"Logo no seu primeiro ano de Benfica, Eusébio ficou em segundo na votação de a Bola de Ouro - tinha 20 anos. Durante os anos seguintes, venceu por uma vez (1965) e viu serem vencedores Masopust, Yashin, Denis Law, Bobby Charlton, Flórián Albert, George Best, Rivera, Muller - algum era melhor do que ele?
Janeiro, mês de Eusébio. Para mim sempre mereceu páginas e páginas como o mais fascinante jogador que vi ao vivo. Eusébio jogou num tempo em que a Bola de Ouro não se repetia: dividia-se. O objectivo era premiar cada ano um jogador diferente. Tanto assim que só em 1973, Johan Cruyff conseguiu a proeza de ser o primeiro a ter duas. E o prémio foi entregue pela primeira vez em 1956.
1962 - Eusébio: avançado n.º1 da Europa; segundo classificado na eleição do Bola de Ouro do 'France Football'. À sua frente, apenas Josef Masopust, do Dukla de Praga, acabado de se sagrar vice-campeão do Mundo com a selecção checoslovaca.
Classificação dos dez primeiros:
1.ª Josef Masopust (Dukla de Praga) 65 p.; 2.º Eusébio (Benfica) 53 p.; Schnellinger (FC Koln) 33 p.; 4.ª Sekularac (Estrela Vermelha) 26 p.; 5.º Jurion (Anderlecht) 15 p.; 6.º Rivera (Milan) 14 p.; 7.º Jimmy Greaves (Tottenham) 11 p.; 8.º J. Charles (Roma) 10 p.; 9.º Galic (Partizan) 10 p.; 10.º Gorocs (Ujpest) 6 p.
Águas ficaria com os mesmos quatro pontos que Kopa (Stade de Reims), Dennis Law (Manchester United) e Sivori (Juventus), o vencedor da edição anterior.
Eusébio de novo no topo da Europa.
- Escutei a notícia pela rádio e confesso que senti um arrepio de emoção -, confessa Eusébio.
- Mas já passou. Reconheço a distinção, sinto a honraria, e só prometo que tudo farei para a justificar, quiça pregar uma partida a Masopust brevemente. Mas não me deslumbrei demasiado. Gostei, é evidente, mas sei que afirmar às quatro partidas do Mundo que sou o maior avançado europeu não basta: é preciso prová-lo e é por isso que me esforço, trabalhando cada vez mais! -, promete Eusébio.
Josef Masopust: nascido em Most, na Boémia do Norte, antiga Checoslováquia, em 1931; centro-campista que aliava uma força física impressionante a uma técnica requintada, formou uma grande dupla com Pluskal no Dukla e na selecção checa; Eusébio prometia-lhe uma partida e fez-lhe duas - pelo Benfica eliminou o Dukla da Taça dos Campeões, pela Selecção Nacional eliminou a Checoslováquia do Campeonato do Mundo de 1966; acabaria a carreira num modesto clube belga, o Crossing de Molenbeek.
Josef Masopust: jornalistas de dezanove países europeus, correspondentes do 'France Football', provavelmente a melhor publicação sobre Futebol de todo o Mundo, formaram o colégio eleitoral que o elegeu como melhor jogador da Europa do ano de 1962. Cada um deles votava em cinco jogadores, atribuindo-lhes uma pontuação decrescente de 5 até 1. Ainda é assim, mas os correspondentes são mais numerosos.
Faltavam os franceses
Jaques Ferran: 'É um destes solistas admiráveis, um destes criadores de golos a que a multidão arranca a camisola, gritando de entusiasmo. Joga num equipa latina, Benfica, e é mais do género de Sivori do que de Masopust. Trata-se de Eusébio.
O Benfica, campeão da Europa pela segunda vez, deve-lhe muito. Ao mesmo tempo que empalidecem os astros de Águas, de Germano, de Costa Pereira, a estrela Eusébio não pára de subir. O negro de Moçambique, que é, aos 20 anos, o único jogador 'europeu' de quem se pode fazer um paralelo com Pelé sem receio do ridículo. Lembrar-me-ei sempre do golo que ele marcou em 1961, em Montevideu, durante o terceiro jogo Peñarol-Benfica da Taça Intercontinental. Eusébio, que acabara de ser inscrito pelo Benfica, não estava convocado para jogar. Os portugueses chamaram-lhe à última hora e os uruguaios pensaram que, com Eusébio ou sem ele, o sucesso da sua equipa não estava em causa.
Eles quase morderam os dedos quando o jovem de 18 anos, acabado de descer do avião, mas tão impertinente como um príncipe, se apoderou da bola a meio campo, no seguimento de um mau alívio de William Martinez, avançou um pouco e, de trinta e cinco metros, fuzilou solenemente, perante a consternação geral, o guarda-redes Maidana. O Peñarol ganhou finalmente, com dificuldade, por 2-1, enquanto nós ficávamos certos de que um grande futebolista acabava de nascer no velho relvado do Centenário'.
Jean-Phillipe Rethacker: jornalista do 'L'Équipe', do 'France Football'. seguidor atento do Futebol português desde os anos 50; especialista em Futebol africano; colaborador de vários jornais e revistas de países africanos de expressão francesa, sobretudo do 'Afrique Football'.
Jean-Phillipe Rethacker: dele retenho a amizade, a consideração, os encontros em diversos lugares do Mundo, as Taças de África que cobrimos juntos, na Tunísia e no Mali.
Jean-Phillipe Rethacker, um entusiasta do Futebol de Eusébio: 'Em menos de dois anos, o jovem prodígio de Lourenço Marques adaptou-se ao futebol europeu. Ele chegou em 1960, ingénuo na sua técnica individual, do mesmo modo que no seu comportamento táctico. Mas causou imediatamente admiração o seu remate instantâneo e seco como um tiro de pistola, assim como a 'souplesse' de ancas e de articulações características da raça negra.
Eusébio é mais possante, mas menos ágil que o seu irmão de cor Pelé. A sua classe é igualmente menos prodigiosa, tanto no jogo de cabeça, como na rapidez de arranque. É verdade que Eusébio tem pernas mais longas e que tarda mais em se pôr em acção. Também é certo que Pelé possui condições atléticas fenomenais.
Mas Eusébio concentra todos os seus trunfos nos tornozelos e nos pés. Como o pugilista-socador, género Al Brown ou Ray Sugar Robinson. É sobretudo impressionante a sua força de remate. Ela permite-lhe disparar os tiros mais inesperados a distâncias muito grandes. E faz dele o rematador mais temido, o marcador mais eficaz do ataque do Benfica: na final de Amesterdão foi ele, especialmente, quem desferiu o golpe de misericórdia no Real Madrid'.
A Bola de Ouro. Eusébio conquistá-la-ia em 1965. Em 1966, devia tê-la ganho outra vez. Por 1 ponto (81 contra 80), foi Bobby Charlton que a levou para casa. O ponto que o correspondente do 'France Football' em Portugal, Couto e Santos, deu ao Inglês e não a Eusébio, causando-lhe uma mágoa para a vida.
Ao longo da sua carreira, Eusébio viu serem vencedores Masopust, Yashin, Denis Law, Bobby Charlton, Flórián Albert, George Best, Rivera, Muller - algum era melhor do que ele?
Eu tenho a minha resposta na ponta da língua."
Afonso de Melo, in O Benfica