"Ascendeu a imperador no ano de 2007 d.C., quando chegou a Portugal para representar o futsal do SL Benfica. Manteve-se no reinado por seis anos até rumar a outras paragens. O expansionismo reflete-se no que conquistou: uma UEFA Futsal Cup, três Campeonatos Nacionais, duas Taças de Portugal e quatro Supertaças. No futsal, a palavra “sucesso” escreve-se em português e César Paulo deixa-nos um olhar sobre a realidade nacional, as rivalidades entre águias e leões e um fenómeno que viu crescer chamado Ricardinho.
– Portugal no coração –
«Fico muito feliz pelo futsal português estar a conseguir alcançar todos esses títulos maravilhosos»
O imperador conquistou tudo o que queria no mundo do futsal?
Com certeza. As pessoas dizem que parei relativamente cedo. Infelizmente, tive algumas lesões sérias no joelho. É muito difícil superar isso.
Quando falas com pessoas sobre futsal, o que é que dizes do futsal português?
Que foi uma experiência maravilhosa. Quando cheguei, as pessoas diziam que o futsal português estava a crescer. Isso foi notório. Quando se fala do futsal português hoje, é inevitável dizer que é o melhor futsal do mundo. Fico muito feliz pelo futsal português estar a conseguir alcançar todos esses títulos maravilhosos. Na altura, em que eu cheguei, não existiam esses resultados assim tão expressivos. Era uma seleção forte, com bons jogadores, mas depois foram aparecendo jogadores e treinadores que fizeram com que Portugal desse esse salto.
O nível do jogador português está mais alto agora?
Está. Evoluíram muito. Isso trouxe resultados. Há vários jogadores portugueses a fazer sucesso fora de Portugal e isso é importante. É importante que os jogadores portugueses vão para fora para que voltem mais fortes e mais experientes.
Sentes que também foste parte da evolução do futsal no SL Benfica e a nível nacional?
Acredito que sim. Todos os jogadores estrangeiros que façam os jogadores, treinadores e equipas locais crescerem são bem-vindos. Todos os estrangeiros que foram para o SL Benfica e para o Sporting CP ajudaram a esse crescimento. Lembro-me de, na brincadeira, o Orlando Duarte, que era o selecionador nacional na altura, me perguntar quando é que eu me tornava português. Tinha só seis meses de SL Benfica, era impossível. Antes de ir para o SL Benfica, até estava a ir regularmente à seleção brasileira e queria mesmo continuar lá. Depois, criei um vínculo muito forte com o SL Benfica e com Portugal e… por que não dizer amor? Digo de coração e sem nenhuma hipocrisia que o SL Benfica foi um clube que amei e amo até hoje. Consegui amigos e experiências maravilhosas.
Em que patamar colocas a passagem pelo SL Benfica na tua carreira?
Foi o meu auge enquanto profissional de futsal. Foi o clube onde melhor joguei e onde conquistei os maiores títulos. Também cheguei a ir à seleção brasileira nesse período.
A conquista da UEFA Futsal Cup é outro momento especial que guardas?
Foi o título mais importante da minha vida, em termos de clube. A equipa do Inter Movistar, naquela época, tinha jogadores como Schumacher, Luis Amado, Marquinhos, Gabriel ou Betão. Ganhar um campeonato europeu contra uma equipa assim tão forte é de se valorizar muito. Quando chegámos à final, ninguém acreditava em nós.
Jogar em casa ajudou?
Nunca tínhamos vivido um ambiente assim. Estavam quase 10 mil pessoas a puxar pelo SL Benfica. Foi um ambiente muito caloroso a nosso favor.
– Rivalidades –
«Cheguei a discutir com companheiros de equipa por falarem com jogadores do Sporting CP»
Viveste a rivalidade entre SL Benfica e Sporting CP da forma como passa para fora?
Sou muito suspeito para falar. Vivia isso muito intensamente. Cheguei a discutir com companheiros de equipa, porque eles falavam ou tinham estado com jogadores do Sporting CP.
Que histórias guardas desses dérbis?
Há uma que agora é engraçada, mas, na altura, foi muito chata. Fui com a minha família comer uma francesinha num bairro em Lisboa, onde a maioria das pessoas eram sportinguistas. Estavam lá duas pessoas que eram de uma claque do Sporting CP e reconheceram-me. Começaram a provocar e, a determinado momento, veio um rapaz pedir-me que autografasse um cartão de sócio do Sporting. Eu ia a assinar e ele disse “achas que vou dar o meu cartão para um lampião assinar”. Não recebi aquilo muito bem e levantei-me. Foi uma confusão. Teve que vir a polícia e o restaurante teve que fechar. Para veres o nível da rivalidade no tempo em que jogava aí. Acredito que hoje, pelo que vejo, há rivalidade, o que é muito bom, mas é mais sadia.
Tinhas amigos no lado do Sporting CP?
Falava educadamente, mas amigos não tinha. Eles lá, eu cá.
E dentro do campo, são sempre ambientes muito fervorosos…
Dentro do campo, queria matá-los [risos]. Dava a minha vida, ainda para mais num dérbi. Quem me viu a jogar contra o Sporting CP tem essas lembranças. São coisas do jogo. Fora da quadra jamais teria o comportamento que tinha dentro da quadra. Eu queria ganhar pelo SL Benfica e eles queriam ganhar pelo Sporting CP.
Ainda por cima, na posição de pivot tinhas duelos muito diretos com os fixos contrários.
Eram duelos bem fervorosos. Eles consideravam-me um jogador muito forte na posição, um pivot de força, que retinha muito bem a bola. Eu também proporcionava muito esse jogo de força. Para me marcarem, eles tinham que fazer o mesmo. Às vezes, acabava por sair uma coisinha a mais.
Quem era o fixo que te chateava mais?
Do Sporting, praticamente todos. João Matos, Caio Japa, Djô, Davi, quando era do Sporting, Bibi. Eram sempre confrontos muito difíceis, mas também dava muito gozo quando fazíamos um bom jogo e conseguíamos um bom resultado.
O amor que tinhas pelo SL Benfica foi o que fez com que não representasses o Sporting CP, mesmo quando tiveste oportunidade para isso?
Logo quando saí do SL Benfica, disseram-me que o Sporting CP me queria fazer uma proposta. Diziam que o presidente do Sporting CP gostava muito do meu estilo de jogo. Ainda que me fizessem uma proposta formalmente, não conseguiria representar o Sporting CP. O que vivi no SL Benfica foi muito forte. Mesmo sendo profissional, mesmo vivendo daquilo, não conseguiria. Se fosse para o Sporting CP, não seria o jogador que sempre fui de deixar a vida em campo, de dar o sangue pela equipa.
O Sporting CP conquistou a Liga dos Campeões de Futsal duas vezes. O desenvolvimento do SL Benfica levou também ao desenvolvimento do Sporting CP, devido à competitividade?
O Sporting CP investiu muito, forte e bem para conquistar a Liga dos Campeões. Clubes com uma rivalidade tão forte, não querem ficar atrás um do outro. Parabéns para eles, estão no caminho certo. O Sporting está numa fase maravilhosa, em que está a ganhar tudo. É notório que o Sporting está num momento melhor que o SL Benfica. Alguma coisa o SL Benfica está a fazer mal.
Vês o Sporting CP superior ao SL Benfica?
Os resultados falam por si. O SL Benfica, de momento, está atrás do Sporting CP, não há como contestar. Quando um clube grande se sai bem no futebol, tende a estar bem nas modalidades.
O Gonçalo Alves, com quem jogaste, é atualmente o team manager do SL Benfica. Referiste que o clube, no que ao futsal diz respeito, não está num nível tão alto como já esteve. Para superar isso é importante ter na estrutura pessoas que trazem a mística de um passado de conquista?
Acredito que o Gonçalo deve estar a ter muito trabalho na atual situação do SL Benfica. A posição em que ele está é muito difícil. Uma pessoa tão vitoriosa como ele é a pessoa certa para estar onde está, no clube que está. O Gonçalo, apesar de ter vindo do Sporting CP, ganhou tudo pelo SL Benfica. Vai conseguir resolver os problemas e ajudar a que a equipa alcance os títulos que merece.
Jogaste com vários jogadores que atuam no futsal português. Por exemplo, o Guitta que ainda agora foi eleito melhor guarda-redes do mundo. O que é que achas que diferencia o Guitta dos outros guarda-redes?
Quando saí do SL Benfica, fui para o clube onde o Guitta jogava. O Guitta é extremamente concentrado nos treinos e nos jogos. Gostava muito que ele estivesse no SL Benfica. No entanto, o SL Benfica também não está mal, o Roncaglio é um excelente guarda-redes. Todas as equipas que querem ter bons resultados têm que ter um excelente guarda-redes.
– No mundo da magia –
«Vi o Ricardinho fazer coisas que o Falcão fazia»
Acompanhaste o Ricardinho numa fase ainda precoce da carreira dele. A magia do seu pé esquerdo iludiu-te muitas vezes durante os treinos?
O Ricardinho sempre foi um fenómeno. Quando o conheci, já era uma estrela. Está entre os melhores jogadores do mundo que vi jogar. Foi um absurdo as coisas que o vi fazer nos treinos e nos jogos. É um mágico. Eram coisas que eu via o Falcão a fazer. Em certos momentos, vi o Ricardinho fazer mais e melhores coisas que o Falcão. O Ricardinho é uma estrela do futsal mundial e sabe que carrega esse peso. Apesar de ter lances individuais que sobram, sempre foi um jogador que jogou muito para a equipa. Se fosse egocêntrico, nunca teria conquistado o que conquistou.
Jogaste com o Ricardinho, jogaste com o Falcão. Quem te fez mais vezes os olhos brilhar?
Foi o Ricardinho. Ganhei mais coisas ao lado dele do que do Falcão. Joguei com os dois melhores jogadores do mundo.
O que é que eles diziam um do outro?
O Ricardinho era declaradamente fã do Falcão. O Falcão adorava o que o Ricardinho fazia e torcia muito por ele. O Ricardinho fez uma tatuagem do Falcão e ele ficou muito feliz com a homenagem.
Consideras o Ricardinho o melhor de sempre?
Ele não é o melhor jogador de sempre, mas está entre os melhores. O melhor de sempre, indiscutivelmente, é o Falcão, até por tudo o que conquistou."