"Momento I: passo pelos canais noticiosos. O primeiro que vejo acompanha freneticamente um autocarro com entusiasmo. Continuo o zapping. O terceiro relata, com emoção, a marcha de um autocarro, suponho que o mesmo. O quarto canal faz tal e qual, entrecortado por uma exegese da viagem. Desliguei a televisão. Queria escolher, mas nenhum canal me deu essa possibilidade.
Momento II: passo pelos canais noticiosos. Deparei com uma conferência de um jogador. Uma conversa feita de nada. Minutos a fio que nem o Presidente da República tem. Mudei de canal, mas era o mesmo. Canal seguinte: ainda a mesmíssima oca excitação. Mudo quase instintivamente de canal, mas lá permanecia o rapaz da bola. Desliguei a televisão. Queria escolher, mas nenhum canal me deu essa possibilidade.
Momento III: passo pelos canais noticiosos. No primeiro, vi imagens de uns rapazes a fingir que treinavam com um locutor empolgado a dizer banalidades. Mudei, mas a cantiga era a mesma. Voltei a mudar e ouve-se a 326.ª lição anatómica de um tendão rotuliano. Desliguei a televisão. Queria escolher, mas nenhum canal me deu essa possibilidade.
Dizem que é assim por causa do esplendor das audiências que exige uma overdose nauseante e circense à volta do Mundial. A acefalia assentou praça. A televisão pública (para a qual pagamos a taxa audiovisual) no seu canal informativo vai «ter cerca de 8 a 10 horas diárias com o antes e depois dos jogos» como disse um dos seus responsáveis. Nunca o F do futebol foi tão alienante.
Declaração de interesses: gosto muito do meu País. E de futebol... jogado."
Bagão Félix, in A Bola