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domingo, 4 de agosto de 2019

Um Benfica a pressionar alto e o Sporting com olho nas transições

"A equipa de Bruno Lage deverá pressionar perto da área e querer forçar o ataque à profundidade do Sporting, uma equipa descoordenada a lidar com o espaço atrás da linha defensiva - esta é a análise de Tiago Teixeira sobre o que podemos esperar da Supertaça (20h45, RTP1) onde os velhos rivais se reencontram

É sempre muito difícil perceber quem poderá apresentar-se melhor num dérbi, principalmente numa fase tão inicial da época. Ainda assim, os jogos de pré-temporada deixaram no ar o que poderá vir a ser o jogo da Supertaça entre os dois eternos rivais, o Benfica – atual campeão nacional, e o Sporting – detentor da taça de Portugal.

Um Benfica Mais Pressionante e a Explorar a Profundidade
Tendo em conta os jogos amigáveis que o Benfica realizou, durante a preparação para a nova época, é de prever que Bruno Lage opte por uma estratégia pressionante, não permitindo muito tempo e espaço para os centrais e médios do Sporting ligarem a fase de construção com a de criação.
A dupla de avançados, que deverá ser composta por Seferovic e Raúl de Tomás, será responsável pela primeira ação de pressão, com Gabriel e Florentino sempre atentos aos médios do Sporting, que se colocarão atrás da primeira linha de pressão encarnada.
Será um Benfica igualmente pressionante no momento da transição defensiva, com claro destaque para Gabriel e Florentino. Sempre posicionados fora do bloco defensivo adversário, os dois médios serão o “tampão” do Benfica no momento da perda, tentando condicionar rapidamente e de forma agressiva, as linhas de passe curtas do Sporting.
Com bola, e mais concretamente em ataque posicional, os posicionamentos serão os mesmos da época passada e os que se viram durante a pré época. Gabriel e Florentino no duplo pivô, sempre em cobertura.
Os dois médios-ala, Rafa pela esquerda e Pizzi pela direita, aparecerão muitas vezes no corredor central, no espaço entre a linha defensiva e a linha média do Sporting (objectivo é fazer a bola chegar a esse espaço), deixando a largura para Grimaldo – sempre muito envolvido no processo ofensivo, e para Nuno Tavares, que sendo canhoto e jogando a lateral direito, não deverá ser tão acutilante ofensivamente como o espanhol. Raúl de Tomás deverá aparecer mais no espaço entre linhas e Seferovic a movimentar-se mais em profundidade.
O ataque à profundidade poderá revelar-se decisivo no jogo da Supertaça. Além do Benfica contar com jogadores com muita qualidade no passe como Gabriel e Pizzi, e com avançados que se movimentam muito bem como Seferovic e Raúl de Tomás, vão enfrentar uma linha defensiva que tem revelado muita descoordenação no momento de controlar o espaço nas suas costas, pelo que pode estar aí um dos principais focos de desequilíbrio a aproveitar por parte dos encarnados.

Um Sporting Liderado Por Bruno Fernandes e Perigoso nas Transições
Seja em 4x2x3x1 ou em 4x4x2, o Sporting não deverá abdicar de construir de forma apoiada desde zonas recuadas, ainda que a pressão agressiva do Benfica possa tornar essa tarefa complicada. 
Wendel e Doumbia formarão o duplo pivô, que na construção aparecerá nas costas da primeira linha de pressão do Benfica. Bruno Fernandes, independentemente da posição onde jogará, terá liberdade para aparecer nas costas dos médios do Benfica (quantas mais vezes receber a bola entre linhas mais perigoso o Sporting será), onde contará com a proximidade de Vietto. Raphinha, no lado direito, adoptará uma posição mais aberta, de modo a explorar a profundidade. Dost será a principal referência em zonas de finalização.
Sendo expectável que o Benfica vá pressionar muito aquando da perda da bola, o Sporting pode ter nas transições ofensivas uma das principais armas para chegar, em condições vantajosas, à baliza do Benfica. São dois os motivos principais:
1 - A velocidade com que Wendel e Raphinha chegam a zonas de finalização, após o momento da recuperação de bola. Dost e Vietto serão as primeiras referências ofensivas (Dost para receber de costas e tocar em quem aparece de frente, e Vietto para conduzir), com Wendel, mais pela esquerda, e Raphinha, mais pela direita, a chegarem muito rápido à área adversária. Bruno Fernandes também muito importante pela capacidade de passe, e pela maneira como sai a jogar sob pressão.
2 - O espaço que o Benfica oferece entre a sua linha média e a linha defensiva, no momento da transição defensiva. Com Gabriel e Florentino muito altos e pressionantes, o Sporting, se conseguir ultrapassar essa pressão, encontrará muito espaço só com a linha defensiva do Benfica pela frente. 
Em organização defensiva, será de esperar um Sporting num bloco médio, organizado em 4x4x2. A grande dúvida neste momento do jogo passa pela posição de Bruno Fernandes. Apesar de nos últimos dois jogos amigáveis (Liverpool e Valência) ter fechado o corredor lateral esquerdo, o facto de Nuno Tavares ser pouco acutilante em termos ofensivos, poderá voltar a deslocar o capitão leonino para o corredor central, deixando Vietto como responsável por fechar o corredor esquerdo.
Destaques individuais
Não são, necessariamente, os melhores jogadores de cada equipa, mas fruto do que se perspectiva que o jogo seja, podem ter um papel decisivo na estratégia de Bruno Lage e Marcel Keizer.
Benfica
Ferro
A par de Grimaldo, é o elemento mais importante do Benfica na primeira fase de construção, e muito do que o Benfica for capaz de fazer desde zonas recuadas, passa pela sua qualidade técnica. Tem capacidade e critério para ligar com os médios, ultrapassando as linhas defensivas adversárias através do passe vertical.
Gabriel
O médio brasileiro é indiscutível no 11 de Bruno Lage, e dentro da ideia de jogo do mesmo, é fundamental nos vários momentos do jogo. Na transição defensiva é um dos principais pilares, na forma como garante equilíbrio, e pela maneira agressiva como pressiona e recupera defensivamente. Com bola, apesar de ter qualidade no passe vertical, é no passe mais longo que se tem destacado, sendo essencial para o Benfica passar da fase de construção para a criação.
Florentino
O médio português encaixa que nem uma luva na ideia de jogo de Bruno Lage, principalmente pelo que oferece no momento defensivo. Leitura de jogo ao nível dos melhores, qualidade no posicionamento e agressividade no momento da perda de bola. Florentino será um dos principais responsáveis para impedir o Sporting de sair com qualidade em transição ofensiva.
Seferovic
O suíço está longe de ser o avançado mais evoluído tecnicamente do Benfica, e apesar de fazer vários golos, também é verdade que são muitas as oportunidades que falha. Apesar disso, a capacidade de se movimentar sem bola, para explorar a profundidade, pode ser decisiva contra uma linha defensiva como a do Sporting, que tem demonstrando dificuldades em controlar o espaço nas suas costas.
Sporting
Mathieu
É o central mais completo que irá estar em campo, e será fundamental em todos os momentos do jogo. Defensivamente, será ele que, de forma individual, disfarçará a falta de coordenação da linha defensiva, principalmente no controlo da profundidade. Com bola, muito do que o Sporting for capaz de fazer desde zonas recuadas, passa pela sua qualidade de passe.
Wendel
Foi, a par de Bruno Fernandes, o jogador com mais rendimento nos jogos da pré-época do Sporting, principalmente pelo que ofereceu em termos ofensivos. É um médio com muita capacidade para resistir à pressão, muito forte em condução (embora por vezes solte a bola cedo demais) e com capacidade para aparecer em zonas de finalização.
Bruno Fernandes
Não sendo certo que continue no Sporting depois de domingo, na Supertaça será a principal arma do Sporting em termos ofensivos. Jogue na esquerda ou no meio, vai ter muita liberdade para receber a bola no espaço entre linhas, e aí fazer uso da sua qualidade no último passe e do remate exterior (fora da área). Será também fundamental no momento da transição defensiva, pela maneira como reage de forma agressiva quando a equipa perde a bola.
Raphinha
Não fez uma pré época com um rendimento elevado (pecou muito na definição) mas a capacidade que tem em chegar à frente e de explorar a profundidade, pode ser decisiva no dérbi da Supertaça, principalmente no momento da transição ofensiva. Defensivamente, terá a responsabilidade de acompanhar Grimaldo, que se envolve muito no processo ofensivo do Benfica."

Tiago Teixeira, in Tribuna Expresso

Uma Supertaça para se falar mais sobre futebol e não do quem disse o quê

"Quatro anos depois, Sporting e Benfica reencontram-se na Supertaça de Portugal, de novo no Estádio do Algarve (20h45, RTP1). Pela primeira vez, as duas equipas fizeram pré-épocas com os treinadores que já tinham, das quais se retiram coisas que podem, ou não, antecipar o que aí vem

Ser super implica ser proeminente em alguma coisa, ser melhor do que a versão desprovida do prefixo, ser superior ao que as circunstâncias ditariam como normal. Para um jogo de futebol virar super, por exemplo, convém engordar nos golos, ter uma catrefada de ataques que cheguem às duas áreas, jogadas com a boniteza de muitos passes e poucos toques na bola por jogador. Teríamos um superjogo, ter um destes numa Supertaça é que seria o mesmo que pedir a Robben para chutar à baliza com o pé direito.
O troféu que tem Cândido de Oliveira no nome para ser vulgarmente conhecido por Supertaça de Portugal é logo especial, logo superior, pelo facto de juntar quem vence o campeonato, com quem ganha, no Jamor, o último jogo da época. Mais proeminente fica, esgotando os sinónimos no dicionário, caso junte dois clubes grandes e rivais, porque nisto a teoria tende a estar do nosso lado: trarão mais adeptos e interesse por serem os mais seguidos, a acompanhar melhor futebol por terem os melhores jogadores do país nos plantéis.
Ou, como a tendência em Portugal costuma mostrar, a bola no campo troca de protagonismo, na prática, com os bate-bocas e as polémicas circenses fora do campo, como Rui Vitória atestou à Tribuna Expresso: “Foi uma experiência nova naquela altura, de facto. Foi um jogo muito mediático, tive essa noção. Foi exageradamente confuso. O Benfica e um clube grande dá-nos essa experiência e tem que se ter muita atenção, porque de uma pequena frase descontextualizada pode-se criar um problema”.
Falava o treinador do Al-Nassr da primeira experiência, a sério, que teve no Benfica, que coincide com a última vez que o clube se encontrou com o Sporting na Supertaça. Em 2015, o verão ferveu a lume alto com a ida de Jorge Jesus para o outro lado da estrada, as insinuações de a equipa que deixou ainda jogar como se fosse sua e os rumores de que, antes da final, teria enviado SMS a alguns jogadores do Benfica.
Esta década, só não teve isto que a superioriza em 2011, 2014 e 2017. Culpa do FC Porto, primeiro, e do Benfica nas ocasiões seguintes, que tudo conquistaram para banalizarem o propósito de uma supertaça com o sucesso da temporada anterior. “Muita coisa circulou durante aqueles dias e foi logo uma entrada de rompante”, admitiu-nos Rui Vitória, olhando ao longe para a altura em que “tentou sempre ser mais tranquilizante, do que um agitador”.
Felizmente para os holofotes que se desejam centrados no que se passa em campo, tanto Bruno Lage - que fala, explica e discursa sobre bola, jogadores, equipas e jogadas - como Marcel Keizer - que por feitio pacato ou lutas com o idioma, diz poucas ou sucintas frases por minuto - não são dados a picardias mediáticas. O que ajuda bastante a que um Benfica-Sporting na Supertaça de Portugal, quatro anos volvidos, é uma oportunidade para nos focarmos em futebol.
Futebolizando o Sporting, a pré-época não lhe devolveu nada de otimista em números. Não ganhou um jogo e sofreu pelo menos dois golos sempre que entrou em campo, salvo contra o Estoril Praia. O treinador holandês pareceu estar a pensar nos onze tipos que colocará à frente do Benfica desde a primeira equipa que escolheu. Experimentou pouco, testou ainda menos alternativas, arriscou em miúdos só lá mais para o fim dos encontros.
De braços cruzado ou com as mãos metidas nos bolsos, Keizer assistiu à equipa ter bons momentos soltos em quase todos os jogos, sem nunca fundir, sequer, em boas meias horas consecutivas. O 4-2-3-1 com bola, em que junta um Wendel de transições e conduções de bola a um Doumbia que teima em trair-se por dar um toque a mais quando tem de virar-se, ou enquadrar o corpo, funciona quando as jogadas chegam a Bruno Fernandes, o íman de tudo.
É do capitão em vias de ser transferido para Inglaterra que depende as acelerações, quer no passe vertical (que ele sempre parece procurar, em primeira lugar), quer nas trocas de passe para concentrar a pressão e dar o engodo ao adversário para, depois, tirar de lá a bola (fê-lo, várias vezes, contra o Valência).
A defender, o melhor jogador do Sporting fecha à esquerda para Luciano Vietto, o talentoso para quem a bola parece ter uma energia que lhe furta a confiança (demorar a virar-se, não acelere, é nervoso na tomada de decisão, não arrisca), ficar atrás de Bas Dost. A equipa pressionou sempre na área adversário, quis condicionar a saída de bola, arriscou recuperá-la em sítios onde o risco é maior para o adversário - conseguiu, por exemplo, contra o Liverpool -, mas deixa muitos espaços por cobrir quando tem que reagir em transições rápidas para trás.
E mais ainda no limbo que é a distância entre a linha defensiva e o guarda-redes.
Esses são os pedaços de terra que o Benfica está bem equipado para atacar. O 4-4-2 de Bruno Lage sem a pausa de João Félix, mas com os poucos toques, segundos e metros de relva que Raúl de Tomás precisa, na área, para rematar à baliza, continua intenso nas alturas de olhar para a área dos outros assim que recupera a bola.
Chegar à baliza com poucos passes, embora muito verticais, querendo que desmarcações para o espaço nas costas dos defesas arrastem atenções e libertem alguém, continua a pedir bastante de certos nomes. Esses movimentos para receber perto da área e esticar o campo exigem de Seferovic o que ele foi, a época passada. Os sprints entre lateral e central a pedir uma bola na frente vêm de Rafa, que também é um balão de oxigénio ambulante para a equipa pelos raides com bola, em contra-ataque.
O centro do campo depende de Gabriel e do passe longe que tem no pé esquerdo. Levar a bola de um lado ao outro do campo, rápido e com precisão, teve-o como o médio fixo na equipa, a quem se foi variando a companhia: ou a intensa pressão no roubo de bola de Florentino Luís, ou a aptidão para passar e filtrar a bola que Samaris também dá. O reduzido raio de visão de Fejsa, a dar seguimento aos passes, limitam-lhe a influência na equipa.
Pizzi deverá estar à direita, mais virado para ter a bola nos tempos e associar-se, com ela, a jogadores que se aproximem. A tendência do português para ligar passes por dentro poderia ser aproveitada por um lateral galopante, por fora, para dar uma opção de passe na largura ou ser lançado nos últimos 30 metros. Mas, com André Almeida ainda lesionado, que nem é dos tipos mais velozes ou atacantes que há na posição, o Benfica tem feito uma raridade com Nuno Tavares - jogado com um lateral canhoto do outro lado do campo.
Olhando para a Supertaça como o culminar de pré-épocas, seria de esperar mais que a equipa de Bruno Lage, pela intensidade, a coesão a fazer as coisas e a facilidade com que tem criado ocasiões para marcar, acabasse por ser superior ao Sporting. Porque a de Marcel Keizer nunca foi constante em nada do produziu, ou não conseguiu produzir, e a se há coisa que os resultados de pré-época dão, ou tiram, é a confiança para fazer coisas.
Mas isso não é linear, nem exacto, muito menos é antecipável, à semelhança do que seria esperar um superjogo na Supertaça. É cedo, ainda será quase pré-temporada e o ritmo deverá cair a pique na segunda parte, onde já não haverá substituições ilimitadas, mas sim pressão para ganhar alguma coisa.
E, quatro anos depois, falar-se mais sobre futebol do que sobre o que quem disse o quê, a quem, é uma melhoria."

O desporto e o lazer

"É lugar comum dizer-se que o evento da industrialização determinou a eclosão do desporto moderno e a sua extensão a um fenómeno quase mundial. A actividade desportiva saiu dos estreitos quadros onde estava confinada, de alguns meios privilegiados e de algumas manifestações populares e tradicionais, mas episódicas. A sua expansão foi criada também pelas condições promovidas pela civilização técnica.
O século XX foi palco de transformações tecnológicas e sociais que alteraram a vida dos homens (no domínio tecnológico: o automóvel, o avião, a comunicação sem fios, os progressos médicos, o nuclear civil e militar; no domínio social: a emancipação das mulheres e dos adolescentes).
Neste processo de alterações, o lazer assume um papel importante. Entrámos numa sociedade de lazeres, com mecanismos particulares. Em França, Joffre Dumazedier, na década de 60, faz notar esta questão. A partir de 1980 o tempo livre tornou-se o tempo de vida mais longo, que ganhou sobre o tempo de trabalho e o tempo requerido a satisfazer as obrigações diversas (sociais, administrativas, higiénicas, familiares, domésticas, etc.). O trabalho não foi destituído socialmente. Ele continua organizador. É a partir do trabalho que se continua a distribuir as temporalidades sociais. O trabalho ritma e determina os modos de vida; dos activos, bem como dos inactivos. É o trabalho que continua a organizar o dia, a semana, o mês e o ano.
Retirando a questão profissional, os praticantes desportivos e não desportivos procuram aproveitar o lazer. Na sua continuidade, o fenómeno desportivo é inteiramente lazer. É isso que lhe dá sentido e lhe confere a sua especificidade. Sem o lazer, sem o surgimento de uma sociedade de lazeres, o fenómeno desportivo não existe. E, se existe, é de outra forma. O tempo livre tornou-se o primeiro tempo de vida nos países desenvolvidos. Uma tendência se afirma: consiste em compensar um trabalho cada vez mais intenso pelas actividades de lazer com uma intensidade correspondente. 
Ouve-se dizer que o desporto reclama capacidades físicas. É verdade para o nível de alto rendimento, mas não o é para todas as práticas desportivas. A simples saúde permite amplas possibilidades de praticar desporto. O leque de práticas desportivas é também ele rico para a diversidade de gostos e de aptidões. Mas uma única parece inegável: o desporto tem a incomparável faculdade de preencher o tempo livre."

Democracia e Globalização

"Representando, em números redondos, cinquenta anos de assídua crítica desportiva, focando aspectos onde a filosofia e a epistemologia pudessem auxiliar-me, este pequenino ensaio reflecte um estado de espírito onde há mais politologia do que desporto ou motricidade humana. Ora, eu não sou politólogo e tenho receio, por isso, que a olhos suspicazes o que vou aqui escrever pareça demasiado leviano ou brincado. Mas porque, nos últimos tempos, há tanta gente que fala de tudo, sem a prática adequada, vou adentrar-me agora num tema onde não passo de um simples curioso e preconceituado por ideias que, é bem possível, estejam, como eu – velhas! No entanto, porque vou acercar-me de um itinerário intelectual que os cidadãos europeus são, frequentemente, convidados a percorrer, cá estou eu a fazer o que me aconselham. A democracia é uma aspiração alada, que já se entranhou nas pessoas e nas instituições e vive organizada, nas conversas mais corriqueiras e no saber universitário, num coerente sistema de alusão.
A democracia ressalta, aqui e além, como um conceito universal, como a menos má de todas as práticas políticas. Só que, para mim, verdadeiramente, não há conceitos, há pessoas. Digo o mesmo do desporto: não há desporto, há pessoas que praticam desporto. Mas, enfim, não há dúvida que a democracia é uma aspiração universal. Qualquer homem sensato do nosso tempo deve lutar contra todas as ditaduras (porque não há ditaduras boas) e preparar com outros “homens (e mulheres) de boa vontade” os caminhos que os conduzam à democracia. Assim se formula a aventura política ideal das mulheres (e homens) da primeira metade do século XXI. Mas uma outra ideia também ganhou o nosso mundo – é esta: a democracia e o capitalismo são irmãos siameses, pois que a liberdade de escolha em economia só em democracia acontece. Ao longo dos últimos anos, porém, estas duas presunções que Francis Fukuyama publicitou, com a sedução possível, vêm recebendo severas críticas dos especialistas.
Com efeito, não se nega que a democracia seja uma aspiração universal, mas é indiscutivelmente um sistema político de fundas raízes culturais: nasceu na Grécia e renasceu “adulta” na Europa Ocidental de finais do século XIX e princípios do século XX. Todavia, “os países ocidentais, sem exceção, só introduziram o sufrágio universal de massas, depois de terem instalado regimes políticos sofisticados com poderosos sistemas jurídicos e direitos constitucionais estabelecidos – e fizeram-no em culturas que prezavam a ideia dos direitos individuais. Mesmo então, sofriam de sérios problemas. Metade da Europa rendeu-se ao autoritarismo, nos anos 20 e 30 do século XX” (John Micklethwait & Adrian Wooldridge, A Quarta Revolução, D. Quixote, Lisboa, 2015, p.288). Não nos é lícito ocultar que também Portugal escutou o apelo da ditadura, na Revolução de 28 de Maio de 1926. A salazarofilia foi aplaudida por boa parte do povo português até à década de 60 (cfr. Salazar em França, de João Medina, edição da Ática, em 1976). Mas a salazarofilia contou com adeptos também no estrangeiro. Henri Massis, Ploncard d’Assac (o vulgarizador oficial do salazarismo, em língua gaulesa), Jacques Bainville, Leon Pocin, Gonzague de Reynold, Emile Schreiber, Charles Chesnelong, Pau Sérant, Pierre Gaxotte, GHustave Thibon ou Pierre Debrouy, “todos vindos da Action Française, do integrismo católico, do colaboracionismo, ou do neo-fascismo do pós-guerra, subscreverão, desde os anos 30 aos anos 60, uma longa lista de obras que só raramente ultrapassarão o limiar da propaganda mais ou menos encomendada” (Fernando Rosas, prefácio de Férias com Salazar, de Christine Garnier, Parceria A.M-Pereira, Lisboa, 2002, p. 7). O Doutor Manuel Gonçalves Cerejeira, amigo dileto de Salazar e futuro Cardeal Patriarca de Lisboa, era ideologicamente bem próximo de Salazar, desde os tempos de Coimbra e do C.A.D.C. (Centro Académico de Democracia Cristã). E, em 1926, “lente” da Faculdade de Letras escreveu, para que não restassem dúvidas: “A nossa vida tomou nesses dias a direcção que segue. E é uma consolação, ao olhar para trás, reconhecer que se não errou a manobra da agulha no começo de viver e se continua fiel ao pensamento primeiro – ao primeiro e grande amor” (Vinte Anos De Coimbra, Lisboa, 1943, p. 234)…
Quando foi à ONU, o Papa Paulo VI clamou: “ Homens sede Homens, sede dignos da condição humana”. Também a mim me parece objectivo primeiro do Estado promover a dignidade da pessoa, lutar contra tudo e todos que tentam subverter a dignidade da pessoa. O livro que actualmente leio, de John Micklethwait & Adrian Wooldridge, A Quarta Revolução, aponta três perigos para a democracia, no Ocidente: “que o Estado continue a expandir-se, reduzindo gradualmente a liberdade; que o Estado continue a ceder a determinados interesses; que o Estado, muito solenemente, continue a fazer promessas que sabe nunca poderá cumprir. Se bem entendo o que os autores propõem: nem demasiada liberdade, para que a autoridade e a disciplina encontrem espaço na sociedade; nem demasiada autoridade que possa castrar a liberdade. Na década de 60, frequentava eu a universidade, como aluno, três filosofias rebolavam engalfinhadas, no intuito do controlo dos pensamentos e das conversas: o materialismo histórico, o existencialismo e o estruturalismo. Foi em 1843, com a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel que Marx, sem pôr peias de nenhuma espécie, começou a varrer a filosofia idealista com as críticas mais acerbas e contundentes: “Quando está em luta, a crítica não é a paixão do cérebro, mas o cérebro da paixão, não é um escalpelo, é uma arma. O seu objectivo é o seu inimigo que não deseja refutar, mas destruir”. Que o mesmo é dizer: não deve confundir-se Lógica e Política. Só que a Política, nos regimes marxistas, descambou em ditadura, como se sabe! O existencialismo sustenta que a vida humana é essencialmente uma liberdade criadora e salvífica. Em O Existencialismo é um Humanismo, Sartre procura ensinar; “Se Deus não existe, há pelo menos um ser em que a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito”. O que o define é a liberdade. E quem é livre, primeiro existe e só depois pensa e se pensa. E só depois dá sentido às coisas, aos outros e a si mesmo. O estruturalismo assinala que existem conjuntos que funcionam segundo regras, rigorosamente independentes da vontade dos homens e por isso onde o Homem morreu. Demais, para os estruturalistas, a História é estrutural, não é carismática.
Estes “conjuntos que funcionam segundo regras, rigorosamente independentes da vontade dos homens” continuam, hoje, no Desporto, principalmente porque, para mim, o Desporto reproduz e multiplica as características da cultura democrático-capitalista do nosso tempo. O livro A Quarta Revolução propõe três ideias essenciais: a primeira sublinha que o custo do indiferentismo, da inacção é demasiado alto. Por exemplo, sem reformas, o Estado Providência sufocará, morrerá, sob o seu próprio peso. “O segundo dado inegável é a oportunidade. As vantagens de seguir em frente, com a Quarta Revolução, são espectaculares. O Estado que canalize para esta Revolução as mais poderosas forças inovadoras da sociedade adiantar-se-á aos seus pares. E, por fim, têm a história do seu lado: esta revolução é a da liberdade e a dos direitos do indivíduo. Foi essa a tradição que impeliu para a frente a Europa, primeiro, e depois a América. O Ocidente tem sido a região mais criadora do mundo, porque tem rapidamente reinventado o Estado” (p. 296). Sem desrespeito pelas teses que este livro defende, prefiro a intuição primordial da teologia da libertação, que o Papa Francisco parece querer concretizar: a opção preferencial pelos pobres, contra a pobreza e a favor da vida e da justiça. Esta opção não significa, para o Papa, beleza poética tão-só. Ele já citou uma frase de Dostoievsky, que faz sua: “Todo o progresso do mundo não vale o choro de uma criança faminta”. Este sofrimento da “criança faminta” não se erradica unicamente com um fogo verbal e alentos filantrópicos vários, em favor da democracia e da liberdade, mas também com políticas públicas que visem a justiça social. O Papa Francisco, que é doutor e teólogo, não se nos apresenta como um intelectual descomprometido com a miséria alheia. Mas como um pastor, ou melhor, um companheiro de caminhada, rumo a um mundo novo, a um homem novo. E termino, com o Papa Francisco: “Hoje, ou se aposta na cultura do encontro, ou todos perdem”."

Aproximar da Vitória – O Lado Estratégico

"Sem surpresa, aproximar da vitória é hoje muito mais que do que ter um modelo treinado e bem pensado para aproveitar características próprias. Na era da Estratégia, o tal colocar a cereja em cima do bolo para se maximizarem hipóteses de vencer, importa usar também os comportamentos adversários e preparar durante a semana antídotos para os contrariar – Sejam estes de natureza ofensiva ou defensiva.
Estratégia porque são alterações a uma ideia base, que não alteram a ideia geral mas que procuram aproveitar / precaver pontos fracos e fortes do adversário, mas também esconder / maximizar os fracos e fortes da nossa própria equipa.
Na era da Estratégia – Identifica-se – Trabalha-se no campo de treinos – para acontecer no jogo. 

«Andamos nisto sempre com uma vontade enorme de trabalhar e levar para lado estratégico. Nunca foi nossa intenção ir contra a natureza do jogo ou alguma questão de fair-play. Foi por uma questão estratégica.
Foi apenas uma ideia que me surgiu em função do que foi a nossa análise do Milan e de como joga em losango e com muita gente no espaço interior. Quando estamos a sair pelo nosso guarda-redes, eles colocam logo três jogadores aí. A nova regra permite ter os centrais na área. Assim, o meio-campo tem de ter uma cobertura de três médios. Três médios a correr 70 metros… está aqui o Rui Costa, ele foi médio e 70 metros é muito para correr.
…Pelo jogo de mãos do Ody[sseas] Vlachodimos, ele mete a bola onde quer. Em dois segundos e meio chegou ao limite da área e colocou a bola no pezinho do Grimaldo.»
Bruno Lage


O Vídeo do treino (aqui) que preparou a nuance da saída.

O dérbi fofinho

"O amor está no ar. A paz reina. O futebol está com os anjos.
Este é o ambiente na véspera da 41.ª edição da Supertaça Cândido de Oliveira que vai opor, apenas pela quarta vez na história, os dois clubes mais importantes de Lisboa, servindo de lançamento do novo canal oficial da Federação, instrumento assumido de venda do futebol a audiências puras e frescas. Pela positiva e sem polémicas, com a benção do presidente Marcelo.
Se, em campo, tudo corresse como o emocionante e inesquecível frente a frente dos dois treinadores do Benfica e do Sporting, estaríamos perante o derbi mais fofinho da história e, inevitavelmente, acabaríamos embaraçados pela traição ao espírito do jogo e à história deste confronto. Felizmente, no relvado do Estádio Algarve, não será assim, haverá artistas e não figurantes.
A predisposição dos jornalistas em geral para terem acesso directo aos intervenientes dos jogos, antes, durante e no final, sempre foi uma prioridade que as instituições futebolísticas, com a Federação à cabeça, combateram ferozmente, com o pretexto de que faria mal aos jogadores e treinadores e, por consequência, ao jogo e aos respectivos objectivos. Até microfones voaram para o fundo do lago, em nome dos superiores interesses dos heróis da Nação!
Agora, os donos da bola defendem que o “produto” será mais lucrativo mediante uma exposição controlada, sem polémicas, sem excessiva paixão, mantendo a reserva dos protagonistas a quem paga os direitos exclusivos e, portanto, como antes, a deixar aberta a válvula de escape dos meios independentes. Eles sabem que o espírito do futebol fofinho só dura até ao apito inicial do árbitro, mas está lançada a ideia de um futuro espectáculo bacteriologicamente puro.
Nos clubes, há muito tempo se restringe o acesso aos protagonistas aos meios internos, incluindo as televisões próprias, tornando a comunicação para o exterior mera propaganda, sem mediação independente e apenas mitigada em conferências de imprensa justificadas pelo tempo de exposição dos painéis dos patrocinadores, cenários e “product placement”, com toda uma lógica de marketing e promoção que está nos antípodas do jornalismo."

Duelo !!!

Benfiquismo (MCCLII)

Supertaça...!!!

Champions !!!

É só um torneio de pré-época, mas é o mais importante e o mais competitivo torneio de pré-época do mundo do futebol, nos dias de hoje!!! Com a participação das equipas com maiores orçamentos... Um torneio com um impacto mundial enorme, maior do que qualquer título interno português!!!

Acaba por ser um regresso ao 'passado', a um tempo, onde o Benfica disputava os mais famosos torneios de Verão, com várias digressões épicas, por todos os continentes, ganhando prestígio por todos os cantos do Mundo...

Recordo o lote dos vencedores deste torneio: Real Madrid, PSG, Manchester United, Juventus, Barcelona, Inter de Milão e o Tottenham... e agora também o Benfica!