""Gestão": um CEO no lugar do “mister”
Se Alex Ferguson fosse o “gestor” da selecção nacional, provavelmente Cristiano Ronaldo não seria “capitão”.
A escolha do líder da equipa em campo é uma das lições mais destacadas pelas recensões do livro “Liderança” (Actual Editora, 2016) que o antigo “Manager” do Manchester United escreveu e é considerado um tratado de gestão moderna: “para escolher um capitão, sempre me apeguei a quatro características básicas: vontade de liderar, fidelidade, respeito dos colegas e capacidade de adaptação”.
No século passado, os clubes não tinham orgânica para a gestão do plantel (recursos humanos), do calendário (objectivos), dos recursos (tecnologia), das prioridades (comunicação interna), de imagem (comunicação externa), da bola (jogo), das emoções e dos egos (disciplina), e até causava estranheza que em Inglaterra o trabalho dos “managers” excedesse a área puramente futebolística. Aliás, os “misters” que de lá vinham eram apenas os que abdicavam de tais responsabilidades e se limitavam às valências rudimentares de pioneiros a ensinar o básico do belo jogo. Hoje, são raros os treinadores britânicos com capacidade para trabalhar fora das ilhas e são cada vez mais os “gestores” europeus (portugueses, alemães, holandeses, franceses, italianos) capacitados para assumir a máxima responsabilidade perante donos e accionistas ávidos de modernização.
Gerir é organizar e administrar para atingir um objectivo, num clube como numa empresa: se tudo for bem feito a montante, os 90 minutos de jogo hão-de reflecti-lo. Não admira que Federações, Ligas e Universidades tenham, nos últimos anos, começado a dedicar-se à formação académica de autênticos CEO do balneário.
Ferguson ensina em Harvard, precisamente, que existe uma diferença marcante entre a mera gestão e a liderança: “fazer as pessoas entenderem que o impossível é possível”. Uma coisa do futebol, que o mundo empresarial quer entender e adoptar.
Durante décadas a figura do “manager” dos clubes ingleses, com alargados poderes, era admirada mas considerada utópica noutras culturas desportivas. Agora, os ingleses perdem espaço enquanto aumentam as competências dos treinadores continentais, o que também nos ajuda a entender o rumo da vida de Cristiano Ronaldo em Old Trafford, após o afastamento do desajeitado Solskjaer, um “mister” à antiga: “Quando se perde a disciplina, dizemos adeus ao sucesso”.
Jürgen Klopp, por exemplo, prefere encarar o futuro a partir da análise de erros e percalços do que arranjar desculpas para uma fase de insucesso crónico e o seu exemplo é sugerido para a gestão de empresas em momentos críticos. Mudar de treinador perante insucessos é encarado como uma precipitação nefasta para os negócios, a longo prazo.
Carlo Ancelotti é apontado em revistas de economia como o melhor exemplo para um CEO de eleição, pela sua tranquilidade, firmeza e discrição e, sobretudo, pela humildade de recolher a opinião dos jogadores mais experientes, antes de tomar decisões.
Uma das maiores empresas de recursos humanos e “head hunting”, a Michael Page, analisou os perfis dos principais seleccionadores presentes no último Mundial do Catar para “inspirar equipas, pessoas, e conduzir as organizações ao sucesso”, no mundo empresarial. Da flexibilidade de Fernando Santos à competência digital de Southgate, passando pela capacidade de adaptação de Luis Enrique ou pela determinação e coragem de Scaloni.
Não foi à toa que os donos do Manchester United recorreram a um Ralf Rangnick fora da caixa, a quem Cristiano Ronaldo não reconhecia competências futebolísticas, para recrutar o “gestor” do futuro, Ten Haag, no sentido de retomar o modelo interrompido pela reforma de Ferguson.
“Antigamente, os dirigentes festejavam um título no chuveiro com os jogadores; hoje, os Glazers apertam-te a mão e vão à vida deles”, tranquilos porque o clube está bem entregue.
A seguir: H de Bitaites"