"Em três épocas no Benfica não cumpriu o destino marcado pelo pai: arriscou-se a ser campeão mas nunca o foi. Mário Wilson (filho) tinha pés de veludo e um jeito discreto no Futebol e na vida.
Há nomes que pesam - e muito. No Benfica são vários e um deles é o de Mário Wilson.
O Mário Wilson original nunca jogou pelo Benfica: ou melhor, jogar jogou e ainda joga, mas noutras funções.
Esse é Mário Wilson, vindo do Desportivo de Lourenço Marques em 1949 para jogar no Sporting e substituir Fernando Peyroteo. Depois foi para Coimbra e deixou de ser avançado-centro para ser defesa-central. Envelheceu de idade e sabedoria. Tornou-se no «Velho Capitão».
Quando chegou à Luz pela primeira vez, disse: «Qualquer um no Benfica arrisca-se a ser campeão».
Arriscou-se e foi campeão. Muito menos vezes do que merecia, mas também nunca ficou muito tempo. Foi e veio. Mas o seu estilo não partirá nunca. Nem o nome. Esse nome que pesa.
Em 1977, outro Mário Wilson chegou ao Benfica - Mário Valdez Wilson. O Mário Wilson filho. O pai tinha partido para o Porto, para o Boavista, regressaria em 1979.
E encontrar-se-iam os dois na Luz: pai e filho. O primeiro, inesquecível: o segundo esquecido.
Mário Wilson filho veio do Atlético mas, tal como o pai, já tinha vestido a camisola da Académica. Nesse Atlético, que desceria para a II Divisão, jogou com Paris e Norton de Matos, que viriam a ser internacionais, e Baltazar e Coelho e Cardoso e com o meu bom amigo Franque, pois claro!
Tinha pés de veludo. E merecia elogios da crítica, mesmo da mais exigente.
Neves de Sousa, por exemplo, impôs-lhe um ferrete logo no dia da sua estreia 'encarnada', no Estádio da Luz, frente ao Belenenses - vitória 2-0: «De qualquer modo, Wilson não é labutador para a frontaria de combate: num Benfica que tem constante sinal de broca perfurante, terá de refugiar-se no castelo central para ser convenientemente aproveitado em todo o potencial já que é dos poucos desta área que mete a bola a 30 metros, calibrada suavemente(...)».
12 minutos: um golo!
Wilson filho era assim: suave. Como foi suave a sua passagem pelo Benfica.
E foram três épocas por inteiro - hoje, quantos se podem gabar de passar por inteiro três épocas no Benfica?
Mas havia aquela coisa do nome: Mário Wilson. Esperava-se muito de Mário Wilson!
Além disso, já havia no Benfica um par de pés de veludo da mais imponente qualidade: Shéu. E outro par de pés de seda fragueira: Vítor Martins.
E era preciso jogar com pés de veludo e pés de ferro, tantas vezes ao mesmo tempo.
Nesse época o Benfica perde o Campeonato para o FC Porto (embora com os mesmos pontos e sem derrotas). Na época seguinte perde por um ponto para o mesmo FC Porto. John Mortimore é treinador em ambas.
Em 1977/78, Mário Wilson faz 12 jogos divididos entre o Campeonato, a Taça de Portugal e a Taça dos Campeões.
Nesta última é chamado para os dois terríveis confrontos com o fantástico Liverpool de Bob Paisley. Na Luz, perdeu-se na tempestade substituindo Shéu: lembro-me do jogo e da chuva, estive lá, ainda houve a alegria do golo inicial de Nené, mas depois havia Ray Kennedy e Emilyn Hughes e Jimmy Case. E Kenny Dalglish, como é evidente! Equipa maravilhosa, essa! 1-2.
Em Liverpool foi pior: 1-4. Mário Wilson esteve em campo apenas na segunda parte, no lugar de Alberto. Não voltaria a jogar na prova gloriosa dos campeões, mas ainda me lembro de o ver em campo contra o Borússia de Moenchengladbach, para a Taça UEFA.
Mas volta atrás: ao dia 1 de Dezembro de 1977.
O Benfica foi ao Lavradio eliminar a CUF da Taça de Portugal. Uma CUF destruída pelos ventos do 25 de Abril, perdidos que estavam os privilégios dos Melos. 8-0 - golos para toda a gente: Vítor Baptista, Toni, Nené, Bastos Lopes, Pietra e mais Pietra, outra vez Nené e... Mário Wilson.
Só 12 minutos em campo, entrando para o lugar de Toni.
12 minutos e um golo: o único oficial pelo Benfica!
«Parecia um gato à beira do aquário: com o estilo repousado da CUF, até o pai podia ter feito uma perninha...».
O pai regressou à Luz na época 1979/80. Arriscou-se a ser campeão, mas não foi: ficou em terceiro. Arriscou-se a ganhar a Taça de Portugal e ganhou-a: 1-0 ao FC Porto na final.
Quanto ao filho, desapareceu...
Se alguém esperava que o facto de ter o pai no cargo de treinador o iria beneficiar, enganou-se redondamente. O «Velho Capitão» nunca contou com o filho para essa época. A dupla do meio-campo tinha Shéu como inamovível. Depois Pietra, Fonseca, Carlos Manuel, Toni cada vez menos e nunca Mário Valdez Wilson.
Nunca? Não, nunca digas nunca...
Aos 63 minutos do jogo da 19.ª jornada entre Benfica e Beira-Mar, no Estádio da Luz, no dia 23 de Fevereiro de 1980, Mário Wilson filho entra em campo. Sai Toni. Ele ainda não o sabe, mas serão os seus últimos minutos com a camisola da 'águia' vestida.
O Benfica ganha por 5-0. Mário Wilson pouco é tido ou achado nesta vitória tranquila. Cumpre o seu papel de rapaz de pés aveludados e nome pesado demais, discreto como sempre esteve, no futebol e na vida.
Voltará a jogar na Académica, clube no qual se destacou, e depois no Farense.
Em três épocas no Benfica não cumpriu o destino marcado pelo pai: arriscou-se a ser campeão mas nunca foi.
De vez em quando é preciso dizer nunca...
Lembro-me dele. O tempo não apaga todas as memórias... Mesmo as de veludo."
Afonso de Melo, in O Benfica