"PARIS - Hoje é dia de apanhar o avião e regressar a Lisboa, 35 dias depois de ter partido rumo à aventura do Euro-2016. E que aventura! Saio de França com Portugal campeão da Europa, depois de ter tido o privilégio de ver ao vivo e a cores não só os sete jogos da turma das quinas mas também a vida, por dentro, do grupo liderado por Fernando Santos. Via história a ser escrita à frente dos meus olhos.
Sendo verdade que tudo está bem quando acaba bem, nem tudo foram rosas no seio da Selecção Nacional e depois do empate da Áustria muitas dúvidas foram levantadas. Lapidar a resposta, então, perante dificuldades, do seleccionador nacional: «Só vou dia 11 para Portugal e vou ser recebido em festa.»
Ontem, 11 de Julho, com o país feliz e ensonado, Fernando Santos teve a festa com que sonhou e fez sonhar Portugal. A convicção profunda do técnico, nacional nos seus jogadores foi a chave deste caminho vitorioso, com um discurso afirmativo, sem pedir desculpa a ninguém por achar que Portugal podia ser campeão da Europa. Confesso que quando o ouvi pela primeira vez dizer que era esse o objectivo que trazia para a FPF, pensei cá para os meus botões: «Ser possível é, já lá andámos perto; mas daí a consegui-lo são outros quinhentos.»
Foi preciso eliminarmos a Croácia para eu começar a acreditar que pelo menos era possível chegar à final. Mas, contactando diariamente com Fernando Santos, já tinha percebido a enorme força interior que o move e a forma fácil como chegava aos jogadores. E não que o técnico nacional conseguiu mesmo entrar na cabeça dos seus pupilos? E foi isso que fez toda a diferença. A partir do momento em que esta química entre treinador e jogadores funcionou, o céu passou a ser o limite...
Acompanho a Selecção Nacional há quatro décadas, já vi coisas boas e coisas más, nas atitudes, na organização e na mentalidade. O esforço feito este ano foi notável - e estou em condição de fazer esta afirmação - e redundou num relacionamento mais humano com os adeptos, neste caso os militantes marcoussianos, e mais próximo (sem que ninguém ultrapassasse a linha do eticamente certo) com a comunicação social. Estas duas mudanças de atitude, só possíveis com um seleccionador que não viva atormentado por fantasmas, resultaram num clima desanuviado de que todos beneficiaram.
E se a Hungria tem feito 4-3 no último minuto, tudo isto que foi escrito teria alguma validade? A resposta é muito simples: em futebol não há ses...
E se a Hungria tem feito 4-3 no último minuto, tudo isto que foi escrito teria alguma validade? A resposta é muito simples: em futebol não há ses...
Ao longo de mais de um mês em França, confesso que me diverti, sobretudo com as peripécias em torno do galo de Marcoussis, um exercício que mostra como a superstição tem sempre lugar numa actividade como o futebol sem que daí venha algum mal ao mundo. E o râguebi francês, dono do galo (que recebeu da FPF 20 mil euros por dia pela cedência de instalações), sempre pode dizer que foi graças as suas infraestruturas de excelência que Portugal se sagrou campeão europeu, embora isso não deva agradar muito à Federação Francesa de Futebol, que tem sede em Clairefontaine, não muito longe de Marcoussis (30 quilómetros, mais coisa menos coisa).
Sustos daqueles que não se desejam a ninguém, só apanhei um ao longo deste tempo todo. Foi em Lens, no dia do Croácia-Portugal, quando a polícia rebocou o carro de A BOLA, com os computadores bo porta bagagens. Confesso que aqueles minutos até perceber exactamente quanto tempo demoraria o processo burocrático para levantar a viatura do depósito, foram cruelmente longos. Mas lá conseguimos chegar a horas para o pontapé de saída e a mais do que tempo para assistir ao golo de Ricardo Quaresma, mesmo ao cair do pano.
Também posso dizer que saio de França com doutoramento em bouchons, ou seja, em engarrafamentos. O trânsito nas grandes cidades francesas - Lyon, Marselha e Paris - é horrível, não há outro adjectivo que o caracterize com maior rigor. E como fizemos mais de sete mil quilómetros durante estes dias, passámos horas infindáveis nas autoestradas, cujas áreas de serviço já conhecíamos de cor e salteado. No regresso de Marselha - são mais de 800 quilómetros até Paris - tivemos o azar da viagem coincidir com o primeiro dia de férias, o que tornou o trajecto uma loucura, entre autocaravanas e roulottes, que pareciam não ter fim.
Recordo que quando aqui cheguei a preocupação principal era a segurança e para muitas pessoas ligadas à organização a única questão em aberto era saber o dia em que o Euro-2016 sofreria um ataque. Receios infundados, por um lado; por outro, a segurança que envolveu o evento não foi nada de especial, excepção feita a Saint-Denis, onde os carros eram revistados antes de entrarem no parque e havia cães farejadores pelas salas de imprensa a farejar explosivos.
Anteontem, dia da final, a organização voltou a não estar à altura das circunstâncias. Faltou tudo, até a água era racionada, num exercício de mediocridade de quem passa a maior parte do tempo a pensar que é o suprassumo da barbatana. Enfim.
Aos episódios que tenho contado neste espaço, tinha mais um para acrescentar. Porém, o Fernando Urbano pediu-me para ser ele a narrar os factos, pelo que remeto para uma das páginas deste edição, uma história em que estupidez humana é bem retratada.
Despeço-me, ainda sous le ciel de Paris, do Sous Le Ciel de Paris. Agora vou em gozo de merecidíssimas férias, regressando ao activo com novas crónicas a partir de Agosto, desta feita no Rio de Janeiro, onde estarei para os Jogos Olímpicos. Vão chamar-se «Brasil a ouro, a prata e bronze»"
José Manuel Delgado, in A Bola