"Nemanja Radonjic foi a solução encontrada pelos responsáveis encarnados para suprimir o vazio deixado pelas saídas de Pedrinho e Cervi, numa substituição que não se rege por quaisquer trâmites estilíisticos ou linha orientadora para jogadores daquela posição – ao contrário da criatividade e jogo entrelinhas que o brasileiro oferecia e da resignação tática do argentino, o sérvio Nemanja é um extremo à ‘antiga’.
Assenta o seu jogo numa verticalidade apoiada em velocidade de ponta e numa obsessiva tendência para investir no um contra um: nem sempre bem decidido, muito menos certeiro no momento da finalização, com defeitos que persistem na sua evolução enquanto jogador, desde as etapas formativas no FK Partizan, AS Roma ou Empoli FC até à explosão ao serviço dos rivais do Estrela Vermelha.
Ao seu perfil técnico concilia-se a irreverência típica do jogador oriundo dos balcãs, com dificuldades em estabilizar emocionalmente ou seguir regras estabelecidas – a carreira de Radonjic é marcada por episódios caricatos, más companhias e rumores que se tornam percalços no caminho da sua consolidação enquanto futebolista de elite.
O talento está lá, como ficou demonstrado recentemente (março deste ano) no encontro frente a Portugal, no 2-2 em Belgrado – foi ele o assistente dos dois golos sérvios, numa exibição que meteu em causa as capacidades de Nuno Mendes e companhia. Pérola à espera do mesmo polimento que Jesus conseguiu aplicar em Lazar Markovic, recorrente figura de comparação com a mais recente contratação benfiquista: empréstimo de um ano com cláusula de compra de oito milhões.
Em Marselha, foi sempre incapaz de se assumir nos terrenos da titularidade, desde que assinou no Verão de 2018 a troco de 11 milhões de euros, depois de o jogador ter explodido em contexto interno de Liga Sérvia e ter sobressaído nas eliminatórias de acesso à Champions. Nessa ocasião, os sérvios atravessaram todas as quatro pré-eliminatórias à boleia das exibições de Nemanja, que jogou os oito jogos, acumulando quaro golos. O Marselha não perdeu tempo e pescou-o antes da janela de agosto fechar.
No sul de França a tarefa foi-lhe complicada. 62 jogos divididos por três temporadas, um empréstimo de mediano aproveitamento ao Herta de Berlim em 2020-21 (12 jogos em meia temporada, com um golo e duas assistências). Ou seja, com a camisola do Olympique cumpriu 2040 minutos desde 2018, o que perfaz um total de 22 jogos completos – manifestamente pouco para alguém que prometeu mundos e fundos quando despontou no país natal.
Procura ainda o seu território em contexto internacional ao nível de clubes, num patamar muito abaixo daquilo que produz pela camisola do seu país – desde a estreia com a camisola roxa, em novembro de 2017 (numa tour pela Ásia, de preparação para o Mundial da Rússia) não mais deixou de fazer parte das primeiras escolhas.
Mladen Krstajic levou-o para a Ásia, deu-lhe três internacionalizações e inscreveu-o na lista final para o certame russo à frente de, por exemplo, Mijat Gacinovic, extremo igualmente irreverente que defendia à época as cores do Eintracht Frankfurt de Adi Hütter e que por estes dias é elemento válido no TSG Hoffenheim.
No Mundial pouco produziu (apenas 17 minutos divididos entre as derrotas frente à Suíça e ao Brasil), a Sérvia acabou em terceiro do grupo E, sendo uma das grandes desilusões da prova – mas as oportunidades continuaram a surgir, com a assiduidade e participações relevantes nos melhores momentos da turma, deixando explicito o mundo de diferença em termos de rendimento apresentado entre clubes e seleção. Uma questão de saudade? Fica no ar a reticência pela distância entre Lisboa e Belgrado.
Nasceu futebolisticamente no Partizan, mostrando desde muito cedo um talento gigantesco que deixava antever exuberante afirmação como nova grande coqueluche do futebol sérvio – o novo Lazar Markovic, como era muitas vezes referenciado – e com um futuro ascendente sem qualquer tipo de travão até ao topo europeu.
As razões que levaram ao incumprimento desse destino quase obrigatório são caricatas, provocatórias de uma gargalhada só possível pela distância emocional que temos das rivalidades naquela zona da Europa: recusou-se, simplesmente, a assinar o contrato profissional proposto pelos diretores, em 2013.
Com 16 anos e com toneladas de expectativas aos ombros, teve o descaramento de disparar uma negativa. Sem nenhuma certeza quanto aos motivos, muitos foram os rumores a tentar explicar tão insólita circunstância, que o fez abandonar o clube e rumar à Academia George Hagi, na Roménia – a teoria mais aceite, que por acaso é aquela que alavanca dramaticamente toda a sua história, rege-se por diretriz… do coração.
Ao que parece, a sua paixão enquanto adepto do Estrela Vermelha era tão radical que lhe seria impossível representar o rival ao mais alto nível! Natural, então, que tenha saído imediatamente do país rumo à Roménia, onde aguardaria por notícias e contratos melhores na Academia George Hagi.
Esteve ali poucos meses. Os diretores romenos tinham estreitas relações com os responsáveis da AS Roma: Walter Sabatini (homem-forte do futebol romano de 2011 a 2017, responsável pelas contratações de Lamela, Marquinhos, Strootman, Gervinho, De Sanctis, Nainggolan ou Mehdi Benatia) apaixonou-se pelos seus talentos e não descansou enquanto não o trouxe para a capital italiana e o instalou num quarto em Trigoria – centro de treinos dos Giallorossi -, fortemente supervisionado.
Não se precaveu, foi, em primeiro lugar, da influência adamastoresca do seu empresário, o poderoso Fali Ramadani – que, além de grandes exigências bancárias (a AS Roma pagou, até 2018, momento da compra do passe por parte do Marselha, 3,1 milhões de euros em comissões – por um jogador que fez apenas… três jogos pela sua equipa Primavera!) tinha em carteira jogadores como Jovetic ou… Adem Ljajic, craque dos séniores da AS.
Ora, para Adem foi um passatempo interessante tornar Radonjic, o prodígio conterrâneo, no seu protégé dentro do clube – e com ele provocar o caos, num sem número de partidas, situações de comportamentos desviantes e casos de indisciplina, entre os quais as recorrentes noitadas que se transformavam em diretas antes de treinos matinais.
Adem, pelo estatuto, conseguiu manter-se na capital até agosto de 2015, quando foi emprestado ao Inter – já Radonjic apenas teve a paciência dos diretores até… julho de 2014, ou seja, sete meses. Seria “emprestado” (num negócio com muitos ‘ses’) ao Empoli, onde também apenas fez um par de jogos pelos Primaveras, e seguidamente ao Cuckaricki, primodivisionários no país natal.
Foi aí que começou a encarrilar, a demonstrar o porquê de tanto dinheiro investido em si e tanto falatório à sua volta. Uma época (27 jogos e quatro golos) chegariam para o Estrela Vermelha avançar para a compra do seu passe. É aqui que a teoria da sua recusa aos 16 anos bate certo – foi com a camisola vermelha e branca que o voluntarioso extremo ‘explodiu’, acumulando exibições vistosas e preponderantes no sucesso da equipa, ganhando consistência no rendimento individual.
É campeão nacional na primeira temporada, sendo nomeado para o onze da Liga. Na época seguinte ajudaria o mítico campeão europeu de 1991 a voltar à ribalta continental, ao levar a equipa a ultrapassar quatro pré-eliminatórias até à fase de grupos – feito notável tendo em conta que os sérvios não participavam na competição desde a grande conquista.
Um interregno de 27 anos terminado pelo talento de Nemanja Radonjic, que com quatro golos nos oito jogos obrigou o Marselha a perder a cabeça , despendendo os supracitados 11 milhões, a única quantia que justificou a saída do ídolo para nova aventura fora-de-portas.
Se é verdade que nem a estatística nem as avaliações técnicas corroboram qualquer tipo de rendimento superlativo em três anos de França, é também óbvio a constatação de uma quase crónica falta de estabilidade do clube nestas últimas temporadas – a que mais próxima teve do sucesso foi a comandada por André Villas Boas, que levou os marselheses a um segundo lugar na Ligue I.
Meta inatingível na preparação daquela temporada e que se viu depois o porquê, com a complicada prestação na Champions League consequente (seis derrotas em seis jogos, que perfizeram um recorde de 13 derrotas consecutivas na competição) e a saída conturbada do técnico português entre muita contestação e instabilidade dos órgãos diretivos.
Na Luz, Radonjic encontrará outra tranquilidade, não só aquela proporcionada pela capacidade de trabalho de Jorge Jesus, como a provocada pela qualificação para a prova milionária, feito que reconciliou, em parte, a massa adepta com a equipa.
É num contexto pacífico em termos desportivos – paradoxalmente, tendo em conta a desastrosa época de 2020-21 – que o extremo sérvio chega ao SL Benfica, com reais hipóteses de lutar pela titularidade já que Everton Cebolinha teima em não explanar o potencial demonstrada na etapa sul-americana."