"As duas doenças mais frequentes no futebol do Brasil contradizem-se. Ou não
No Brasil coexistem duas doenças relacionadas ao futebol aparentemente – sim, aparentemente – antagónicas entre si. Uma é o pachequismo a outra o viralatismo.
O pachequismo nasceu, ao que consta, de um personagem fictício chamado Pacheco, criado para promover o Mundial-1982, que considerava o Brasil acima do bem e do mal futebolísticos.
Um exemplo de Pacheco é aquele jornalista que disse nos últimos dias que, no passado, Messi e CR7 jogariam num clube grande do Brasil, mas que a De Bruyne estaria reservado «um clube médio como o Goiás» porque o belga «é um jogador médio como o Goiás» – sim, o mesmo De Bruyne, que é estrela daquele Manchester City que goleou o Fluminense no Mundial de Clubes e que dinamitou a defesa brasileira nos quartos de final do Mundial russo de 2018.
Para o Pacheco, os mundiais são ganhos pelo Brasil ou perdidos pelo Brasil – jamais são conquistados por outra seleção. O Mundial-98? Não foram os franceses, mesmo com Zidane, Henry, Trezeguet, Thuram, Desailly, Barthez, todos no auge, que o ganharam, foram os brasileiros que o perderam por culpa da convulsão do Fenômeno.
O Pacheco é, naturalmente, produto de uma geração: são aqueles brasileiros, hoje com quase 70, ou acima, que cresceram vendo o Brasil ser campeão mundial por sistema, em 1958, em 1962, em 1970.
Os brasileiros mais novos, os da era digital, que conviveram com mais insucessos do que sucessos e que têm interesses desportivos globalizados, são muito menos permeáveis ao pachequismo.
Mas, em contrapartida, sofrem, com frequência, de viralatismo, a síndrome da autodepreciação muito brasileira também conhecida como complexo de vira-lata, inventada pelo dramaturgo Nelson Rodrigues.
Preferem torcer por Real Madrid, Barcelona, Liverpool ou Milan do que por clubes brasileiros e, nos casos mais graves, acham Messi, CR7 e, porque não, De Bruyne acima de Pelé.
O vira-lata do futebol submete-se, sobretudo, à Europa (no resto, economia, política ou sociedade, bate continência aos EUA), jamais à América do Sul.
Por exemplo, se um clube brasileiro contrata os ótimos argentinos Cano ou Vegetti ou os excelentes colombianos Arias e Ríos, todos sem passagem pelo crivo europeu, dão de ombros; já se chega alguém natural do Velho Continente, seja quem for, ficam em pulgas – o último exemplo foi a excitação com a cogitada contratação a peso de ouro do ex-jogador em atividade Mario Balotelli para o Corinthians que, para sorte do Timão, o treinador argentino Ramón Díaz, rejeitou à última hora.
Ou seja, o pachequismo e o viralatismo’são o reverso exato um do outro, pensará o leitor. Mas só na aparência – sim, na aparência – porque, diz-nos a psiquiatria, complexo de superioridade e complexo de inferioridade pertencem à mesma árvore patológica."