão… Eu joguei com muitos jogadores, mas tive o privilégio de jogar com estes dois, que me ajudaram muito quando cheguei ao Benfica. Eu vinha com 30 anos do Valência, muito desacreditado, num momento difícil, e todos eles me reergueram…"
Salvio: "Para nós era muito importante ter um jogador como Luisão em campo porque muitas vezes algum jogador não saía com a máxima concentração e ele estava sempre lá para nos ajudar dentro de campo. Levei muitas broncas dele, mas cresci muito como jogador por ter um companheiro e um capitão como ele."
Tudo pelo goleador Jonas, até com cãibras...
Luisão: "O Jonas é um jogador acima da média. É muito inteligente. Quem olha, pensa que é farmacêutico ou advogado, mas com a bola nos pés é dos melhores com quem eu joguei. As coisas parecem fácil quando são conquistadas, mas tem de se ter muito carácter. [Em 2014/15, no jogo com o Marítimo] Já tínhamos o título, mas demos tudo para que o Jonas fosse o melhor marcador. Já tinha cãibras e tudo."
Salvio: "Lembro-me muito bem do Rúben [Dias]. Quando começou a treinar connosco não tinha medo de ninguém, batia no Raúl, no Jonas… Sabia que ia ser um grande jogador. Lembro-me do Guedes. Quando treinava connosco demonstrava muita qualidade. Depois, claro, João Félix, que tem uma qualidade enorme. Quando jogávamos com a equipa B, víamos isso e sabíamos que ia dar em jogador."
Jonas: "Há muitos. O Ederson, o Nélson Semedo, o Rúben, o Renato Sanches, o Gonçalo Guedes… Mas houve um treino do João Félix connosco em que a bola vai para ele e ele teve um gesto que se notava que já tinha sido preparado antes. O Luisão olhou para mim e disse: ‘Este miúdo é craque’."
Luisão: "Notava-se no posicionamento e na movimentação que o João Félix era craque. Foi o que vi mais acima da média. Mas aquele em que fiquei mais feliz, que me deixou emocionado ao ponto de ficar com lágrimas os olhos foi o Nélson Semedo. Era muito humilde, simples. Quando subiu à equipa principal, houve uma viagem em que tinha feito print de algumas imagens do jogo anterior e perguntei se lhe podia mostrar para melhorar o posicionamento… A partir daí já era ele que me pedia para o ajudar. Fiquei mesmo feliz por vê-lo no Barcelona, não é fácil, e ele tem feito uma carreira regular."
Ligação emocionada e camisola guardada
Salvio: "Continuo a ter muitas saudades do Benfica. Até tenho aqui a camisola [mostra para os ecrãs]. Guardei a minha camisola no Benfica desta época [olhar embargado]. Continuo ligado ao Benfica, a falar com os meus antigos companheiros. Vou levar sempre o Benfica no coração e foi muito difícil sair. Agora estou mais perto dos meus pais e estou a aproveitar outra etapa na minha carreira."
Mensagem para o balneário
Jonas: "A mensagem é a mais positiva. Faltam 10 jogos e o Benfica vai voltar muito forte depois desta paragem. A equipa tem muita qualidade, o início da temporada foi muito bom e vamos estar todos a torcer. Tenho a certeza de que no fim todos poderemos comemorar mais um título. Boa sorte e muito entusiasmo."
Salvio: "Uma mensagem de força e confiança. Eu, como todos os benfiquistas, acredito nesta equipa. Se há alguém que pode ganhar este campeonato é o Benfica. Temos bons jogadores, bom corpo técnico, bom balneário, bons adeptos… Continuem a trabalhar, não é fácil, mas eu acredito que esta equipa pode conseguir este campeonato. Que no final da época possamos festejar todos juntos."
Luisão: "Estamos passando por uma fase tão difícil nas nossas vidas, devido a esta pandemia, e eu só pedia para quando regressarem, a cada treino que estão a fazer agora, a cada jogo, possam trazer-nos alegria a todos os benfiquistas que estão longe, confinados, para todos os que sofrem pelo Benfica. Que os jogadores correspondam dentro de campo, lutando até ao último minuto. Não sabemos quem será campeão, mas com o esforço de todos eles, vai dar tudo certo.""
Golo: Almeida
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Um Benfica tão alto como a taça erguida por José Águas
"Tarefa ingrata a de pensar o meu clube depois da pandemia quando nunca o pensei antes da pandemia. O leitor arguto espera que o cronista agora enverede por misticismos vaporosos e diga coisas como "o Benfica não se pensa, o Benfica sente-se, o Benfica vive-se, o Benfica saboreia-se, o Benfica respira-se, etc." Lamento. Não vou por aí. O que sei é que quando um adepto se põe a pensar o clube é mau sinal. Cheira a crise, a dívidas a fornecedores, a salários em atraso, a treinadores despedidos à primeira jornada.
Naqueles tempos infaustos em que o Benfica cambaleava pelas vielas da amargura e no relvado os espectáculos eram tão medonhos e deprimentes que, de bom grado, uma pessoa se entregaria às delícias escandinavas do curling, as televisões tinham por hábito reunir em amplos estúdios a fina-flor do benfiquismo. Dezenas de benfiquistas ilustres, entre antigas glórias, eternos candidatos à presidência e figuras folclóricas, dissecavam a crise, escalpelizavam a crise, autopsiavam a crise. O Benfica era a crise, a crise era o Benfica, o cadáver de um gigante deitado numa marquesa sob o olhar dos seus adeptos consternados e dos seus adversários eufóricos, em repetidas lições de anatomia que, desgraçadamente, nunca tiveram o seu Rembrandt. O que saía desses tremendos concílios? Nada. Nem uma singular e escassa ideia. Apenas uma névoa de preocupação generalizada e vozes a repetirem em coro a bengala do conde de Steinbroken: "C’est très grave, c’est excessivement grave!"
É que o adepto, o verdadeiro adepto, aquele que estende o cachecol do avesso enquanto desafina o "Ser Benfiquista", que antes do jogo tem sempre um prognóstico optimista e depois do jogo confessa um mau pressentimento de véspera, não foi feito para pensar. Quando um adepto pensa, o mundo tropeça e encrava, como um brinquedo partido nas mãos de uma criança. Pensa e, a custo, lá lhe sobe o arremedo de uma ideia à cabeça, que se lhe derem tempo ele tenta moldar num plano e, se se tratar de um bacharel em Gestão de Empresas, pode mesmo degenerar num projecto.
Se em cada adepto há um potencial treinador, com tácticas mirabolantes congeminadas na pausa para o cigarro ou expostas à mesa de um café numa Casa do Benfica em suposições de tremoço, também haverá, numa parte mais remota do cérebro, o embrião de um presidente, a cozinhar um ensopado de planos de negócios, relações institucionais e empréstimos obrigacionistas. Confesso, não sem alguma vergonha, que, além de sonhos com golos marcados no Estádio da Luz, já sonhei em discursar de um palanque presidencial. Felizmente até os meus sonhos são contidos e neles nunca passo da invocação inicial: "Benfiquistas…"E o sonho desfaz-se em fiapos de fantasia.
Mas não ter ideias, daquelas ideias sólidas com que se erguem impérios e constroem colossos, ideias presidenciais, não significa não ter desejos, ambições fulgurantes e fátuas sem qualquer adesão à realidade. Nisso é que os adeptos são bons. O meu maior desejo, por exemplo, é o de que o Benfica só jogasse aos domingos às três da tarde. Domingos de sol, convém sublinhar. A excepção seriam as noites europeias. E as únicas que um adepto admite são as de quarta-feira. Uma terça-feira ou uma quinta-feira europeias são contradições nos termos, entorses burocráticas no calendário, um Ano Novo festejado a 2 de Janeiro, uma festa de aniversário convenientemente empurrada para o sábado seguinte. Só as quartas-feiras são europeias. Outro desejo é que, doravante, o Benfica jogasse sempre de vermelho em casa e que o equipamento alternativo fosse único e eterno, todo branco. Equipamentos cor-de-laranja ou cor-de-rosa, pretos ou cinzentos, seriam proibidos pelos estatutos, se o bom senso não chegasse.
No entanto, o que queria mesmo é que, depois da pandemia, o Benfica aparecesse mais alto. Aí da altura a que José Águas ergueu a Taça dos Campeões Europeus. Não há benfiquista que não conheça a fotografia. Podem escrever-se bibliotecas sobre a história e os feitos do Benfica, mas nenhuma será mais eloquente do que aquela fotografia. Ali está toda a história, passada e futura, do clube. Não sei – nem quero saber – como é que os capitães de outras equipas levantavam as taças. Imagino que no Real Madrid a tarefa, de tão repetitiva, fosse delegada aos estreantes, a um apanha-bolas. Mas duvido que haja na história do mundo um, digamos, "levantar da taça" mais natural, mais justo e um sorriso de vitória e grandeza mais luminoso do que o do capitão José Águas. É personificação da grandeza. E a grandeza sorri.
Eis a vantagem do futebol. No fim de uma batalha, de uma guerra, nenhum general, nenhum presidente, nenhum imperador, pode sorrir. Na Roma Antiga, os generais regressavam das suas campanhas, recebidos por multidões que lhes atiravam pétalas e talvez roupa interior feminina, mas nas suas bigas, no imóvel e solene perfil de estátua, não sorriam. No futebol, o sorriso é obrigatório. E nós temos a sorte de conhecer o mais belo dos sorrisos. Então, eu queria que o Benfica se parecesse mais com o José Águas naquela fotografia, que algum cientista tirasse uma folga na procura da vacina e sequenciasse o genoma da imagem e inoculasse o clube com aquela essência, para que nenhuma máscara ocultasse o mais glorioso dos sorrisos, o mais vermelho e vivo dos triunfos.
Delírios, bem sei. Com o regresso ao velho tempo, o Benfica há de jogar à segunda-feira à noite e não teremos outro remédio que não aguentar as quintas-feiras europeias; haverá equipamentos de cores esfuziantes e vendáveis e voltaremos às loas ao Seixal e a ver como se nos escapam pelos dedos das mãos as pérolas fugazes da formação; cairemos na tentação de comparar passivos e prejuízos e de festejar lucros semestrais como o sucedâneo possível, empresarial, da verdadeira glória, a que se conquista num relvado qualquer, um relvado por onde um capitão passeia e, com um sorriso universal, esperanto da vitória, ergue uma taça à altura dos nossos sonhos."
Voltarmos a ser Campeões
"Ontem, em dia de celebração da efeméride do inédito Tetra – fez três anos –, todos pudemos assistir a um grande momento de televisão na BTV, mesmo apesar das condicionantes inerentes ao momento inusitado em que vivemos devido à pandemia. Tratou-se do arranque de um período, até domingo, que inclui programação especial dedicada a este feito recente do nosso clube. E que arranque!
Com a superior condução de Hélder Conduto, Luisão, Jonas e Salvio, três dos principais obreiros da epopeia do Tetra, estiveram à conversa durante cerca de hora e meia, permitindo-nos ter uma noção mais aproximada do que motivou a conquista de quatro Campeonatos Nacionais consecutivos, para além da qualidade de jogo da equipa que todos tivemos oportunidade de ver e desfrutar durante esses quatro anos.
Aos nossos magníficos antigos jogadores juntou-se, na primeira meia hora, o Presidente Luís Filipe Vieira que, num registo informal, manifestou a sua amizade, admiração e gratidão pelos seus interlocutores e contou episódios, passados com eles e com as várias equipas do Tetra, reveladores do sucesso benfiquista, e realçando que é bom recordarmos o passado, porém devemos sempre centrar a nossa atenção no futuro.
Essa foi, aliás, a tónica dominante ao longo da conversa. Partindo de valores bem presentes no dia a dia do Clube, como o companheirismo, o empenho constante, o compromisso total, a exigência, quer do plantel e da estrutura, como dos adeptos, e a ambição de se querer estar sempre à altura dos pergaminhos de um clube com a grandeza do Benfica, sabendo-se que tal só é possível com vitórias atrás de vitórias, a conversa incidiu também nas magníficas condições de trabalho oferecidas pelo Clube, desde a excelência das infraestruturas às relações de amizade e entreajuda que se estabelecem entre todos os que colaboram diariamente em prol do sucesso do Benfica.
E claro, também, na vontade férrea e permanente de acrescentar títulos ao palmarés benfiquista, a começar já por aqueles que estão ainda por disputar esta temporada, o Campeonato Nacional e a Taça de Portugal. Como disse o Presidente Luís Filipe Vieira, "vamos entrar a todo o gás para conquistarmos estes títulos".
Hoje o destaque dos vários conteúdos exclusivos dedicados ao Tetra vai para a conversa com Renato Sanches, Gonçalo Guedes e Nélson Semedo, três dos muitos jovens da nossa formação que contribuíram decisivamente para os títulos conquistados. E também para a reportagem com Paulo Lopes, o guarda-redes que pertenceu aos quatros plantéis vencedores e que sempre foi visto como um exemplo dentro do balneário e que tinha uma forma muito própria de celebrar as conquistas."
«Saída do Benfica? Soube pela televisão. Não foi fácil»
"Personifica a figura de anti-herói do futebol contemporâneo: rejeita vedetismo, mostra-se avesso às redes sociais mas, apesar de parcimonioso na escolha de palavras, não deixou nada por dizer. Em 2017, tornou-se o jogador mais velho de sempre a competir na Primeira Liga ao serviço do Desportivo da Aves, clube onde actualmente desempenha as funções de treinador de guarda-redes. Sporting de Braga e Benfica completam o escasso rol de emblemas que representou, numa das mais extensas carreiras que o futebol português conhece. Em mais um exclusivo Bola na Rede, fomos à bola com Quim, um jogador à antiga.
– Ó tempo volta para trás –
“Jorge Jesus considerava que eu era baixo”
Quim, obrigado por teres aceitado o nosso convite. Deixa-me começar esta entrevista por aquela que foi, provavelmente, a melhor opção da tua carreira: não teres substituído a inicial do teu nome por um “K”, quando te disseram que Joaquim não era nome de jogador.
(risos) Foi logo no início da minha carreira no Braga. Quando saí do Ruivanense para o SC Braga, ainda iniciado – tinha 14 anos quando lá cheguei -, o falecido treinador Orlando Sampaio perguntou-me o nome e respondi “Quim”; “Com “k” ou sem “k”?” e eu disse “Quim normal”.
Já voltaste a fazer uma corridinha desde a final do Jamor?
Fiz, mas não foi nada de especial. Como comecei este ano a treinar os guarda-redes, vou fazendo algumas coisas. Após a final do Jamor, estive ligado ao dirigismo e, nesse período, não fiz nada. Estive um ano praticamente parado.
Sequelas das duas cãibras que tiveste durante o jogo?
Em alguns jogos temos necessidade de parar o jogo, de cair no chão para acalmar a equipa… é uma estratégia de jogo e eu tinha muito isso: quando a equipa estava a ser muito sobrecarregada na defesa, tinha muitas iniciativas dessas. Não é bom para o futebol, reconheço, mas é bom para a minha equipa. Mas nesse jogo lembro-me que tive duas cãibras e não foi para passar tempo, foi mesmo porque era um jogo muito complicado, com muita carga emotiva e se calhar foi por aí.
O principal factor num guarda-redes continua a ser, a teu ver, a força mental?
Sem dúvida. Enquanto treinador de guarda-redes, tento incutir isso no meu grupo de trabalho. Os treinadores de guarda-redes baseiam-se muito em aspectos que (…) há outras prioridades. Para mim, um dos principais focos tem que ser o psicológico. Ser guarda-redes não é fácil, é um lugar específico: é o último a ser batido e requer muita responsabilidade. Olhar para trás é o pior que podemos fazer; temos é de olhar em frente e trabalhar esse erro.
Manuel Cajuda dizia na semana passada ao Bola na Rede que foi o primeiro treinador a trazer a figura do psicólogo para o futebol português e, inicialmente, não foi algo bem-visto. És da opinião que faz sentido a inclusão de um psicólogo na equipa técnica?
Sim, sou a favor disso. Vemos que, hoje em dia, as grandes equipas têm na sua estrutura um psicólogo que ajuda não só jogadores, mas staff também. Para além do Manuel Cajuda, recordo-me que o Scolari também trouxe um psicólogo que, a meu ver, ajudou muito a Selecção.
Era esta força que te fazia acordar e levantar da cama quando, em estágios, o Tiago te mandava ir apagar a luz do quarto?
Isso são brincadeiras de estágios, entre amigos, que são importantes dentro de um balneário.
A camaradagem de outrora já lá vai ou resistiu ao tempo?
Já lá vai. Sou do tempo em que não havia telemóveis nos balneários. Havia brincadeiras entre todos, não era só um ou outro; eram todos: estrangeiros, portugueses… era tudo diferente de hoje em dia. Actualmente entra-se num balneário e vê-se três ou quatro a conversar e o resto com os fones, ou no Instagram… os tempos são diferentes e prejudicam o ambiente de balneário. Antigamente, as brincadeiras ajudavam um grupo a criar laços importantes no futebol. Felizmente tive sempre grandes balneários. Muita gente fala da família do futebol e eu tive a felicidade da maior parte ser uma família. As tecnologias vieram tirar muito disto.
Que história de balneário nunca contaste publicamente?
O que se passa lá dentro fica lá dentro. Tem de ser assim.
Porque é que, em mais de 20 anos de carreira, dizes que a transição de júnior para sénior foi a maior dificuldade que sentiste?
Os tempos mudaram, não só nestas coisas da tecnologia nos balneários. Actualmente existem campeonato sub-23 e equipas B, que no meu tempo não havia. Na transição de júnior para sénior, estive praticamente três anos sem jogar. Essa altura é difícil para um jogador de futebol; felizmente tive a sorte de pensarem que podia ter qualidade para jogar na equipa principal e mantiveram-me nos plantéis, mas sei de jogadores do meu tempo que não tiveram essa oportunidade. Havendo equipas B e sub-23 seriam mais dois ou três anos para provarem que tinham qualidade para jogar na equipa principal. Quanta mais competição tivermos, melhor somos, porque treinar não é a mesma coisa que jogar.
A questão da altura para guarda-redes também representou uma limitação?
Toda a gente diz que um guarda-redes tem que ser alto. O Jorge Jesus, por exemplo, considerava que eu era baixo; para ele, um guarda-redes tinha de ter para cima de 1,90m. Fiz a carreira que fiz com 1,84m, do qual eu me orgulho e fui campeão pelo Benfica duas vezes, ganhei a Taça de Portugal pelo Aves… orgulho-me daquilo que fui. Mas também te digo: se me senti prejudicado? Se calhar senti. Sei perfeitamente que, cada vez mais, as estruturas das equipas têm nas camadas jovens métodos que anteriormente não tinham, têm maneiras de conseguir ver, aos 13 ou 14 anos, a altura que irão ter quando tiverem 18 ou 19 anos.
– Anti-herói –
“Cajuda dizia-me que não era estético usar calças em vez de calções em campo”
Lembras-te do momento em que o mister Manuel Cajuda te disse que ias estrear-te pela equipa principal do Braga?
Lembro-me, porque o primeiro jogo fica sempre na memória. Só soube na palestra antes do jogo e, se calhar, foi o ideal, porque não houve tremedeira durante a semana ou no estágio. Fui mandado para dentro do campo poucas horas depois e foi óptimo. A partir do momento em que o árbitro apitou, passou o nervosismo, porque o foco é dentro das quatro linhas e esquecemos o resto.
Quanto ficou esse jogo?
Sei que foi em Setúbal (…) ficou 0-0!
Isto foi antes ou depois do mister Cajuda ter descoberto que fumavas às escondidas?
Não faço ideia (risos). É algo de que não me orgulho. Hoje em dia não fumo. Deixei a partir do momento em que tive uma lesão no tendão de Aquiles, mas posso dizer que fumei desde os 18 até aos 34 anos. É um vício tremendo, não foi fácil deixar, mas felizmente consegui.
A titularidade não teve continuidade e nas primeiras três épocas como sénior do Braga somas apenas cinco jogos no campeonato. Como geriste esta situação?
Tendo consciência da qualidade que sabia que tinha e tendo a confiança das pessoas da estrutura do clube. Sabia que mais cedo ou mais tarde poderia jogar assiduamente e veio a acontecer. Tive também a felicidade de trabalhar com grandes guarda-redes, que me ajudaram nessa altura, como o Rui Correia e o José Nuno Amaro.
É-te reconhecido um talento natural e és tido como alguém pacato e humilde, mas que guardava o esforço para os jogos. Esta postura pode ter-te custado caro ao longo da tua carreira?
Não concordo muito com essas opiniões… trabalhava, mas, como disse anteriormente, treinar é diferente de jogar. Havia sempre aqueles treinos, normalmente no dia antes do jogo, em que relaxamos mais e, se calhar aí, posso admitir que sim. Mas tentava dar sempre o meu melhor. Também te posso dizer que há jogadores que chegam aos treinos e partem tudo, com uma qualidade tremenda, e chegam aos jogos e as coisas não saem; isso é pior.
É inevitável perguntar-te também pela questão da imagem. Numa entrevista ao Jornal i, o mister Manuel Cajuda disse “Não era vaidoso, nunca gostou de falar muito, de dar muitas entrevistas. Por essa razão não tinha o marketing de outros.” Sentes que foste prejudicado por não ir ao encontro das axtuais convenções do mundo do futebol?
Sem dúvida. Não ia mudar a minha maneira de ser. Muita gente chegava ao pé de mim e dizia “Tens de mudar o visual, a tua maneira de ser” e eu dizia “Sou o que sou, farei a carreira que tiver de fazer e o valor é meu, não é do meu visual”. Fiz o que fiz graças à minha qualidade, não por causa da minha cara, do meu cabelo, como me visto ou como me equipo… lembro-me do mister Cajuda dizia que não era estético usar calças em vez de calções em campo. Sei que o visual é importante num jogador de futebol, cada vez mais; as próprias redes socias, que não utilizo… fui sempre diferente neste sentido.
Mais difícil era manteres-te fiel à tua vontade numa mesa com o Barroso e com o José Nuno Azevedo.
(risos) Epá, isso é uma história… Não foi só comigo! Eles guardavam sempre um lugar na mesa para o mais novo e a primeira vez que fui convocado disseram-me “Ó Quim vais sentar-te aqui” e lá me sentei. Depois percebi porquê: quando vieram servir-nos o vinho, disse ao senhor do restaurante que não bebia e o Barroso e o Zé Nuno diziam “Tens de beber! Bora!” e lá deixei que me enchesse o copo; quando acabaram os deles, vieram buscar o meu. Assim bebiam dois copos de Muralhas.
Na temporada 1997/98 ganhas o lugar a Wozniak e nunca mais o largas até saíres para o Benfica, em 2004. As gentes de Braga ficaram chateadas contigo?
É difícil responder… o Braga autorizou-me a sair, recebeu uma proposta e viu que era boa para o clube. As condições que me foram oferecidas pelo SL Benfica também eram melhores do que as que tinha, senão não ia. Não é por aí que as pessoas possam ficar sentidas comigo. Continuo a dizer que devo a minha carreira ao Braga e aquela cidade será sempre uma casa. Se me perguntarem por um clube de que gosto e apoio na primeira divisão digo o Braga, sem problemas. No entanto, e porque lá estive seis anos, também posso dizer que aprendi a ser do Benfica, porque é um clube fantástico; para mim é o maior clube português, sem qualquer dúvida.
– Trapattoni, Koeman e Jesus ou O Bom, O Mau e O Vilão –
“Saber pela televisão [que não contava para Jesus] não foi fácil”
Quando chegas ao Benfica, já havias dividido o balneário e a baliza da Selecção com Moreira. Como era a vossa relação?
Era boa. Como disseste, já conhecia o Moreira do Euro 2004 e não tenho nada a apontar-lhe. Era um jovem com qualidade e, tal como eu, queria jogar. Continuo a dizer que fiz a carreira que fiz graças aos meus concorrentes, porque obrigaram-me a trabalhar mais e melhor.
O que aconteceu para que, após a pesada derrota no Restelo, Trapattoni te desse a titularidade?
Lembro-me perfeitamente desse jogo e não deu qualquer justificação, nem ao Moreira, nem a mim; simplesmente disse-nos que ia mudar. Foi um resultado difícil [4-1] e, se calhar, foi por aí.
Como era o italiano em privado?
Era uma pessoa fantástica. Não é por nada que lhe chamam “Velha Raposa”. Ele não aprendia porque, de futebol, sabia tudo, só tinha a ensinar. E apesar da idade e do estatuto, chegou ali e corria connosco; ia à frente do pelotão. Tinha grandes conversas connosco… dentro do balneário, o importante é puxar os jogadores para o lado do treinador e ele conseguiu ter o plantel todo do seu lado. O Karadas veio como avançado-centro e ele foi capaz de convencê-lo a jogar a central, algo impensável. Para um treinador isto é meio caminho para as coisas saírem bem. Foi a peça mais importante para a conquista do título.
Que momentos recordas desse campeonato?
Dou-te três momentos. O último jogo no Bessa: foi um sentimento que ficará connosco. Sonhamos jogar num grande clube e ser campeão nacional e consegui. Foi um sonho concretizado. Outro foi a viagem do Bessa até Lisboa. Só do estádio até ao aeroporto Francisco Sá Carneiro demorámos não sei quantas horas; tantos benfiquistas que não nos deixavam passar, ainda para mais no Porto! E o golo do Luisão frente ao Sporting nos instantes finais.
Com Koeman, após a chegada de Moretto, perdes o lugar de titular até ao final da época. Foi-te dada alguma explicação?
Essa fase da minha carreira não foi fácil, porque eu estava a jogar e tive a infelicidade de, num jogo da Liga dos Campeões, em Villarreal, contrair uma hérnia inguinal. Fui operado na Alemanha e, pouco tempo depois, apesar de dizer claramente que ainda não estava em condições, fiz um forcing para jogar, apesar das dores: o mister Ronald Koeman insistiu, porque a equipa precisava de mim – o Moreira estava lesionado e só tínhamos o Rui Nereu – e ainda que não pudesse bater os pontapés de baliza, lá consegui. Durante duas ou três semanas, estive a jogar limitado, prejudicando a minha saúde, a pedido do treinador. Foi para mim um espanto quando, em dezembro, contrataram o Moretto numa quarta-feira e no sábado estava a jogar. Sem explicações. O futebol tem injustiças que não conseguimos explicar.
O que é que mudou com a chegada de Jorge Jesus à Luz?
O Jorge Jesus tem uma maneira de ser especial. Como treinador, ajudou muito a equipa. O que ele trouxe, a nível defensivo (…) não é fácil fazer o que Jesus fez nesse ano. Conseguiu pôr a defesa tão organizada que parecia que estavam sempre em linha. A exigência dele no treino era tão grande que a equipa chegava aos jogos e fazia igual. Ele tinha uma expressão “Bola coberta” e “Bola descoberta”… só mesmo ele. Defensivamente essa equipa era fantástica. Para a frente, a qualidade de jogadores que tínhamos nesse ano era imensa; era fácil.
Essa exigência é um pau de dois bicos?
Como treinador, é dos melhores com quem trabalhei. Vai ao pormenor, mas muitas vezes torna-se cansativo. Um ano inteiro a trabalhar com ele não é fácil, mas para as coisas saírem perfeitas tem de ser mesmo assim.
Convidado do programa “Trio D’Ataque”, o agora treinador do Flamengo disse “O Benfica vai contratar um guarda-redes e ficar com três. O Quim sabe, perfeitamente, qual é a minha ideia”. Sabias realmente qual era a ideia de Jorge Jesus?
Não sabia. Foi uma das coisas que não percebi no futebol. Não é fácil fazer 30 jogos e sair. Não digo que fui dispensado, porque terminava o contrato, mas o Moreira também acabava – não fez jogo nenhum para o campeonato – e continuou; o próprio Júlio César ficou. O guarda-redes que fez 30 jogos no campeonato não foi sequer consultado para saber se queria continuar. Para mim foi complicado e, o que soube, foi pela televisão. Mas sabia perfeitamente que, se houvesse vontade do treinador em que eu continuasse, ter-me-iam dito mais cedo; tinha esta consciência, mas saber pela televisão não foi fácil.
Terias aceitado ficar no Benfica sabendo que não serias a primeira opção?
Não vejo por que não. A minha maneira de pensar não iria ser a de segunda opção: iria trabalhar para ser a primeira. Se calhar no início (…) repara numa coisa: o Roberto, quando chegou, as coisas não lhe correram muito bem… eu ficando lá, sabia perfeitamente que podia entrar e seria tudo diferente. O futebol é mesmo assim.
– Imperador em Bracara Augusta –
“Acredito que, mais ano, menos ano, o Braga será campeão nacional”
Porque é que voltas a Braga?
Como foi público que não ia ficar no Benfica, passados poucos dias ligou-me o Presidente do Braga, a perguntar-me se queria voltar. Não pensei duas vezes: o Braga para mim foi tudo e adoraria ter terminado lá a carreira. Era o meu objectivo quando saí do Benfica.
A lesão no tendão de Aquiles, contraída ainda durante a pré-época, levou-te a ponderar terminar ali a carreira?
Algumas pessoas quiseram que eu pensasse nisso. Não digo que foi propositado; fizeram-no porque a lesão era tão complicada que, para meu bem, tentaram “alertar-me” que seria difícil continuar a jogar ao mesmo nível. Mas disse para mim mesmo “Não! Isto vai passar-me, vou trabalhar para voltar a jogar!”. Não me fiquei, não me dei por vencido e, felizmente, consegui – apesar de, dois meses após ser operado, ter tido uma recidiva e ter de voltar a ser operado, que me deixou praticamente um ano sem jogar.
É nessa altura, de maior stress, que deixas de fumar.
Os médicos do clube aconselharam-me a fazê-lo, porque fumar prejudicava a recuperação.
Regressas à competição na época seguinte e assumes-te como titular indiscutível na equipa de Leonardo Jardim. Já se lhe antevia qualidade para outros voos?
Lembro-me que existiam algumas dúvidas acerca da qualidade do mister Leonardo quando chegou a Braga, apesar da boa réplica no Beira-Mar, mas que ficaram desfeitas após essa época. Tinha uma grande qualidade, não só como treinador, mas também como pessoa. Conseguiu pôr um grupo de jogadores, titulares e suplentes, a lutar pelo mesmo objectivo; tinha mão neles todos.
Na última época ao serviço dos minhotos, pese embora percas o estatuto de titular absoluto, és determinante na conquista da Taça da Liga. Foi este o accionar do gatilho que faltava ao Braga para se assumir de vez como candidato ao título de todas as provas internas?
Acredito que sim. Quando regressei ao Braga, era tudo muito diferente de quando fui para o Benfica… quando saí, o clube já estava a subir, mas, quando voltei, deparei-me com um clube que já podia ser considerado “grande”. Ainda sou do tempo em que o Braga lutava para não descer. Consegui apanhar o clube em crescendo, as várias fases, que culminaram num Braga a lutar pelos primeiros lugares e pela Europa, mas faltava sempre um título. As pessoas sabiam que o mais difícil seria o primeiro e, quando conquistámos essa Taça da Liga, sentimos isso. Foi muito importante para o clube ter conquistado esse troféu. Acredito que mais ano, menos ano, o Braga será campeão nacional.
Para fechar o capítulo Braga, não posso deixar de perguntar se tens remorsos por ter tirado ao Hulk a possibilidade de repetir o golo de Roberto Carlos frente ao Tenerife com uma defesa impossível.
Essa foi daquelas defesas que não consigo explicar, que saem (…) tive a felicidade de tocar na bola e desviá-la para cima, porque em lances daqueles tocamos na bola e ela vai para dentro da baliza. Não estava à espera que o Hulk fosse pô-la na baliza. É uma defesa que fica na memória.
– Velhos são os trapos –
“Se não tivéssemos vencido a Taça e se o clube quisesse, continuava mais uma época”
O ingresso no Desportivo das Aves foi encarado como um passo atrás para dar dois à frente ou deveu-se apenas ao prazer de continuar a jogar?
De maneira alguma. Tinha possibilidade de continuar a jogar na Primeira Liga depois de sair do Braga, mas a partir do momento em que apareceu o Desportivo das Aves disse “É isto!”. A idade já era um bocado avançada e queria ficar em “casa”, estar próximo da família; da Vila das Aves até onde moro são 15/20 minutos. O Aves era um clube com o qual me identificava, um clube humilde e que me abordou de uma maneira de que gostei. O objectivo era ajudar o clube a subir de divisão e conseguimos. Nunca me irei arrepender desta decisão.
Nos anos que antecederam a subida de divisão, foste eleito o melhor guarda-redes a actuar na Segunda Liga por duas ocasiões. Sentias que ainda tinhas capacidade para estar na primeira divisão?
Posso dizer-te que, no final do primeiro e segundo ano no Aves – e, se calhar, no final do terceiro ano, também – tive propostas para voltar à Primeira Liga. O objectivo não era jogar na primeira ou na segunda divisão, mas sim jogar onde me sentia bem e onde as pessoas gostassem de mim. Vi no Aves esta oportunidade e preferi continuar no clube, mesmo sendo numa segunda liga, porque mantinha a paixão de jogar futebol e o clube deu-me a possibilidade de fazê-lo até aos 42 anos.
Tocaste num marco histórico. Qual é o significado de bater o recorde de jogador mais velho de sempre a competir na Primeira Liga, ainda mais contra o Benfica e com a exibição que fizeste?
É um como tantos outros. Nunca procurei jogar para bater esse recorde. Aconteceu. Procurava, sim, jogar e sentir-me bem.
Se não tivesses ganho a Taça de Portugal, tinhas-te reformado?
Pergunta difícil (risos). Se não tivéssemos vencido a Taça e se o clube quisesse que continuasse, se calhar continuava mais uma época. Nesse ano, o último de contrato, o Aves praticamente disse-me para fazer o que eu quisesse.
Qual a memória mais forte dessa altura?
A semana seguinte a termos conquistado a Taça de Portugal. Estamos a falar de uma vila com poucas pessoas, mas que mereciam tanto aquela vitória que eu não consigo salientar um momento… foi a semana antes, a semana depois (…) o que as pessoas vibraram! Foi uma alegria imensa para as gentes da Vila das Aves, que continuam, ainda, a sentir esse jogo. Quer queiramos, quer não, o Aves foi apenas o 13.º clube a ganhar uma Taça de Portugal e isto não é para qualquer um.
– Roleta Russa –
“Não é fácil o Aves manter-se na Primeira Liga”
Arrependes-te de não ter experimentado o estrangeiro?
Não sei… tive uma ou outra situação para emigrar, mas os momentos não foram os ideais. Por exemplo, numa delas, a minha esposa estava grávida do nosso primeiro filho e preferi ficar próximo da minha família.
De que equipas estamos a falar?
Esta de que te falei era para a Rússia, para o Dínamo de Moscovo, para onde foram muitos portugueses.
Começaste a ser convocado para as selecções nacionais nos juvenis do Braga e és campeão europeu de juniores em 1994. Quem era a estrela da equipa?
A estrela era a própria selecção. Era composta por jogadores que vinham a fazer grandes campanhas desde os sub-15 e que jogavam juntos há muitos anos. Lembro-me de muitos jogadores que fizeram uma grande carreira: Nuno Gomes, Dani, o próprio Beto…
Baía e Ricardo foram os justos titulares da baliza da Selecção em 2002 e 2004, respectivamente?
Não é a mim que tens de perguntar. Foram dois grandes guarda-redes, que fizeram muito pelos seus clubes e pela Selecção Nacional. Foram opções dos treinadores. O Vítor será sempre o ídolo de infância e o Ricardo também era outro grande guarda-redes. Tive o prazer de jogar com eles e disputar com ambos a baliza da Selecção.
Actualmente és Treinador de Guarda-Redes do Desportivo das Aves. Como vês a actual situação financeira e desportiva do clube?
Não é fácil, mas acredito que as coisas poderão ser diferentes. São situações sobre as quais preferia não falar. Acima de tudo, dizer que o clube tem de ir para a frente, apesar de estar a passar por uma fase difícil; temos de saber conviver com os bons e com os maus momentos, da mesma forma que os jogadores de futebol. Neste momento, sabemos que não é fácil o Aves manter-se na Primeira Liga, mas, caso desça, o objectivo é regressar o mais rápido possível, porque é este o lugar do clube.
Lembrar o Quim é lembrar grandes defesas, títulos e… um gesto muito peculiar quando sofria golos. Tinhas essa percepção?
(risos) Sinceramente não tinha! Só há uns tempos é que me disseram que existia um vídeo no Youtube com esse gesto e realmente confirma-se… era o instinto! Quem reparou, reparou bem!
A defesa mais fácil continua a ser mais importante do que a difícil?
Penso que sim. Enquanto treinador de guarda-redes tento explicar isso. Hoje em dia, o mais difícil é o mais fácil. Podes estar oitenta e tal minutos sem fazer uma defesa e, de um momento para o outro, ser chamado a intervir; tens de estar com a concentração no máximo para quando esse momento chegar.
Obrigado, Quim."
13 de maio de 1985. Quando as pessoas certas foram postas a jogar nas posições certas e o Verona foi campeão de Itália
"Há 35 anos, um clube iô-iô, que tinha subido à Série A apenas três épocas antes, foi campeão italiano. No meio do Nápoles de Maradona, da Juventus de Platini ou do Inter de Rummenigge, o Hellas Verona passou 29 das 30 jornadas do campeonato em primeiro lugar, provou que os contos de fadas existem e deu razão ao seu treinador: "Não inventei tácticas, não houve nada de maquiavélico. O futebol é um jogo simples e deixei-os expressarem-se livremente"
São tempos de camisolas justas e grossas, calções curtos, caneleiras só para quem quiser, e meias reduzidas à altitude dos calcanhares. Vê-se a farfalheira de bigodes com fartura e penteados selvagens em tipos que jogam com fios de ouro ao pescoço. Não há cá chuteiras espampanantes, o negro mantém a sobriedade nos pés de génios. E Itália ainda é o íman para o futebol.
É lá que os melhores jogam, é para lá que quem deseja ser melhor pretende ir e lá estão as atenções dos que desejam ver a melhor forma possível de humanos aos pontapés na bola. Os anos 80 futebolísticos nutrem um carinho especial pela Série A, mesmo que os italianos não se curvem perante o interesse vindo de fora e se revoltem contra o raiar do interesse estrangeiro.
Cada clube tem direito, apenas, a ter dois jogadores de fora. O francês Michel Platini e o polaco Zbigniew Boniek são da Juventus. O brasileiro Falcão está na AS Roma. O conterrâneo Sócrates vive na Fiorentina. O alemão Karl-Heinz Rummenigge joga no Inter de Milão. E o particular argentino Diego Armando Maradona acaba de se mudar para o Nápoles, clube que à primeira jornada da época 1984/85 vai a Verona.
É o Maradona pré-falência derivada da cocaína, pleno possuidor das suas capacidades de jogador superior a qualquer outro, chegado ao sul de Itália para resgatar um clube rumo aos primeiros títulos. Da visita à cidade onde Shakespeare romantizou palavras, não se esperava grandes problemas causados pela equipa local.
O Hellas Verona ficara sexto lugar na época anterior, em quarto na antes dessa e fora finalista vencido das últimas duas Taças de Itália, mas só três anos antes subira à primeira divisão. Era visto como é hoje, um clube iô-iô, ia e voltava das catacumbas do futebol com a mesma rapidez, a gravidade da bola parecia ser-lhes mais castigadora. Só que, nessa primeira jornada, houve uma surpresa: ganhou por 3-1.
A influência de Maradona foi abafada pelo alemão Hans-Peter Briegel, um todo-o-terreno contratado ao Kaiserslautern que até marcou um golo, sendo outro de Antonio di Gennaro e o restante de Giuseppe Galderisi, um refugiado do tempo de jogo que fugira da Juventus em busca de minutos.
Com um jogo feito, o Hellas Verona tinha a coincidência inócua de estar em primeiro lugar no campeonato, que já calhou a muitos clubes, em muitos países, e continuará a calhar, mas, vieram as semanas, os jogos, as malvidências e os dizeres de que isto um dia vai acabar, e nada. Da primeira à trigésima jornada, apenas sairiam do trono na décima sexta.
Na vigésima nona e penúltima, a 12 de maio de 1985, eram campeões de Itália. A melhor equipa era a sem estrelas, a do conjunto de jogadores colados pelo suor em vez da pompa dos nomes, mesmo que houvesse Briegel, um internacional alemão, e também Elkjaer Larsen, dinamarquês que ainda ninguém sabia, mas ficaria em terceiro e segundo nas votações para duas Bolas de Ouro dali para a frente.
Todos foram canalizados para um futebol vistoso, contra-atacante e descomplexado por Osvaldo Bagnoli, o treinador que somente utilizaria 17 jogadores durante a época e não teve pudores em admitir, mais tarde, que foi tudo uma questão de escolher quem devia para os lugares adequados.
Porque o futebol "é um jogo simples", resumiria ao site "Goal", ao explicar a simplicidade dizendo que "o importante é ter sorte e encontrar os tipos certos, pô-los nas posições certas e deixá-los expressarem-se livremente".
Bagnoli acreditava que "é a sua força de vontade que se sobrepõe a tudo”, parecia menosprezar conceitos como "a pressão e a marcação à zona", ao classificá-los como "não indispensáveis", sumarizando a época ganhadora com o Hellas Verona com uma frase - "Liderei jogadores que mereceram ganhar o scudetto sem inventar tácticas, sem maquiavelismo ou segredos". Galderisi, que já reformado e grisalho viria a treinar o Olhanense, em 2014, diria ao jornal "i" que "na pré-temporada [falaram] em evitar a despromoção" - "era uma boa equipa, mas ninguém pensava que podíamos ganhar".
Mas venceram, foram os melhores e tiveram que olhar bem para baixo para verem a Juventus no quinto lugar e a AS Roma em sétimo, os dois anteriores campeões italianos, entre os quais se ensanduichou o AC Milan. Os típicos matulões da Série A acabaram em posições derrotadas na primeira temporada da história em que a liga italiana passou a sortear os árbitros para cada jogo, em vez de os nomear. E muita gente associou o feito do Hellas Verona esta mudança.
Essa alteração na arbitragem viera, em grande parte, do Totonero, o primeiro grande escândalo de corrupção no futebol italiano, que rebentara cinco anos antes ao provar-se que existia uma rede de apostas e combinação de resultados. AC Milan e Lazio seriam despromovidos e deduziriam-se pontos ao Avellino, ao Bologna e ao Perugia.
Em 1984/85, para evitar eventuais influências dos clubes mais poderosos, os árbitros foram sorteados e não nomeados. O Hellas Verona foi campeão. Na época seguinte, reverteu-se às nomeações. Até hoje, apenas dois clubes seriam campeões da Séria A sem que antes já o tivessem sido."
Aspetos psicológicos associados ao retorno à prática futebolística: uma nova exigência de adaptação para jogadores e clubes
"A percepção temporal e espacial são fenómenos de uma subjectividade difícil de quantificar. O período de “isolamento social” (entenda-se, físico) chegou tão rapidamente como da mesma forma poderá estar para desaparecer – e este tipo de fenómeno nada tem a ver com a verdadeira duração do período de isolamento e desconfinamento, mas sim com a percepção individual de cada sujeito e, em boa medida, com as suas capacidades em activar uma adaptação eficiente à adversidade.
De facto, podemos constatar que a narrativa das pessoas que atravessam este período conturbado da nossa história, mesmo das que acabaram por estar relativamente protegidas dos efeitos mais nefastos da pandemia (ou seja, tendo mantido algum senso de protecção, seja no que respeita à sua saúde ou à sua capacidade de manter emprego), difere de acordo com a qualidade de saúde mental que conseguiram manter, com a presença ou não de fenómenos de natureza ansiogénica e a capacidade em tornar este período como um período de crescimento pessoal ou profissional (apostando em formação, por exemplo).
Podemos dizer, por isso, e para a generalidade das pessoas, que a realidade que as rodeia não as define, mas a sua resposta à mesma sim - e aqui assentam os recursos pessoais de cada um, que determinarão a capacidade em lidar positivamente com uma situação de (potencial) crise.
Adaptação
Da entrada abrupta de uma pandemia pela nossa realidade quotidiana e consequente necessidade imperativa de todo um conjunto de alterações à nossa rotina e à nossa forma de “estar” com o outro, à nossa fiscalidade e forma de comunicar (como povo latino que somos), passámos quase “num piscar de olhos” para uma realidade (e necessidade) de desconfinamento para o retorno a uma “normalidade possível”.
E o desporto não só não foi excepção, como sentiu (e sente) este mesmo fenómeno de uma forma ainda mais vincada.
Prova atrás de prova, campeonato atrás de campeonato, todas as competições foram sendo canceladas, culminando todo este processo na suspensão das ligas profissionais de futebol e, até, no adiamento dos Jogos Olímpicos.
Se pensarmos que, quando falamos de atletas de alto rendimento, muito frequentemente falamos de pessoas que, desde idades muito precoces (5 ou 6 anos) dedicam a sua existência a uma modalidade que, muito frequentemente se confunde com a sua identidade, podemos imaginar a amplificação da emocionalidade vivida neste tipo de contextos.
Fenómenos como uma imensa sensação de isolamento por os seus pares e figuras de referência estarem associados a um só contexto, a perda de objectivos competitivos que possam dar sentido ao treino (e acções) diárias, o receio amplificado de adoecer com consequentes repercussões para a sua capacidade em manter uma dada performance desportiva (nomeadamente num possível final de época onde se podem vir a negociar novos contratos ou patrocínios), a sensação de poderem estar a ficar em desvantagem face aos seus adversários ou a instalação de dúvidas recorrentes (obsessivas até) acerca da sua capacidade em responder positivamente às exigências que possam surgir no retorno à competição entre outras possibilidades, facilitaram em larga medida a instalação de fenómenos de ansiedade que podem ter conduzido os atletas para uma expressão de comportamentos que podem ter ido da negação (envolvendo-se em comportamentos de risco - exposição), à adaptação positiva até ao excesso de zelo, com activação de quadros obsessivos ou, em boa medida, de activação de stress pós-traumático.
Aos atletas foi, por isso, exigida uma enorme capacidade de adaptação (da qual já falámos num artigo anterior) à qual, de uma forma geral, acabaram por responder positivamente, conforme pudemos constatar num sem número de exemplos que nos foram inspirando diariamente.
Contudo, numa fase em que os atletas, de alguma forma, haviam já identificado os recursos necessários para lidar com a realidade que os rodeava (o confinamento), novo desafio surgiu: o desconfinamento e, com ele, a possibilidade de um retorno à prática.
O que podemos, então, esperar no que respeita a esta nova exigência de
adaptação?
- O confronto com a percepção aumentada de risco de contágio e consequente compromisso da sua integridade física e dos seus familiares;
- A adaptação a um novo contexto de treino: menos pessoas, mais resguardo, mais distanciamento, contacto físico proibido e um conjunto de directrizes muito restritas (protocoladas num plano de contingência), no que respeita ao cumprimento de um rígido protocolo de saúde, higiene e confinamento, com o intuito máximo de salvaguardar a integridade física (e os direitos), dos atletas, staff e suas famílias (aliás, extensível às mesmas);
- A adaptação a um novo contexto competitivo: esvaziado de pessoas, adeptos e claques que, tal como os atletas, assumem um claro papel neste tipo de espectáculos desportivos, funcionando em boa medida como um factor de motivação para os atletas;
- A disciplina para cumprir com rigor um escrupuloso plano de contingência, que reflicta as directrizes da DGS;
- E, entre muitas outras “novas formas” de viver a sua actividade profissional, a necessidade de reinventar a relação com colegas, adversários e equipas de arbitragem, no que respeita a comportamentos que estão perfeitamente automatizados na expressão de alegria ou frustração.
Esta lista poderia ser, de facto, infindável porque, em boa medida, a realidade que nos envolve comporta um sem número de possíveis factores de stress até agora inimagináveis que irão, em boa medida, promover impactos diferentes (positivos ou negativos), naquela que será a qualidade desportiva que as equipas irão ser capazes de activar a cada momento.
E mais adaptação.
Há algo que podemos ter como certo: a enorme capacidade de adaptação do ser humano – somos extraordinariamente resilientes e proactivos na criação de soluções para nos ajudar a reagir à adversidade.
A criação de directrizes claras por parte da DGS e a implementação de um “código de conduta” para todos os intervenientes pode garantir, à partida, a conquista de “mínimos olímpicos” que possibilitem não só securizar a integridade física de todos como, através do seu cumprimento escrupuloso, tornar o Desporto num novo exemplo da força que o compromisso de “grupo” pode transportar, perante a sociedade em geral.
E, este, será sem dúvida, um importante primeiro passo.
Mas outros deverão seguir-se.
Da integração de profissionais especialistas em Saúde Mental (internacionalmente recomendada por diferentes organismos) que ajudem a identificar precocemente a instalação de possíveis fontes de stress que possam comprometer os indicadores de saúde mental de atletas e restante staff, ao envolvimento de toda a estrutura na criação de um pacote de medidas que promovam canais de comunicação abertos com os atletas, no sentido de identificar, a cada momento, possíveis factores que desencadeiem respostas comportamentais que prejudiquem a coesão do grupo e a performance do mesmo, muito há a fazer.
Este é, por isso, um difícil exercício de crescimento pessoal, mas também organizacional, na medida em que as instituições envolvidas, também elas (e numa base diária), devem evidenciar esforços de adaptação crescente, garantindo dessa forma, terreno fértil para que os seus atletas possam sentir as suas necessidades “vistas” e o seu sentimento de segurança e pertença reforçado diariamente.
É, curiosamente, e por isto mesmo, também uma oportunidade para clubes e diferentes organizações alavancarem não só a reputação interna que vêem reconhecida pelos seus trabalhadores, mas também a reputação externa do desporto na sociedade em geral."
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