Surpresa?! Ou não...

Benfica visto por quem não vê


"Dois mil e três foi o ano em que, mais regularmente, comecei a ouvir o Sport Lisboa e Benfica através, sobretudo, da rádio. Ainda me recordo que Moreira, Miguel, Luisão, Ricardo Rocha, Fyssas, Petit, Tiago, Simão, Geovanni, Nuno Gomes e Sokota era a nossa equipa base tendo Camacho como treinador. Foi nessa época que Luís Filipe Vieira foi eleito presidente do Benfica substituindo Manuel Vilarinho. Ao longo desta temporada todos nos recordamos do falecimento de Micky mas também do, muito menos mediático, mas também representante das nossas cores, Bruno Baião. Apesar de todos estes “contratempos” sentia-se que, de alguma forma, esta equipa merecia um título. Este chegou no dia 16 de maio, em pleno Jamor, frente ao nosso grande rival (nós no norte pensamos assim) Futebol Clube do Porto que, dias mais tarde, tornar-se-ia campeão europeu. Depois de 8 épocas a zeros, voltávamos a vencer uma Taça de Portugal e eu festejava o meu primeiro título como adepto do maior clube português.
Nova época, novo treinador. O tituladíssimo Giovanni Trapattoni assumia o sonho de uma conquista que não tinha passado pela Luz desde 1994 (altura em que vencemos o nosso 30º campeonato contra 14 do Sporting, 13 do Porto e 1 do Belenenses, o que perfazia um total de 28 à época). Com a mesma base e com reforços como Dos Santos, Nuno Assis em Janeiro, o regresso de Mantorras e a plena afirmação de Manuel Fernandes, não esquecendo a saída de Tiago, o Sport Lisboa e Benfica conquista o seu 31º título de campeão nacional. Talvez devido aos festejos em excesso e à falta de concentração, o regresso ao Jamor não correu tão bem como no ano transato e a Taça de Portugal acabou por fugir para Setúbal. A temporada seguinte trouxe mudanças no comando técnico e algumas no plantel e as desilusões voltaram a reinar, apesar da vitória na Supertaça e da bonita campanha europeia, onde Manchester United e Liverpool (campeão europeu da altura) caíram aos pés do Benfica, só superado pelo futuro campeão europeu, Barcelona. Contudo, essa época marcou a minha primeira visita ao estádio do Sport Lisboa e Benfica, numa partida a contar para a 17ª jornada da liga, em que vencemos o Paços de Ferreira (localidade onde vivo) por 2-0 com autogolo de João Duarte e golo de Geovanni. Estes foram os meus primeiros anos como adepto e já fervoroso do Benfica onde, depois de uma derrota em Vila do Conde na caminhada para o título de 2005, tive que ir para o hospital com vómitos devido ao sistema nervoso. Logo aí percebi que ser do Benfica é um sentimento diferente de tudo, é um amor que não tem qualquer tipo de racionalidade e explicação. Mais anos se seguiram entre derrotas e vitórias, entre lágrimas e sorrisos. Num desses anos, novembro de 2007, os Bombeiros Voluntários de Paços de Ferreira proporcionaram-me a oportunidade de conhecer um dos meus ídolos da altura, Rui Manuel César Costa. Falei com ele antes do início do jogo em Paços de Ferreira e ele, de forma extremamente simpática, ofereceu-me a camisola no final da partida e os responsáveis do clube concederam-me o privilégio de estar à porta do balneário onde estava a equipa, tirar uma foto com Rui Costa e receber autógrafos de jogadores como Angel Di María, Tacuara Cardozo, Luizão, entre muitos outros.
Dois mil e nove - dois mil e dez foi o regresso aos campeonatos e ao futebol espetáculo. Seguiram-se três épocas de desilusões constantes em que, nem a Taça da Liga, salvava qualquer tipo de desejo benfiquista, como é óbvio e compreensível. 2013 marcava uma das reeleições de Vieira à frente do nosso clube e, com ela, a promessa eleitoral 3-1-50 (3 campeonatos, uma final europeia e 50 títulos a nível eclético). Todos esses objetivos foram cumpridos, ao longo desse mandato foram ganhos 3 títulos de campeão, fomos a duas finais europeias e vencemos bem mais de 50 títulos no ecletismo. Essas temporadas coincidiram também com a minha entrada na universidade e, acreditem ou não, até o curso foi escolhido devido ao Benfica. Adorava, na minha ingenuidade da juventude, ouvir falar do Benfica na rádio, na televisão, nos jornais, nas redes sociais, em tudo o que era meio de comunicação. Este encanto fez-me seguir Ciências da Comunicação e a vertente de Jornalismo, porque sonhava e ainda sonho, um dia estar ligado a algum meio de comunicação, sobretudo rádio, ou agora podcasts, a falar sobre aquilo que me faz levantar todos os dias, o Sport Lisboa e Benfica.
Foi, também, ao longo desses anos que se deu o meu regresso ao nosso estádio num Benfica 3-0 Paços de Ferreira em Setembro de 2015. Até essa temporada só assistia ao vivo aos nossos jogos em Paços de Ferreira e, acreditem que apesar de não ver, é muito melhor ir ao estádio. O ambiente, o cheiro da relva, o som embora pouco do toque na bola, tudo isso é absolutamente espetacular para quem é cego (eu falo por mim). A partir dessa época já comecei a ir mais vezes à luz, embora as saiba de cor e não vá tanto como gostava. Paços de Ferreira em 2005 (2-0), Paços de Ferreira em 2015 (3-0), Boavista em 2017 (3-3), Estoril em 2017 (2-1), Chaves em 2018 (3-0), Porto em 2018 (0-1), Braga em 2018 (6-2), Santa Clara em 2019 (4-1 jogo do título), Porto em 2019 (0-2), Portimonense em 2021 (0-1)Bayern em 2021 (0-4), Dinamo Kyiv em 2021 (2-0), Liverpool em 2022 (1-3), Estoril em 2023 (1-0), Vizela em 2024 (6-1), Chaves em 2024 (1-0) e Estrela em 2024 (1-0). Também em 2015 comecei a ir aos jogos fora e não só em Paços de Ferreira, entre 2005 e 2015 só em Paços de Ferreira com (3-1 2006, (1-1) 2006, (1-2) 2007 jogo em que recebi a camisola do atual presidente, (3-4) em 2008, (1-3) 2009, (1-5) em 2011, (1-2) em 2012, (1-2) em 2012, (0-2) em 2013 Taça de Portugal, (0-2) em 2014, (1-0) em 2015, (1-3) em 2016, (0-0) em 2017, (1-3) em 2018, (0-2) em 2020, (02) em 2022, (0-2) em 2023, jogos fora de Paços: 2011 (2-1) final da Taça da Liga, Freamunde 2012 (0-4) taça de Portugal, Braga 2015 (0-2), Moreirense 2016 (1-4), Boavista 2016 (0-1), Académica 2016 (1-2), Braga 2017 (0-1), Moreirense 2017 (0-1), Boavista 2017 (2-2), Boavista 2017 (2-1), Braga 2018 (1-3), Porto (1-3) 2019 taça da liga, Porto (2-0) supertaça 2023. Em 2016, Vieira, e bem, ganhou as eleições com as propostas eleitorais anteriores cumpridas, porém tudo se começou a desmoronar no final do nosso inédito tetra.
Quando, quase por milagre, chegamos, em 2018, ao jogo com o Porto, na luz, na liderança do campeonato, aconteceu um banho de realidade com um pontapé de Herrera aos 89 minutos. Já na Liga dos Campeões, essa foi a fatídica época em que fizemos 0 pontos. Os indicadores eram mais do que muitos de que o desinvestimento e o pensamento única e exclusivamente em vendas era claro e prejudicial para a equipa.
Tudo isto para dizer que, a partir deste momento e, apesar de termos vencido mais dois títulos, tudo se tornou diferente para pior no Sport Lisboa e Benfica.
Eu gostaria de sentir mais interação com o adepto. Tal como Rui Costa me deu a camisola, gostaria que o filho do João Paulo não fosse afastado de João Neves enquanto pedia um autógrafo ao seu ídolo! Tal como eu assisti à chegada do autocarro no jogo do título em 2019, gostaria que não desviassem o autocarro da sua rota para que os jogadores sintam o carinho dos adeptos. Tal como eu nasci e amo o Benfica, quero que as crianças de hoje em dia amem o Benfica, o de 1904, não o de 2003 e digo isto eu que comecei a estar mais atento ao clube, a viver o clube desde 2003!
Rui Costa foi um craque como jogador mas como presidente será que o está a ser? No que me compete analisar como adepto, não está! Está, infelizmente, a seguir um caminho muito semelhante ao seu antecessor mas, com muita tristeza minha, sendo ainda pior!
A nível de modalidades masculinas estamos cada vez mais ridicularizados pelos nossos rivais e a nível futebolístico temos um clube que em 2018 sofreu um ataque à sua academia e já está muito melhor estruturado do que nós que vínhamos de um tetra na altura, temos outro rival que, quase em falência financeira, ao contrário do que se apregoava para os lados da luz que respirávamos saúde económica, no último jogo contra eles nos humilhou e nota-se claramente muito mais planeamento desportivo do que o nosso!
Obrigado, Benfica por me teres dado a conhecer o António, a Rosalba, o Bruno, o Bernardino, entre muitos outros. Obrigado, Benfica por me teres dado a conhecer o Benfica Independente e os seus colaboradores.
Não me deves nada, Benfica, eu devo-te devoção e amor, mas, por favor, volta a ser nosso! Rui! Acorda, lembra-te que o teu amor é o nosso amor! Nós não amamos o dinheiro do Benfica, amamos o emblema do Benfica! Viva ao Benfica,! Amo-te Benfica!"

Cerveja nos estádios? Sejamos sinceros: ‘desporto’ e ‘álcool’ na mesma frase não bate certo


"Os clubes da I e II Ligas de Portugal voltaram recentemente a falar da hipótese de ser levantada a proibição do consumo de álcool dentro dos estádios. Duarte Gomes analisa os prós e contras da eventual reinserção deste tipo de bebidas nos recintos - onde hoje são proibidas para a maioria, mas não para quem assista a um jogo nos camarotes

Os clubes profissionais querem que volte a ser autorizada a venda de bebidas alcoólicas nos recintos desportivos. O tema tem estado em cima da mesa e voltou a ser abordado recentemente, no último Thinking Football Summit.
A questão é sensível e tem óbvios prós e contras. O certo é que a lei portuguesa há muito que proíbe o consumo de álcool nas bancadas, numa medida que não é uniforme a nível europeu.

A perspetiva pessoal
Sobre esta matéria, devo ser muito honesto: por princípio, sou anti-álcool. É uma opção, uma forma de ser e de estar na vida. Quem me conhece sabe que não bebo, nunca bebi, não toco, nunca toquei em nada que tivesse teor alcoólico. E é precisamente por isso que consigo reconhecer que esta visão extremada não pode nem deve ser imposta à dos outros, sobretudo aos muitos que bebem com equilíbrio, razoabilidade e moderação.
O meu problema com o álcool é muito claro: por ter a capacidade de alterar o estado físico, psíquico e emocional, pode ser, como tantas vezes é, causador de problemas entre pessoas. E como se sabe, alguns eventos desportivos como o futebol são ponto de encontro de milhares de adeptos, que ficam durante horas encostados uns aos outros, assistindo a um jogo que pode potenciar tensão, intolerância e irritabilidade. Ora, se a isso juntarmos o consumo autorizado de substâncias capazes de adulterarem a razão, o resultado pode ser não ser bom (como tantas vezes não foi).
Apesar da escassez de estudos fidedignos nesta matéria, a verdade é que o consumo não controlado de álcool é suscetível de causar problemas de segurança para quem bebe e para quem os rodeia, gerando provocações, conflitos e até agressões que a modalidade bem dispensa.
Por alguma razão existe uma proibição legal.

A perspetiva dos clubes
Os clubes defendem a sua posição e interesses, o que é legítimo.
Sentem que estão a perder fonte de receita importante (e é verdade que, por aí fora, há quem fature muito dinheiro com esta opção) e sentem-se discriminados: é que, além desta possibilidade ser permitida em alguns países, por cá a proibição é apenas nas bancadas, não sendo extensível aos camarotes. Ora isso cria a ilusão que a sede e prazer de uns é mais importante do que a sede e prazer de outros. Ou que há adeptos de primeira e adeptos de segunda. Não faz sentido, de facto.
Devo dizer que não concordo com alguns dos argumentos, como o que refere que a medida é inócua porque “os adeptos bebem livremente nas imediações do estádio”.
Não confundamos as coisas: uma coisa é o que acontece na via pública, outra é aquilo que deixamos que aconteça na nossa casa. Se eu estou a fazer dieta e como doces na rua, ajuda não comer mais dentro de casa, senão duplico a possibilidade de engordar. Um dano é metade de dois. E no caso concreto, essa pode ser a diferença entre saciar a sede com amigos antes da bola começar ou embebedar-me lá dentro e asneirar.
Já a questão da venda de álcool potenciar a ida de mais gente ao futebol, bem, é encontrar formas alternativas de atrair adeptos (e o que não faltam por aí são bons exemplos para replicar).
A verdade é que os clubes são responsáveis pelo que acontece no seu espaço e devem impedir o acesso de pessoas visivelmente inebriadas para o interior dos estádios.

A solução
O tema é mesmo sensível e deve voltar à mesa para ser discutido com cabeça, tronco e membros por quem de direito. Se for encontrada forma eficaz controlar a ingestão de álcool nos recintos (por exemplo, através da venda bebidas com baixo teor de álcool, limitado por pessoa e proibida em jogos de risco), não me choca que a proibição possa ser levantada.
Mas acho realmente que deve haver pensamento sério, que se traduza em algo palpável, que defenda não apenas os clubes e os seus adeptos, mas sobretudo o desporto.
E sejamos sinceros, ‘desporto’ e ‘álcool’ na mesma frase não bate certo.
Aqui há uns anos, restaurantes, bares e discotecas temiam pelo seu futuro perante a proibição de fumar em espaços fechados. Hoje continuam a existir restaurantes, bares e discotecas."

Um fabuloso ser exótico disfarçado de futebolista inglês


"Guarda-redes por convicção, Vladimir Nabokov escreveu páginas e páginas sobre futebol.

Foi um menino rico, viveu na opulência dos palácios de São Petersburgo, soube apaixonar-se pelas noites brancas de Dostoiévski. Os pais colocaram-no no colégio Tenishev, que não abria lugar para qualquer, a mãe protegia-o como uma crisálida e, talvez por isso, o único desporto que o deixava praticar era a caça às borboletas no jardim de sua casa. Descreveu tudo isso em Fala, Memória, a sua autobiografia. Às escondidas jogava futebol na equipa do colégio. A guarda-redes. Era tranquilo. Colocava-se a preceito, dominava os ângulos, não entrava em excentricidades. Ou seja, não dava nas vistas. O seu irmão Serguei tentou segui-lo mas não levava muito jeito. Falo de Vladimir Vladimirovich Nabokov. Um dia escreveu: «O guarda-redes é a águia solitária, o homem misterioso, o último dos defesas. Não guarda apenas a baliza: guarda os sonhos». Falo do rapaz tomado pela tuberculose. Tomado pela fragilidade do físico. O rapaz que teimou, apesar de tudo, em guardar sonhos.
Veio a revolução dos bolcheviques e os Nabokov perderam o seu palácio. O menino rico foi para Cambridge estudar inglês, foi em inglês que escreveu muita da sua obra. Não abandonou as balizas. Jogou na equipa universitária. Houve gente do seu tempo que dedicou livros a Vladimir Nabokov/guarda-redes: Brian Boyd (Vladimir Nabokov: The Russian Years), Thomas Karshan (Nabokov and Play). Mas, acima de tudo, houve o poema do pai de Lolita que falava da bola e do jogo: «(…)Is kicked in a lightning curve/The sonorous shot soars, and/I leap up, blocking its rapid flight/With a deflection». Vladimir era sobretudo um solitário. Este poema é dedicado a uma rapariga. Uma rapariga que ele vira passar na rua acompanhada por um rapaz igual a tantos outros. E ele reconhecera-o pelo riso, pelo cachimbo, pela alegria. E a rapariga viera numa tarde de céu azul para ver o seu jogo. «Gratifying game! An open space/ With dazzling shirts. The lively ball».
Os Nabokov ficaram sem dinheiro. Vladimir ficou sem o fim da infância. O menino rico de São Petersburgo mudou rapidamente para homem em Cambridge. Não houve nenhum guarda-redes eterno que lhe guardasse o sonho. E ele, nas balizas, deixou de ser tranquilo como era. Gritava. Gritava muito. No fundo, libertava do peito a revolta de não ter conseguido continuar a ser menino e não ter tido a coragem de dar a mão a Tamara, paixão entranhada da sua infância pintada a borboletas. E os defesas obedeciam-lhe como se cada grito seu fosse uma ordem de general de exército.
Foi para Londres e para o Trinity College._Continuou a jogar: «Encantava-me o lugar de guarda-redes. Na Rússia, como nos países latinos, é um posto rodeado de uma aura de luminosidade que não se explica. Distante, solitário, impassível». E concluía: «Eu não guardava uma baliza, eu guardava um segredo».
O corpo medrou-lhe, desapareceram as fragilidades tísicas da meninice, usava um barrete grosso, uma camisola de gola alta e guardava as luvas no bolso traseiro dos calções. «Tive dias brilhantes e vigorosos: o cheiro intenso da relva, o avançado famoso que se aproximava arrasando defesas e empurrando a bola com a ponta cintilante da bota até ao disparo venenoso e à minha feliz parada».
Durante toda a vida, Valdimir Nabokov escreveu sobre futebol. Prosa e poesia. Como em 1920, o poema Assim, Futebol: «A bola saltava sem que soubesses/que um dos jogadores descuidados/criava o entardecer em silêncio/e a anatomia dos tempos esquecidos». Guardou nas memórias: «Cruzava os braços e encostava o ombro ao poste esquerdo. Desfrutava do luxo de fechar os olhos e escutava, então, os latidos do coração, ao mesmo tempo que sentia chuviscos cegos na minha cara e ouvia, distantes, os sons soltos do jogo. Via-me como um fabuloso ser exótico disfarçado de futebolista inglês que escrevia versos num idioma que não entendia sobre um país do qual nada sabia». Em Berlim, jogando pelo Russian Sport Club, chocou com violência contra um avançado contrário. Ficou maltratado. A mulher, Vera, pediu-lhe que parasse. Vladimir deixou as balizas: «Em calções curtos/e camisolas multiculores/os jogadores contrários avançavam». Ele é que já não estava lá."