"Nunca é fácil gerir o fim de ciclo de um jogador, sobretudo de um jogador como Luisão. Exige sensibilidade e bom sendo.
Nunca será fácil, ou facilmente resolvido, o final de ciclo de um jogador de futebol. O caso de Luisão não foge, obviamente, a essa regra. Já se tinha previsto que estaria próximo o fim do ciclo de Luisão no Benfica. Normal. Já são 13 - para 14 - as épocas de Luisão na Luz, quase 500 jogos oficiais e quase 50 golos, mais 5 títulos de campeão nacional, 2 Taças de Portugal, 7 Taças da Liga e 3 Supertaças e ainda duas finais da Liga Europa.
Impossível não reconhecer que Luisão deu muito ao Benfica, como é impossível não reconhecer (sobretudo ele próprio) que o Benfica deu muito a Luisão.
É um dos jogadores mais bem pagos do plantel, é o capitão de equipa, é hoje, de longe, o que tem mais experiência do clube e isso também lhe dá um estatuto que na maioria das vezes só mesmo o tempo costuma permitir.
Dir-se-á que perante isso, Luisão ganhou dimensão de figura suficiente importante para não ser empurrado para fora da Luz, que é um bocadinho o que pode parecer esta estranha situação de que se fala que poderá levar Luisão ao Wolverhampton, da segunda liga inglesa. Pode, na verdade, não estar Luisão a ser empurrado, mas é o que parece.
Se é verdade que nunca é fácil gerir o fim de ciclo de um jogador, é sobretudo ainda mais difícil quando se trata de um jogador com o tal estatuto de Luisão, como não foi fácil gerir o fim de ciclo de Nuno Gomes na Luz, ou por exemplo o de Jorge Costa no Dragão... como estamos todos recordados, só para citar casos de jogadores-símbolos nas respectivas equipas.
Começa logo por ser difícil pela dificuldade de qualquer jogador reconhecer estar chegado o final de carreira, o que é humano e acontece certamente um pouco com cada um de nós, por mais diferentes que sejam os cenários de reforma profissional.
Além disso, para quem ganhou estatuto tão distinto, também não será fácil a um jogador assumir um novo e tão secundário plano. É a vida, e Luisão, como todos os outros, deverá saber aceitá-lo. Mas isso, por si só, não resolve tudo.
Quando quis pôr fim ao ciclo também de um capitão, o FC Porto chegou a empurrar Jorge Costa, primeiro, para o modesto Charlton, de Inglaterra (de onde seria resgatado de volta por Mourinho), e mais tarde, por fim, para o Standard de Liège, da Bélgica, onde Jorge Costa viria a terminar a brilhante carreira de jogador.
Aos 35 anos, depois de tanto jogo, de muitas glórias e algum insucesso, depois de tanta alegria e sobretudo a tristeza de algumas lesões, Luisão já não pode ser o mesmo, e não mais será certamente o mesmo que foi sobretudo há duas épocas, quando teve, então ainda sob o comando de Jorge Jesus, talvez um dos seus melhores anos ao serviço do Benfica, esgotando, por assim dizer, todos os seus limites, com a conquista do bicampeonato.
Reconhecidamente fortíssimo do ponto de vista do carácter competitivo e reconhecidamente um grandíssimo profissional (por muito que se possa discutir a sua personalidade), Luisão leva tempo suficiente de Benfica para merecer não ser empurrado de qualquer maneira para fora da Luz.
Julgará o Benfica que na impossibilidade de jogar tanto como quereria possa Luisão tornar-se mais problema do que solução, e na realidade foi possível notar na última época algum amuo por ter ficado no banco após recuperar de lesão, uma vez que o jovem Lindelof dava, e de que maneira, conta do recado no lugar do capitão.
Por saber que é desejável que esta época Lindelof possa continuar a dupla com Jardel ou mesmo eventualmente Lisandro Lopez, talvez tenham os responsáveis do Benfica sido levados a precipitar a possibilidade de resolver o problema com a saída de Luisão.
O problema é que, pelo menos aparentemente, nem a solução - Wolverhampton, criada com a ajuda do agente Jorge Mendes, parece indicada para resolver o problema-Luisão, sobretudo se considerarmos a exigência financeira do internacional brasileiro, muito pesada, ao que parece, para as intenções do clube inglês.
Mas também porque desportivamente parece uma solução sem sentido.
Faria sentido que Luisão fosse ganhar ainda algum dinheiro que se visse para o futebol norte-americano ou chinês. Faria sentido embora sem a mesma recompensa financeira - uma solução que pudesse levar Luisão de regresso ao futebol brasileiro, onde a experiência dos seus 35 anos seria ainda importante mais-valia.
Ir para o Wolverhampton e para um campeonato secundário onde a exigência competitiva é, porém, tremenda, fará, seguramente, menos sentido a não ser que... muito bem paga. É, pelos vistos, o que Luisão pretende, esticando a corda o mais que pode, sabendo que está no último ano de contrato com o Benfica.
De fora, e bem à distância, parece-me que Luisão defende os legítimos interesses pessoais e parece-me que o Benfica se percipitou ao parecer dar como certa a saída do capitão e, sobretudo, ao deixar que se soltasse essa informação.
Não é fácil gerir o fim do ciclo de um jogador. E muito menos de um jogador como Luisão. Com o peso e a experiência de Luisão. E sobretudo com o conhecimento que Luisão tem do Benfica.
Exige cuidado e delicadeza. Exige elegância e esperteza. Exige sobretudo sensibilidade. E bom sendo. E sobretudo silêncio. Qualquer erro pode custar caro.
Às vezes, demasiado caro!"
João Bonzinho, in A Bola