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terça-feira, 7 de junho de 2011

A dimensão europeia do Benfica

"Chegou o dia: 31 de Maio de 1961! A data em que o Benfica consagrou o seu nome pela Europa fora. Os 'encarnados' deslocaram-se para a Suíça com uma semana de antecedência. Ali estagiaram num local recatado e aprazível. O Barcelona, adversário do 'Glorioso' na final de Berna, aterrou na cidade helvética com a auréola de vencedor pré-enunciado. Os 'blaugrana' com uma frente atacante composta pelos húngaros Kubala, Kocsis e Czibor, a que juntavam o brasileiro Evaristo e o super avançado espanhol Suarez, eram uma formação temível. Não só por todos estes elementos de valia, mas pelo poderio granjeado ao longo da década de 50, em que os catalães disputaram o domínio pelo futebol no país de 'nuestros hermanos' e no 'Velho Continente' com o grande rival Real Madrid, o Barcelona antecipava o caminho da história da UEFA.
Antes, os 'merengues' haviam constado cinco Taças da Europa, de forma consecutiva. Desta feita, eliminados pelo Barça nos oitavos-de-final da prova, suponha-se terem aí passado o testemunho ao novo vencedor da competição.

Um confronto entra David e Golias
O Barcelona, com o futebol profissionalizado há bastante tempo, para chegar a Berna deixou por terra o 'Pentacampeão' Madrid, mas também o grande Hanburgo de Uwe Seeler. Na extinta Taça Latina arrecadara dois troféus, em 1949 e 1952. Ao invés, o Benfica um clube que abraçara o profissionalismo somente em 1954, participava na Taça dos Campeões pela segunda vez e lutava pelo reconhecimento a nível europeu e mundial, apesar, de ter, como se sabe, triunfado no Campeonato Latino de 1950. Portando, constava-se um desafio entre dois pólos opostos.
Os espanhóis iniciaram o encontro numa toada lenta. Todavia, fruto da superioridade que ostentavam, inauguraram o marcador à passagem do minuto 20, por intermédio de Kocsis. Com Costa Pereira na baliza, os raçudos Mário João e Ângelo nas laterais, os consistentes Neto, Germano e Cruz na zona central, e veloz José Augusto, o estandarte Coluna, os tecnicistas Santana e Cavém e o 'matador' Águas reagiu o Benfica à vantagem 'culé'. À meia-hora, após jogada rápida pela esquerda, o 'capitão' empurrou para o empate. Um minuto depois, as 'águias' colocaram-se em vantagem, beneficiando da infelicidade da defesa catalã, com Ramallets a marcar na própria baliza. Reviravolta na 'placard' e agora a história haveria de ser definitivamente diferente.

Grande Benfica para a vitória
Entrada forte do 'Glorioso' no segundo tempo. Quando a televisão suspendia a emissão, por falta de condições técnicas, o Benfica ampliava a vantagem para dois golos. Coluna, com um potente e colocado remate na zona da meia-lua da área do Barcelona, ascendia o marcador para 3-1, aos dez minutos da etapa complementar. Um sensacional disparo, a recordar o chamado 'pontapé de moinho', para o ângulo inferior direito da baliza de Ramallets.
A capacidade de sofrimento dos atletas encarnados foi sublime até final. Aos 75 minutos, o Barça reduziu, grande tento de Czibor, de pé esquerdo, sem 'chances' para Costa Pereira. O Campeão espanhol começou a apertar, em busca da igualdade. Mário João e Ângelo limpavam o esférico do perigo, o gigante Germano varria as bolas difíceis e o Guarda-redes Costa Pereira realizou a exibição de uma vida, impedindo o golo por diversas ocasiões. Ele... e os postes, diga-se. É que perto do fim, os jogadores Benfica viram a bola na madeira direita, para logo em seguida observarem novo lance, em que a 'redondinha' pingou num poste, andou sobre a linha e embateu no outro poste. Sorte para as 'águias'. E a definitiva glória estava ali tão perto. Pertíssimo, fazendo o clube jus à ostentação do nome de 'Glorioso' para a enternidade.
Um emblema português, de um pequeno país marcado por uma ditadura fascista, tornava-se no sucessor do Real Madrid de Puskas e Di Stefano. A Europa futebolística passou a respeitar o Benfica, como um grande do 'Velho Continente'. Ganha a dimensão europeia, faltava mantê-la. Bem se pode dizer que, 50 anos depois, os jogadores que têm defendido as cores 'encarnadas' dignificaram o nome do Benfica, prestigiando o Clube pelo mundo. Vejamos: nova vitória na Taça dos Clubes Campeões Europeus em 1962, três presenças na final da Taça da Europa na década de 60, outras três aparições nos anos 80, inúmeras presenças em fases adiantadas das competições europeias e muitas digressões pelo planeta, onde o Benfica é chamado a representar o nome de Portugal.
31 de Maio de 1961 foi há 50 anos. Comemora-se a primeira vitória da Taça dos Clubes Campeões Europeus. Parabéns aos 14 atletas, que ilustraram o imaginário de sonho dos benfiquistas. Mas acima de tudo, Parabéns ao Sport Lisboa e Benfica!"

João Queiroz, in O Benfica

Voltar a ganhar

"Antes de ser um espectáculo, o Futebol é um jogo, que vive de resultados. Quando se ganha, tudo está bem, quando se perde, tudo se transforma subitamente. Procuram-se então as razões para a derrota, mas essa busca nem sempre é conclusiva. Na verdade, uma importante fatia do êxito ou inêxito desportivo reside na natureza aleatória do próprio jogo, e procurar causas para certas derrotas (sobretudo quando ocorrem entre equipas da mesma igualha) é como tentar perceber porque não acertamos no Euromilhões. Havendo que vender jornais, e que subir audiências televisivas, somos frequentemente confrontados com análises que, a partir do resultado, constroem uma retórica de vazio, por vezes divertida, por vezes interessante, mas raramente esclarecedora. Estamos a falar de Futebol, que não sendo propriamente uma ciência oculta, também não aceita prognósticos antes dos jogos - como uma voz sábia um dia nos ensinou.

Existe uma outra fatia deste bolo, que pode, essa sim, ajudar a explicar sucessos e fracassos com alguma objectividade. Arbitragens, lesões, ou simples mérito dos adversários, são aspectos que interferem nas performances competitivas, desenhando-lhes o rosto, e traçando-lhes o rumo. Todos eles condicionaram, directa ou indirectamente, a temporada do Benfica: Benquerença em Guimarães e Xistra em Braga (não esquecendo outros), lesões de Salvio e Gaitán em altura de decisões (sem falar de Ruben Amorim), e 'last but not least', um super-FC Porto (provavelmente o melhor de todos os tempos), marcaram inegavelmente o nosso destino, não permitindo que o sucesso do 2009/10 pudesse ser repetido.

Nestes dois parágrafos está espremido muito do sumo das nossas frustrações. Creio, honestamente, que nelas se situa a maior parte dos fundamentos para os pobres resultados conseguidos. Basta imaginarmos uma época com arbitragens perfeitas, sem lesões, com alguma sorte (por exemplo em bolas que bateram nos postes) e com o FC Porto do ano anterior, para percebermos o quanto poderíamos ter sido felizes com o mesmo plantel, com o mesmo treinador, e com a mesma metodologia de trabalho.

Azar, arbitragens, lesões e um opositor fortíssimo são, de facto, factores suficientes para explicar uma época de desilusões. Mas seria errado, e até contraproducente, concluir então que, para além deles, nada de mais ou de melhor poderíamos ter feito. Esconder a cabeça na areia não é política de campeões, e o Benfica - que melhorou bastante nos últimos anos - tem de saber aprender com os erros, aprendendo também a evitá-los, aumentando as possibilidades de sucesso, e reduzindo o campo de acção aos desígnios da fortuna. É justamente dessa componente interna (a única, afinal, em que podemos interferir) que nos devemos ocupar agora, de modo a que 2011-2012 possa ser uma temporada bastante mais feliz.

O FC Porto preparou-se convenientemente, no Verão passado, para enfrentar um grande e temível Benfica, acabando a época a ganhar-lhe em toda a linha. Cabe-nos a nós, agora, prepararmo-nos meticulosamente para o combate com um grande e temível FC Porto, de modo a que, dentro de poucos meses, lhe possamos ganhar também. O desafio não é fácil, mas um clube com a dimensão do nosso tem de saber estar à altura. A alternativa seria o assumir de um estatuto de inferioridade, que nenhum de nós está disposto a aceitar.

Numa análise necessariamente superficial, e com as limitações próprias de quem está do lado de fora, eu identificaria cinco cinco itens, em face dos quais o Futebol benfiquista pode, e deve, melhorar, aproximando-se da concorrência mais directa - que é como quem diz, daquele que foi o grande triunfador da temporada. Nesse sentido, haveria que:

1) Dotar a equipa de um perfil atlético bastante mais robusto;

2)Incutir-lhe agressividade, combatividade, e mentalidade ganhadora;

3) Manter humildade na acção e no discurso;

4) Aperfeiçoar os timings da definição de plantel;

5) Privilegiar a solidez defensiva.

Na minha modesta opinião, parecem-me ser estes os vectores em que, no campo e fora dele, o Benfica tem mais espaço para crescer competitivamente.

Alguns deles podem subdividir-se. Por exemplo, o ponto 1) prende-se, por um lado, com a política de aquisições, por outro, com o planeamento físico, e até, porventura, médico. O ponto 2) pode ter a ver com disciplina e rigor, com cultura, mas também com protecção, acompanhamento e afecto. O item 3) refere-se aos dirigentes, aos profissionais, mas também aos sócios e adeptos. E todos eles estão, de alguma forma, interrelacionados: uma equipa mais robusta, e com maior agressividade, garantirá maior solidez defensiva, um plantel definido atempadamente, pode facilitar a implementação de um registo ganhador, e assim sucessivamente.

..."


Luís Fialho, in O Benfica