terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Essa estranha avaliação do ouro...

"Logo no seu primeiro ano de Benfica, Eusébio ficou em segundo na votação de a Bola de Ouro - tinha 20 anos. Durante os anos seguintes, venceu por uma vez (1965) e viu serem vencedores Masopust, Yashin, Denis Law, Bobby Charlton, Flórián Albert, George Best, Rivera, Muller - algum era melhor do que ele?

Janeiro, mês de Eusébio. Para mim sempre mereceu páginas e páginas como o mais fascinante jogador que vi ao vivo. Eusébio jogou num tempo em que a Bola de Ouro não se repetia: dividia-se. O objectivo era premiar cada ano um jogador diferente. Tanto assim que só em 1973, Johan Cruyff conseguiu a proeza de ser o primeiro a ter duas. E o prémio foi entregue pela primeira vez em 1956.
1962 - Eusébio: avançado n.º1 da Europa; segundo classificado na eleição do Bola de Ouro do 'France Football'. À sua frente, apenas Josef Masopust, do Dukla de Praga, acabado de se sagrar vice-campeão do Mundo com a selecção checoslovaca.
Classificação dos dez primeiros:
1.ª Josef Masopust (Dukla de Praga) 65 p.; 2.º Eusébio (Benfica) 53 p.; Schnellinger (FC Koln) 33 p.; 4.ª Sekularac (Estrela Vermelha) 26 p.; 5.º Jurion (Anderlecht) 15 p.; 6.º Rivera (Milan) 14 p.; 7.º Jimmy Greaves (Tottenham) 11 p.; 8.º J. Charles (Roma) 10 p.; 9.º Galic (Partizan) 10 p.; 10.º Gorocs (Ujpest) 6 p.
Águas ficaria com os mesmos quatro pontos que Kopa (Stade de Reims), Dennis Law (Manchester United) e Sivori (Juventus), o vencedor da edição anterior.
Eusébio de novo no topo da Europa.
- Escutei a notícia pela rádio e confesso que senti um arrepio de emoção -, confessa Eusébio.
- Mas já passou. Reconheço a distinção, sinto a honraria, e só prometo que tudo farei para a justificar, quiça pregar uma partida a Masopust brevemente. Mas não me deslumbrei demasiado. Gostei, é evidente, mas sei que afirmar às quatro partidas do Mundo que sou o maior avançado europeu não basta: é preciso prová-lo e é por isso que me esforço, trabalhando cada vez mais! -, promete Eusébio.
Josef Masopust: nascido em Most, na Boémia do Norte, antiga Checoslováquia, em 1931; centro-campista que aliava uma força física impressionante a uma técnica requintada, formou uma grande dupla com Pluskal no Dukla e na selecção checa; Eusébio prometia-lhe uma partida e fez-lhe duas - pelo Benfica eliminou o Dukla da Taça dos Campeões, pela Selecção Nacional eliminou a Checoslováquia do Campeonato do Mundo de 1966; acabaria a carreira num modesto clube belga, o Crossing de Molenbeek.
Josef Masopust: jornalistas de dezanove países europeus, correspondentes do 'France Football', provavelmente a melhor publicação sobre Futebol de todo o Mundo, formaram o colégio eleitoral que o elegeu como melhor jogador da Europa do ano de 1962. Cada um deles votava em cinco jogadores, atribuindo-lhes uma pontuação decrescente de 5 até 1. Ainda é assim, mas os correspondentes são mais numerosos.

Faltavam os franceses
Jaques Ferran: 'É um destes solistas admiráveis, um destes criadores de golos a que a multidão arranca a camisola, gritando de entusiasmo. Joga num equipa latina, Benfica, e é mais do género de Sivori do que de Masopust. Trata-se de Eusébio.
O Benfica, campeão da Europa pela segunda vez, deve-lhe muito. Ao mesmo tempo que empalidecem os astros de Águas, de Germano, de Costa Pereira, a estrela Eusébio não pára de subir. O negro de Moçambique, que é, aos 20 anos, o único jogador 'europeu' de quem se pode fazer um paralelo com Pelé sem receio do ridículo. Lembrar-me-ei sempre do golo que ele marcou em 1961, em Montevideu, durante o terceiro jogo Peñarol-Benfica da Taça Intercontinental. Eusébio, que acabara de ser inscrito pelo Benfica, não estava convocado para jogar. Os portugueses chamaram-lhe à última hora e os uruguaios pensaram que, com Eusébio ou sem ele, o sucesso da sua equipa não estava em causa.
Eles quase morderam os dedos quando o jovem de 18 anos, acabado de descer do avião, mas tão impertinente como um príncipe, se apoderou da bola a meio campo, no seguimento de um mau alívio de William Martinez, avançou um pouco e, de trinta e cinco metros, fuzilou solenemente, perante a consternação geral, o guarda-redes Maidana. O Peñarol ganhou finalmente, com dificuldade, por 2-1, enquanto nós ficávamos certos de que um grande futebolista acabava de nascer no velho relvado do Centenário'.
Jean-Phillipe Rethacker: jornalista do 'L'Équipe', do 'France Football'. seguidor atento do Futebol português desde os anos 50; especialista em Futebol africano; colaborador de vários jornais e revistas de países africanos de expressão francesa, sobretudo do 'Afrique Football'.
Jean-Phillipe Rethacker: dele retenho a amizade, a consideração, os encontros em diversos lugares do Mundo, as Taças de África que cobrimos juntos, na Tunísia e no Mali.
Jean-Phillipe Rethacker, um entusiasta do Futebol de Eusébio: 'Em menos de dois anos, o jovem prodígio de Lourenço Marques adaptou-se ao futebol europeu. Ele chegou em 1960, ingénuo na sua técnica individual, do mesmo modo que no seu comportamento táctico. Mas causou imediatamente admiração o seu remate instantâneo e seco como um tiro de pistola, assim como a 'souplesse' de ancas e de articulações características da raça negra.
Eusébio é mais possante, mas menos ágil que o seu irmão de cor Pelé. A sua classe é igualmente menos prodigiosa, tanto no jogo de cabeça, como na rapidez de arranque. É verdade que Eusébio tem pernas mais longas e que tarda mais em se pôr em acção. Também é certo que Pelé possui condições atléticas fenomenais.
Mas Eusébio concentra todos os seus trunfos nos tornozelos e nos pés. Como o pugilista-socador, género Al Brown ou Ray Sugar Robinson. É sobretudo impressionante a sua força de remate. Ela permite-lhe disparar os tiros mais inesperados a distâncias muito grandes. E faz dele o rematador mais temido, o marcador mais eficaz do ataque do Benfica: na final de Amesterdão foi ele, especialmente, quem desferiu o golpe de misericórdia no Real Madrid'.
A Bola de Ouro. Eusébio conquistá-la-ia em 1965. Em 1966, devia tê-la ganho outra vez. Por 1 ponto (81 contra 80), foi Bobby Charlton que a levou para casa. O ponto que o correspondente do 'France Football' em Portugal, Couto e Santos, deu ao Inglês e não a Eusébio, causando-lhe uma mágoa para a vida.
Ao longo da sua carreira, Eusébio viu serem vencedores Masopust, Yashin, Denis Law, Bobby Charlton, Flórián Albert, George Best, Rivera, Muller - algum era melhor do que ele?
Eu tenho a minha resposta na ponta da língua."

Afonso de Melo, in O Benfica

O Capitão

"Quando não há Gaitán, ganha-se com Salvio, quando não mesmo com Ola John. Foi assim no Caldeirão e a máxima pode aplicar-se a qualquer jogo do Benfica este ano. À primeira vista, a explicação para a facilidade com que se substitui um jogador por outro está num plantel com mais talentos do que parecia, que aguardam a oportunidade para se afirmarem.
Mas, como é sabido, talento não chega. A grande vantagem do Benfica reside na organização colectiva - em princípios de jogo de tal forma trabalhados que, jogue quem jogar, já sabe o que deve fazer. Regressamos ao mesmo: não joga Gaitán, joga Salvio; não joga Salvio, joga Ola John; e se o Ola John não puder jogar, joga o 'Manel'.
No fundo, a equação vitoriosa resumir-se-ia a uma soma de talento com organização colectiva. É em parte verdade, mas está longe de ser toda a verdade. Não basta talento e organização para vencer é preciso também liderança.
Na Madeira, o Benfica foi, por força do talento dos jogadores e da organização trabalhada pelo treinador, avassaladoramente dominante, mas vale a pena recordar a liderança decisiva do capitão Luisão.
Os números são de outro tempo: 11 temporadas de águia ao peito, 440 jogos, que fazem dele o 9.º jogador que mais jogou pelo Benfica, igualando Eusébio. São poucos os que, no futebol de hoje, jogam tanto tempo pelo mesmo clube. Mas é mais do que isso que está em causa.
Ao longo de 11 anos, Luisão viveu o suficiente no Benfica para poder liderar. Perdeu, venceu, mudou de treinador. Acumulou experiência. O que lhe dá uma voz de comando única. Mas nada disto seria possível sem a inteligência prática que resumiu bem, numa já longínqua entrevista ao 'Expresso', definindo o que compete a um central: 'Não está ali para fazer salada, mas sim arroz com feijão'. Jogar simples é uma forma de inteligência prática. Luisão lidera pela experiência e pela sabedoria que coloca em campo."

Benfica desafia os limites

"A vitória categórica do Benfica nos Barreiros tem significado de longo alcance. Em primeiro lugar permitiu consumar a melhor 1.ª volta das águias nos últimos 30 anos. É preciso recuar aos tempos dourados de Eriksson para encontrar um registo superior ao que Jorge Jesus acaba de conseguir. Fazer 46 pontos em 51 possíveis é qualquer coisa de extraordinário - seja em que campeonato for. Mas se grande parte do caminho que o Benfica realizou até aqui foi com a equipa a jogar a um nível mais baixo do que era habitual, a verdade é que nas duas últimas jornadas (V. Guimarães e ontem) foi recuperada a velha nota artística. A forma como o Marítimo foi engolido por Salvio, Jonas e companhia é a prova de que a águia reencontrou o chip que transforma as coisas simples em obras de arte. É curioso que o tenha feito depois de vender Enzo Pérez. Aliás, em 4 jogos sem o argentino, o Benfica soma 4 vitórias, com 14 golos marcados e nenhum sofrido. Podem os adeptos dormir descansados: não há Enzo, mas há aquilo que mais importa: equipa. Este é, seguramente, o Benfica mais solidário e de sentido colectivo nas seis épocas de Jesus. Talvez seja essa também a razão da melhor 1.ª volta.

(...)"