Últimas indefectivações

sexta-feira, 8 de julho de 2022

Bigodes: João Vitor...

Visão: João Vitor...

Direção do Benfica perpetua camisola 5


"Em reunião de Direção, foi decidido retirar a camisola 5 do basquetebol com o objetivo de homenagear e perpetuar a memória de Henrique Vieira, que nos deixou nesta semana.
Henrique Vieira serviu o Benfica ao longo de 16 temporadas, 11 como jogador e cinco como treinador.
Faz parte do exclusivo quinteto de jogadores campeões nacionais de águia ao peito pelo menos sete vezes. É o terceiro com mais jogos, um dos melhores marcadores de sempre, um capitão de equipa por todos admirado e respeitado. E, como treinador, ajudou o Benfica a sagrar-se bicampeão nacional.
A cerimónia de retirada do número 5 será realizada no primeiro jogo da temporada.
Obrigado, Henrique Vieira!"

Da bancada dos velhos mestres


"Carlos Miranda era um príncipe e escrevia como um príncipe. Para muitos de nós ele foi a Volta a França.

Há muitos anos (mais de trinta, quem diria?), na Travessa da Queimada, redação da velha A Bola, o Carlos Miranda batia com força no teclado HCÉSAR e ia desembrulhando uma daquelas suas prosas límpidas e puras como a água das fontes dos Hautes-Pyrénées. Nesse tempo escrevia-se em laudas, e as laudas de A Bola eram de papel magenta, cortadas à mão pelo contínuos, de um rolo, em forma de A4. Lembro-me da sua cara pequena e dos óculos largos dependurados na ponta de um nariz igualmente pequeno. Lembro-me sobretudo da sua suavidade. Não era apenas no trato, era na vida. Por isso escrevia como escrevia: suavemente.
Carlos Miranda foi, para muitos de nós, a Volta a França. As suas reportagens, os seus Hoje Corro Eu, as suas descrições magníficas das duras etapas de centenas de quilómetros, do sofrimento daqueles que as percorriam sob o esforço da roda pedaleira, eram por si só uma viagem. Podiam ter sido publicadas na National Geographic Magazine. Ele próprio era um francófono: gostava de França, gostava dos franceses, tinha um prazer especial em explicar-nos as suas idiossincrasias. Abria as páginas das coleções do La Vie au Grand Air e recuperava o tempo do jornalismo bruto, da caneta usada como espada de uma luta a ser travada pela autenticidade da reportagem, do jornalismo longe da cadeira, que demorou muito tempo a ser ganha e muito pouco tempo a ser perdida. Carlos Miranda, que tive o orgulho de ser meu diretor, era um príncipe. E escrevia com a facilidade e com a doçura de um príncipe.
Nesse dia preciso, de que me recordei hoje, o Carlos Sequeira (que era o dr. Carlos Sequeira, e nós, mais novos, tratávamos por médico porque era doutor, embora fosse advogado, com escritório no Funchal, ao qual também íamos muitas vezes enviar serviço) tinha caminhado pelo corredor que vinha do quarto-de-banho com as mãos molhadas a abanar e, na viagem, passando pela mesa do nMiranda, pegou numas folhas ao calha para se limpar e atirou-as depois para o balde do lixo, aquilo que o_« Pinhão chamava a ‘Cesta Secção’. As folhas ao calha já tinham nelas impressas umas dezenas largas de linhas, mas o médico era distraído, e não deu por isso. Já o Carlos Miranda, quando depois de ouvir o tilintar da Remington, e tirou para fora mais uma lauda pronta para acrescentar ao monte das anteriores, deu por si sem elas. Olhou em volta, confuso. Encolheu os ombros e, pacientemente, recomeçou tudo de novo. Havia um jornal para fechar e trabalho para fazer. Ninguém ficava a chorar pelo que se perdera pelo caminho.
Veio este episódio a propósito de um desses presuntos que Deus, volta e meia, tira do lombo da estupidez, com diria o Alencar do divino Eça, e resolveu piratear o trabalho esforçado dos redatores deste jornal que já tinham muitas páginas prontas e que, de repente, tal como o Carlos Miranda, deram por si com tudo o que tinham feito ido para o galheiro. Era preciso fazer tudo outra vez, desde o início. Fez-se. Com mais ou menos horas de sono? Aprendi, nessa «loja de sapateiro», do 23 da Travessa da Queimada, como lhe chamou um dia Vítor Santos, do qual o meu irmão Joaquim Rita herdou com naturalidade o lugar de_Chefe de Redação, que o trabalho não se recusa nem se agradece. Em primeiro lugar fica o leitor. É a ele que devemos explicações, a mais ninguém, e quem compra o jornal e nos ajuda, assim, a ganhar a vida, não tem nada que ver com os nossos pequeninos dramas quotidianos. Cada um tem os seus. Estamos aqui, como aprendi com outro mestre, Alfredo Farinha, que fez o favor de me ensinar, que a nossa função é a de analisar, comentar, criticar tudo o que vemos e ouvimos, com lealdade, com verdade, e sobretudo com o desejo de esclarecer e de ser útil. Deixou para sempre nas páginas que foram suas: «Quando comecei a escrever em jornais, o meu propósito, a minha ambição, o meu sonho, era ser jornalista da Grande Imprensa, ir à procura da vida no meio da vida, ir ao encontro do acontecimento onde ele acontecesse, conhecer os problemas dos homens, devassar os segredos das coisas desconhecidas, saber a razão dos êxitos e dos fracassos da grande sociedade, ouvir os políticos falarem em política, os economistas em economia, os artistas em arte, descrever os contrastes entre os dramas da fome e os esplendores das opulências, contar histórias verídicas da paz e da guerra». Obrigado ti’ Alfredo! Eu não me esqueço.
Por cada página que tiver de reescrever, ela será melhor escrita e trará mais informação; por cada texto atirado para a Cesta Secção, ressurgirá um outro com mais força e mais vontade. Há uma palavra que uso sempre e cada vez mais à medida que os anos passam: tranquilos. Tranquilos como o príncipe Miranda metralhando as teclas da sua HCÉSAR pelas escaladas íngremes do Alpes d’Huez. Ao chouriço de pus - termo de Alencar – que destruiu o meu trabalho e dos meus camaradas devo a alegria de escrever esta crónica. Bem fizemos por a merecer."