"Ao fim de trinta anos de graçolas e desaforos, talvez tenha chegado a hora de embrulhar em papel de celofane os contentores de 'ironia do costume' e devolver uma graça de cada vez
JÁ lá vai o Natal, mais um. No nosso país pararam os campeonatos ficámos entregues ao Boxing Day. Para os ingleses «tempo é dinheiro» - é mesmo um provérbio deles - e não há melhor altura para os clubes fazerem muito dinheiro do que esta com as famílias reunidas, britanicamente prósperas, dirigindo-se em grupos festivos até aos campos de futebol e pagando entradas.
Nós por cá nesta época não temos nada disso. No que diz respeito à prosperidade e à bola, entenda-se. No entanto fomos, uma vez mais, bafejados pela sorte. Do Natal ao Ano Novo, sem penaltis para discutir, as agendsa informativas da imprensa deleitaram-nos com as aventuras e desventuras de um compatriota nosso, basicamente designado como um burlão de cinco estrelas, a quem não faltaram fotografias de primeira página e aberturas de telejornais neste seu corrente período de fama.
Um burlão assim, pelo Natal, era o que mais vinha a calhar para distrair as famílias e para deixar em paz outros burlões mais qualificados e perigosos para o bem público. Chega de política, vamos mas é à bola.
Sem jogos não há penaltis não há árbitros e morrem todos os assuntos. Enfim, há assuntos que nunca morrem mesmo sem haver jogos. Não morrem, pura e simplesmente, porque não os deixam morrer. Pedro Proença, por exemplo, já se disponibilizou publicamente para arbitrar o Benfica-FC Porto que vem aí. E só isso perturbou o Natal de muitas famílias benfiquistas sendo que o árbitro em causa pertence a essa mesma grande família benfiquista.
- Vamos levar com o Proença no Benfica-FC Porto? - ouvi-se com preocupação em muitas Consoadas vermelhas.
- Diz que gostava.
- Se o Setúbal-Porto não tivesse sido adiado já não levávamos com ele.
- Teorias da conspiração!
- Então nem se fala mais do assunto.
- O Zé Guilherme de Aguiar diz que estamos nervosos.
- Diz que sim.
- Já provaste as rabanadas?
- Diz que estão muito boas.
Deixemos este pobre assunto em paz e sossego e regressemos a outras políticas mais comezinhas desta época festiva. Tomemos o exemplo de Helton, o guarda-redes brasileiro do FC Porto que, convenhamos, é uma simpatia. Helton já leva muitos anos em Portugal e no FC Porto e sempre se mostrou como um tipo tranquilo, bem-disposto e baterista nas horas vagas o que só atesta em seu favor.
Nunca se ouviu Helton falar com menosprezo ou acinte de emblemas, equipas ou jogadores adversários. Agora o bom do Helton viu o seu nome envolvido num despique verbal entre os presidentes do Benfica e do FC Porto e isto porque o presidente do Benfica, chateado com os três-penalties de rajada que reverteram em benefício aparente do adversário, se lembrou de dizer que o dito adversário estava autorizado pelos árbitros a jogar com dois guarda-redes.
O presidente do FC Porto deu uma resposta distraída considerando «idiota» a ideia de se poder jogar com dois guarda-redes. Uma resposta pífia, muito longe dos fulgores da proverbial «ironia do costume». Por ser boa pessoa, sentiu-se Helton na necessidade de suprir a falhada competência do patrão e, de preferência, com substâncias que lhe pudesse agradar.
E saiu-se com esta:
- O ideal era jogarmos com três guarda-redes.
E respondeu-lhe logo o presidente do Benfica.
- Em Paris tinam dado jeito três guarda-redes - gracejo cruel que Helton foi forçado a ouvir quando ainda está bem presente na memória de todos o grande frango que o simpático guarda-redes deu no Parque dos Príncipes no jogo com o Paris-Saint Germain a contar para a Liga dos Campeões.
Recordo que há muitos anos, era Silvino o guarda-redes da selecção nacional e teve também um espectacular instante de infelicidade dando um frango de considerável proporções num jogo no Estádio da Luz não me lembro contra que adversário. Noruega? Escócia? Adiante...
Silvino era guarda-redes da selecção e era também o guarda-redes do Benfica e o seu momento aziago não escapou então à mordacidade do presidente do FC Porto que teceu um ou dois comentários jocosos sobre o assunto.
Na altura não gostei. Achei cruel fazer pouco de um azar de um jogador, para mais um jogador ao serviço da selecção nacional, a «equipa de todos nós». E isto passou-se muito antes, décadas antes, de o presidente do FC Porto ter passado a preferir a selecção da Colômbia, como sugeriu Paulo Bento, o actual seleccionador nacional.
Gozar com o guarda-redes da selecção nacional só por ser também guarda-redes do Benfica pareceu-me uma coisa tão feia e deseducada como, imagine-se, se Luís Filipe Vieira se tivesse lembrado de gozar com João Moutinho e com Bruno Alves por terem sido eles, dois jogadores ligados ao FC Porto, a falhar as grandes penalidades decisivas no desempate com a Espanha na meia-final do último Europeu.
Mas quando Pinto da Costa fez pouco de Silvino toda a gente, excepto os benfiquistas e o próprio Silvino, achou muita graça. Era a triunfante «ironia do costume» a dar os primeiros passos.
Por tudo isto também não gostei de ouvir Luís Filipe Vieira lembrar a Helton, tão publicamente, o jeito que lhe teria dado mais dois colegas de posto, preferencialmente deitados um sobre o outro em cima da linha de golo, naquele seu momento infeliz no Parque dos Príncipes.
Mas foi assim que o presidente do Benfica respondeu ao guarda-redes do FC Porto e agora já não há nada a fazer. Já ao presidente do FC Porto, respondeu o presidente do Benfica de modo diferente, mais assertivo e contundente. Gozos entre presidentes aceitam-se. São coisas entre pares. Não há empregados envolvidos. A única diferença neste último episódio é que foi o presidente do Benfica que teve direito à última palavra.
Perguntaram-lhe se queria comentar as afirmações de Pinto da Costa sobre a polémica dos dois ou três guarda-redes e Vieira surpreendeu com a resposta:
- Rainha Isabel? Não comento.
Muito bem, Luís Filipe Vieira. Foi um momento de nonsense muito britânico, uma piada surreal com a vantagem das piadas surreais: é que se torna muito difícil responder à letra.
Perante isto, só resta desejar longa vida à rainha de Inglaterra.
Curiosamente, há muitos, muitos anos, era João Santos o presidente do Benfica e os seus adversários, quer os internos quer alguns externos, tratavam-no por rainha Isabel, como quem dizia que o presidente mandava pouco e era mais uma figura de estado.
Pode ser que isso seja o início de uma nova era. Ao fim de trinta anos de graçolas, contumélias, desaforos, biscas e dichotes, talvez tenha chegado o momento de embrulhar em papel de celofane todo esse carregamento de contentores de «ironia do costume» e começar a devolver à procedência uma graça de cada vez.
Pode ser que sim. Que aconteça. De qualquer maneira, eu só acredito quando ouvir o presidente do Benfica dizer que não comenta um qualquer dito do presidente do FC Porto « por respeito aos seus cabelos branco».
Porque foi assim que, certa vez, Pinto da Costa, muito mais jovem, comentou um qualquer desabafo de João Santos, ao tempo em que este era presidente do Benfica e tinha os cabelos longe daquela brancura consentânea com a sua vetusta idade. Lá está. Isto ainda vai dar a volta.
ENTRE o Natal e o Ano Novo não foi só Helton a sentir necessidade de agradar ao patrão. Também Rojo, o argentino que chegou este Verão ao Sporting, anunciou ontem através de uma entrevista ao Jogo os seus votos para 2013:
- Espero que o campeão seja o FC Porto.
Olha, Rojo, com um bocadinho de sorte ainda consegues lugar no contentor de Inverno que vai seguir para o Dragão.
Mas será que o Sporting já acabou?"
Leonor Pinhão, in A Bola