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sábado, 28 de setembro de 2024

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Cerveja nos estádios? Sejamos sinceros: ‘desporto’ e ‘álcool’ na mesma frase não bate certo


"Os clubes da I e II Ligas de Portugal voltaram recentemente a falar da hipótese de ser levantada a proibição do consumo de álcool dentro dos estádios. Duarte Gomes analisa os prós e contras da eventual reinserção deste tipo de bebidas nos recintos - onde hoje são proibidas para a maioria, mas não para quem assista a um jogo nos camarotes

Os clubes profissionais querem que volte a ser autorizada a venda de bebidas alcoólicas nos recintos desportivos. O tema tem estado em cima da mesa e voltou a ser abordado recentemente, no último Thinking Football Summit.
A questão é sensível e tem óbvios prós e contras. O certo é que a lei portuguesa há muito que proíbe o consumo de álcool nas bancadas, numa medida que não é uniforme a nível europeu.

A perspetiva pessoal
Sobre esta matéria, devo ser muito honesto: por princípio, sou anti-álcool. É uma opção, uma forma de ser e de estar na vida. Quem me conhece sabe que não bebo, nunca bebi, não toco, nunca toquei em nada que tivesse teor alcoólico. E é precisamente por isso que consigo reconhecer que esta visão extremada não pode nem deve ser imposta à dos outros, sobretudo aos muitos que bebem com equilíbrio, razoabilidade e moderação.
O meu problema com o álcool é muito claro: por ter a capacidade de alterar o estado físico, psíquico e emocional, pode ser, como tantas vezes é, causador de problemas entre pessoas. E como se sabe, alguns eventos desportivos como o futebol são ponto de encontro de milhares de adeptos, que ficam durante horas encostados uns aos outros, assistindo a um jogo que pode potenciar tensão, intolerância e irritabilidade. Ora, se a isso juntarmos o consumo autorizado de substâncias capazes de adulterarem a razão, o resultado pode ser não ser bom (como tantas vezes não foi).
Apesar da escassez de estudos fidedignos nesta matéria, a verdade é que o consumo não controlado de álcool é suscetível de causar problemas de segurança para quem bebe e para quem os rodeia, gerando provocações, conflitos e até agressões que a modalidade bem dispensa.
Por alguma razão existe uma proibição legal.

A perspetiva dos clubes
Os clubes defendem a sua posição e interesses, o que é legítimo.
Sentem que estão a perder fonte de receita importante (e é verdade que, por aí fora, há quem fature muito dinheiro com esta opção) e sentem-se discriminados: é que, além desta possibilidade ser permitida em alguns países, por cá a proibição é apenas nas bancadas, não sendo extensível aos camarotes. Ora isso cria a ilusão que a sede e prazer de uns é mais importante do que a sede e prazer de outros. Ou que há adeptos de primeira e adeptos de segunda. Não faz sentido, de facto.
Devo dizer que não concordo com alguns dos argumentos, como o que refere que a medida é inócua porque “os adeptos bebem livremente nas imediações do estádio”.
Não confundamos as coisas: uma coisa é o que acontece na via pública, outra é aquilo que deixamos que aconteça na nossa casa. Se eu estou a fazer dieta e como doces na rua, ajuda não comer mais dentro de casa, senão duplico a possibilidade de engordar. Um dano é metade de dois. E no caso concreto, essa pode ser a diferença entre saciar a sede com amigos antes da bola começar ou embebedar-me lá dentro e asneirar.
Já a questão da venda de álcool potenciar a ida de mais gente ao futebol, bem, é encontrar formas alternativas de atrair adeptos (e o que não faltam por aí são bons exemplos para replicar).
A verdade é que os clubes são responsáveis pelo que acontece no seu espaço e devem impedir o acesso de pessoas visivelmente inebriadas para o interior dos estádios.

A solução
O tema é mesmo sensível e deve voltar à mesa para ser discutido com cabeça, tronco e membros por quem de direito. Se for encontrada forma eficaz controlar a ingestão de álcool nos recintos (por exemplo, através da venda bebidas com baixo teor de álcool, limitado por pessoa e proibida em jogos de risco), não me choca que a proibição possa ser levantada.
Mas acho realmente que deve haver pensamento sério, que se traduza em algo palpável, que defenda não apenas os clubes e os seus adeptos, mas sobretudo o desporto.
E sejamos sinceros, ‘desporto’ e ‘álcool’ na mesma frase não bate certo.
Aqui há uns anos, restaurantes, bares e discotecas temiam pelo seu futuro perante a proibição de fumar em espaços fechados. Hoje continuam a existir restaurantes, bares e discotecas."

Um fabuloso ser exótico disfarçado de futebolista inglês


"Guarda-redes por convicção, Vladimir Nabokov escreveu páginas e páginas sobre futebol.

Foi um menino rico, viveu na opulência dos palácios de São Petersburgo, soube apaixonar-se pelas noites brancas de Dostoiévski. Os pais colocaram-no no colégio Tenishev, que não abria lugar para qualquer, a mãe protegia-o como uma crisálida e, talvez por isso, o único desporto que o deixava praticar era a caça às borboletas no jardim de sua casa. Descreveu tudo isso em Fala, Memória, a sua autobiografia. Às escondidas jogava futebol na equipa do colégio. A guarda-redes. Era tranquilo. Colocava-se a preceito, dominava os ângulos, não entrava em excentricidades. Ou seja, não dava nas vistas. O seu irmão Serguei tentou segui-lo mas não levava muito jeito. Falo de Vladimir Vladimirovich Nabokov. Um dia escreveu: «O guarda-redes é a águia solitária, o homem misterioso, o último dos defesas. Não guarda apenas a baliza: guarda os sonhos». Falo do rapaz tomado pela tuberculose. Tomado pela fragilidade do físico. O rapaz que teimou, apesar de tudo, em guardar sonhos.
Veio a revolução dos bolcheviques e os Nabokov perderam o seu palácio. O menino rico foi para Cambridge estudar inglês, foi em inglês que escreveu muita da sua obra. Não abandonou as balizas. Jogou na equipa universitária. Houve gente do seu tempo que dedicou livros a Vladimir Nabokov/guarda-redes: Brian Boyd (Vladimir Nabokov: The Russian Years), Thomas Karshan (Nabokov and Play). Mas, acima de tudo, houve o poema do pai de Lolita que falava da bola e do jogo: «(…)Is kicked in a lightning curve/The sonorous shot soars, and/I leap up, blocking its rapid flight/With a deflection». Vladimir era sobretudo um solitário. Este poema é dedicado a uma rapariga. Uma rapariga que ele vira passar na rua acompanhada por um rapaz igual a tantos outros. E ele reconhecera-o pelo riso, pelo cachimbo, pela alegria. E a rapariga viera numa tarde de céu azul para ver o seu jogo. «Gratifying game! An open space/ With dazzling shirts. The lively ball».
Os Nabokov ficaram sem dinheiro. Vladimir ficou sem o fim da infância. O menino rico de São Petersburgo mudou rapidamente para homem em Cambridge. Não houve nenhum guarda-redes eterno que lhe guardasse o sonho. E ele, nas balizas, deixou de ser tranquilo como era. Gritava. Gritava muito. No fundo, libertava do peito a revolta de não ter conseguido continuar a ser menino e não ter tido a coragem de dar a mão a Tamara, paixão entranhada da sua infância pintada a borboletas. E os defesas obedeciam-lhe como se cada grito seu fosse uma ordem de general de exército.
Foi para Londres e para o Trinity College._Continuou a jogar: «Encantava-me o lugar de guarda-redes. Na Rússia, como nos países latinos, é um posto rodeado de uma aura de luminosidade que não se explica. Distante, solitário, impassível». E concluía: «Eu não guardava uma baliza, eu guardava um segredo».
O corpo medrou-lhe, desapareceram as fragilidades tísicas da meninice, usava um barrete grosso, uma camisola de gola alta e guardava as luvas no bolso traseiro dos calções. «Tive dias brilhantes e vigorosos: o cheiro intenso da relva, o avançado famoso que se aproximava arrasando defesas e empurrando a bola com a ponta cintilante da bota até ao disparo venenoso e à minha feliz parada».
Durante toda a vida, Valdimir Nabokov escreveu sobre futebol. Prosa e poesia. Como em 1920, o poema Assim, Futebol: «A bola saltava sem que soubesses/que um dos jogadores descuidados/criava o entardecer em silêncio/e a anatomia dos tempos esquecidos». Guardou nas memórias: «Cruzava os braços e encostava o ombro ao poste esquerdo. Desfrutava do luxo de fechar os olhos e escutava, então, os latidos do coração, ao mesmo tempo que sentia chuviscos cegos na minha cara e ouvia, distantes, os sons soltos do jogo. Via-me como um fabuloso ser exótico disfarçado de futebolista inglês que escrevia versos num idioma que não entendia sobre um país do qual nada sabia». Em Berlim, jogando pelo Russian Sport Club, chocou com violência contra um avançado contrário. Ficou maltratado. A mulher, Vera, pediu-lhe que parasse. Vladimir deixou as balizas: «Em calções curtos/e camisolas multiculores/os jogadores contrários avançavam». Ele é que já não estava lá."