Últimas indefectivações

segunda-feira, 24 de julho de 2023

35.ª Campeões Nacionais


Pela 13.ª ano consecutivo, o Benfica sagrou-se Campeão Nacional de Atletismo, no sector masculino! E se o ano passado, foi apertado, este ano, mesmo com algumas ausências, ganhámos 'fácil'!!!

100m - André Prazeres: 3.º lugar (10,41 s)
110m barreiras - Roger Iribarne: 1.º lugar (12,81 s)
200m - Emmanuel Bamidele: 2.º lugar (21,23 s)
400m - Emmanuel Bamidele: 1.º lugar (46,30 s)
400m barreiras - Yuben Munary: 1.º lugar (52,73 s)
800m - José Carlos Pinto: 1.º lugar (1:49.04 m)
1500m - Isaac Nader: 1.º lugar (3:59.20 m)
3000m - Isaac Nader: 1.º lugar (8:15.37 m)
3000m obstáculos  - Etson Barros: 1.º lugar (8:56.57 m)
5000m -  Samuel Barata: 1.º lugar (13:46.84 m)
5000m marcha - Rui Coelho: 2.º lugar (20:35.19 m)
4x100m - André Prazeres, Sisínio Ambriz, Frederico Curvelo e Roger Iribarne: 1.º lugar (39,97 s)
4x400m Ericsson Tavares, José Carlos Pinto, Raidel Acea e Ricardo dos Santos: 2.º lugar (3:12.88 m)
Salto em altura - Gerson Baldé: 2.º lugar (2,12 mts)
Salto com Vara - Pedro Buaró: 1.º lugar (5,20 mts)
Salto em Comprimento - Ivo Tavares: 1.º lugar (7,56 mts)
Triplo Salto - Roger Iribarne: 2.º lugar (14,94 mts)
Lançamento do Peso - Francisco Belo: 2.º lugar (20,08 mts)
Lançamento do Disco - Emanuel Sousa: 1.º lugar (57,29 mts)
Lançamento do Martelo - Décio Andrade: 1.º lugar (72,81 mts)
Lançamento do Dardo - Leandro Ramos: 1.º lugar (72,46 mts)

PS: Nota para a qualificação para a Final dos 50m Mariposa, nos Campeonatos do Mundo, pelo nosso jovem Diogo Ribeiro! Com uma marca perto do seu recorde nacional, poderá lutar pelas Medalhas, algo inacreditável para a nossa realidade...
Basta verificar que nenhum canal de televisão em Portugal está a transmitir os Campeonatos do Mundo de Natação!!!!

O Benfica Somos Nós - S03E01

Benfica After 90 - Pre-season...

5 minutos: Diário...

Terceiro Anel: Diário...

Galegos de perder a paciência


"E assim chegados ao quarto jogo de pré-temporada, prontamente encontrou o Benfica aquilo que na época passada só tinha acontecido mais para a frente, já na Eusébio Cup: uma equipa que lhe desse cabo dos trabalhos ofensivos, que oferecesse aos encarnados um real desafio de estaleca competitiva.
O Celta de Vigo, que Carvalhal salvou da descida em 2022-23, é agora comandado por Rafa Benítez e apresenta-se fiel à sua moda, em bloco médio, linhas apertadas e com objectivo primordial de impedir devaneios adversários; ora, o Benfica, que com o Al Nassr se deixou embebedar pela própria criatividade e se divertiu à brava, sentiu-se enganado pela desfaçatez galega e pareceu surpreendido com tanta rigidez posicional. Constrangido até. O espaço era pouco, os de lá eram arrebitados nos duelos e atrevidos nas intenções de ataque à baliza de Samuel Soares – impertinentes, chatos, sem dar grandes abébias. No duro.
O Benfica, apresentando praticamente o mesmo onze da segunda parte do dia anterior, mais Rafa, Neves e Ramos, circulou, tentou descortinar as esquinas táticas que pudessem tornar-se atalho para o golo. Missão inglória: se com o Al Nassr teve oito oportunidades na primeira metade, agora não contou nenhuma; se com os árabes a equipa ria, gargalhava e descontraía com os malabarismos, hoje andou enrolada no chão, à conta das faltas sofridas.
Tanto se circulou a bola dum flanco ao outro que quarenta e cinco minutos pareceram duas horas; mas lá chegou, enfim, o intervalo. Com algumas certezas: que a versão benfiquista com Aursnes e João Mário nos corredores é muito útil em contendas de alto gabarito, pelo equilíbrio que dá à equipa, mas que o futebol se vai mastigando quanto pior e mais se encolhe o adversário; falta largura, e nem Bah a levitar pela direita dá a acutilância necessária.
É preciso os dotes dum verdadeiro extremo, alguém que saiba esticar e depois sim esmiuçar espaços interiores – Neres e Di Maria, ao entrarem para a segunda metade, rapidamente demonstraram as manhas necessárias para desvendar caminhos nunca antes palmilhados. Se Benítez mantinha a equipa chata e rabugenta, agarrada que nem lapa às suas prioridades defensivas, brasileiro e argentino foram abrindo campo e a introduzir diplomacia na tensão gestual a meio-campo; o Benfica começou a carburar um nível acima, os passes já entravam nas entrelinhas, a bola já chegava à lateral vinda da zona central e a presença dos tanques Tengstedt e Musa, em descoordenada, mas activa parelha, já tinham espaço para se movimentar.
Talvez com Gonçalo Ramos ainda em campo tivesse dado golo mais cedo. A certa altura, parecia pirraça dos galegos – que deixavam tudo acontecer até ao momento decisivo e num último instante desviavam para canto ou mandavam a barra meter-se ao caminho, como aconteceu num cabeceamento glorioso de Lucas Veríssimo – a responder a livre exemplar de Kokcu, que mais uma vez foi comandante e gestor de ritmos, tão convictamente que parece mesmo sprintar em aproximação ao melhor Enzo Fernández…
Já o despertador gritava a plenos pulmões a alertar do final quando surgiu um penalty por pontapé perigoso onde mais doía num azarado Tengstedt – que voltou a mostrar pormenores vistosos, mas ainda longe de justificar integração num plantel viável – e Di María enganou, em mais um truque de magia, com a bola a passar sonolenta no lugar de onde o keeper nunca devia ter saído, como só os mestres sabem executar.
Estava finalmente derrubada a muralha celta e claro, depois de tão perto do sonho da conquista do reputadíssimo troféu, a resistência foi-se, o emocional desabou e a equipa caiu num choro contínuo; a tristeza atingiu níveis tais que, na reposição de bola, o passe saiu desleixado para a retaguarda, como fazem as crianças durante uma birra – e Musa, ainda sedento do golito da praxe, continuou a jogar a sério, esforçou-se ao limite como sempre fez e pegou na bola, entrou por ali adentro e matou definitivamente um conjunto espanhol que fará muitos inimigos temporada fora – por todo o tédio imposto aos mais bonacheirões fantasistas, naquele ilusionismo tático que fez de Benítez um monstro dos jogos a eliminar, na primeira década do milénio.
Se lhe derem as armas para ferir em contra-ataque, as indicações são optimistas para repetir bons feitos do passado. Pelo menos mais elementos da categoria de Iago Aspas, reconvertido no nove-e-meio que dará ordens, ou Carles Pérez – que não são da laia de Aimar-Vicente ou Gerrard-Luis Garcia, mas darão ao técnico garantias de eficácia. Na sua última temporada completa em Espanha, saiu título no Valência (2003-04).
Exactamente 20 anos depois, volta para alcançar coisas bonitas num projecto interessante em que se lhe pede, para já, o top10."

A sério?!

Os Inimigos!!!

Estava complicado...

Sinal: Celta de Vigo...

Ninguém acredita em Mwepu


"O árbitro apitou para a marcação do livre e Ilunga saiu disparado da barreira para chutar a bola para longe - grotesco!

Recordo-me de estar com o meu pai na sala de casa dos meus avós, na rua Francisco Metrass, em Campo de Ourique, a ver o Brasil-Zaire do Mundial da Alemanha, em 1974. Um Brasil mazombo e bisonho, ainda com Rivelino e Jairzinho, mas que envergonhava a equipa que quatro anos antes se tornara na melhor de todos os tempos. Fui ver a data. 22 de junho. De repente foi como estivéssemos a assistir a um filme do Pamplinas. Livre direto contra o Zaire, Rivelino preparado para tomar balanço e desferir o seu habitual tiro de canhoneira. O árbitro romeno, Nicolae Reinea, apitou autorizando a marcação e, como louco, um dos jogadores zairenses saiu da barreira num sprint e pontapeou a bola para longe. Foi tão grotesco que o riso demorou a vir. Foi como se ele estivesse convencido de que, depois do apito, o jogador que chegasse primeiro à bola tinha direito a ela. Até aí, Joseph Mwepu Ilunga era mais um dos exóticos negros do antigo Congo Belga, primeira seleção da África subsariana a surgir na fase final de um Campeonato do Mundo. Depois do gesto destemperado todos quiseram saber o seu nome. O defesa do Englebert TP Mazembe, nascido em Kinshasa no dia 22 de agosto de 1949, atravessou o túnel escuro da vergonha. Foi motivo de chacota um pouco por toda a parte e, embora ainda não fosse o tempo da propagação momentânea das imagens, a repetição do lance andou por aí a rodar o mundo como demonstração inequívoca que as gentes da África Negra nem sequer sabiam as regras fundamentais do jogo inventado pelos ingleses. Atónitos, os jogadores brasileiro pediam explicações. Ilunga regressou à companhia dos seus camaradas da defesa zairense. O árbitro, também confuso, mostrou-lhe o cartão amarelo. Estavam decorridos 78 minutos da partida, no minuto seguinte Valdomiro fez o 3-0 final. Ninguém sabia, mas os moços do Zaire suspiraram de alívio. Os Leopardos, treinados por um jugoslavo, Blagoge Vidinic, tinham nas bancadas do Waldstadion de Gelsenkirchen uma enorme delegação de políticos que o presidente Mobutu Sese Seko Kuku Ngbendu Wa Za Banga tinha enviado como seus lídimos representantes. Mobutu foi um carniceiro sem escrúpulos e um cavalo com arções - imagine-se o nível da sua entourage... Os jogadores tinham sido avisados na véspera que qualquer goleada acima dos quatro golos valeria um castigo exemplar para eles e para os seus familiares. Viviam dias de terror. Não se brincava com a paciência do marechal Mobutu sem sofrer consequências equivalentes ao seu cérebro caliginoso.
Apesar da alegria com que os zairenses chegaram à Alemanha, a derrota inicial frente à Escócia por 0-2 arrastou-os para um pesadelo. Vá lá saber-se porque razão, Mobutu tinha escasquinado que a presença do Zaire no Mundial seria coroada de sucessos. Foi para transmitir isso à equipa que convidou toda a gente para uma festa de arromba no seu palácio na véspera da viagem para a Europa.
O resultado não fora nem humilhante nem inesperado. Mas trouxe consigo de arrasto a ira presidencial exposta in loco por aquele grupelho numeroso de políticos bacocos que se pavoneavam pelo hotel da equipa como se fossem mais importantes do que os jogadores. Foi transmitido ao grupo que já não iria receber o prémio monetário prometido pela qualificação. O dinheiro foi até à Alemanha nos bolsos dos dirigentes e não saiu deles. Uma revolta surda alimentava-se da raiva coletiva da equipa. No jogo seguinte, frente à Jugoslávia, aos 18 minutos já o Zaire perdia por 0-3. Vidinic decidiu culpar o guarda-redes titular Mwamba Kazadi pela entrada em falso da seleção. Tirou-o de campo e fez entrar o suplente, Dimbi Tubinandu. O gesto serviu para piorar o ambiente e para fragilizar o conjunto. No final do jogo, os 9-0 aplicados pelos jugoslavos exacerbaram a fúria do canalha Mobutu que, em Portugal, ficou mais conhecido por ter deixado um Boing 707 estacionado durante 15 anos no aeroporto da Portela do que pelas suas atrocidades.
Nenhum dos jogadores do Zaire queria continuar a disputar o Mundial. Estavam entregues a si próprios, sem dinheiro e escambulhados pela derrota. Foi preciso a FIFA tomar uma medida drástica e pagar a cada um deles cerca de três mil marcos para que voltassem a entrar em campo. Mas Mwepu Ilunga conseguira o estatuto de estrela. No final do jogo frente ao Brasil foi engolido por um mar de microfones. E falou: «Fomos avisados por um dos generais do presidente que nova goleada nos iria impedir de regressar a casa!» E explicou-se: «Conheço muito bem as leis do jogo. Fiz aquilo que fiz para confundir os brasileiros e tentar que o tempo perdido nos impedisse de sofrer mais golos». Mais tarde acrescentaria que contava ver o cartão vermelho e, com isso, dar uma imagem de insurreição contra o poder político. Acho que ainda hoje ninguém acredita em Mwepu."

Continuo a não gostar dele. Parte II


"Com o meu último artigo em “A Bola”, intitulado “Eu não gosto do Cristiano Ronaldo”, magoei alguns espíritos puros e crentes entre os quais se incluem alguns dos meus bons amigos adoradores do CR. O veredicto de alguns dos meus amigos e de uma parte significativa da turbamulta que vê o futebol somente através das lentes da emoção é terminante – “ele é o maior da via Láctea e arredores”; “é o maior filantropo à face da terra”; “ele dá camisolas às criancinhas e tira selfies com elas”; “ele elevou o nome de Portugal aos píncaros da glória”; com ele o nosso país deixou a sua atávica vil tristeza e se projetou no mundo”; “que ele é o melhor jogador da bola do mundo e de todos os tempos”; “ele apresenta uma longevidade desportiva ímpar que denuncia os extremos cuidados que tem com o corpo e com a sua condição física”; “ele já tem 200 representações na seleção nacional”, etc. A partir da análise encomiástica destes ingénuos nefelibatas, constata-se que para aparecer outro como o craque da Madeira é forçoso que a evolução regrida até ao Big-bang e recomece tudo de novo. Do LUCA (Last Universal Common Ancestor) até ao ídolo de pés de barro da pérola do Atlântico.
Analisemos a situação com a sabedoria que nos vem quer dos livros quer da experiência de vida. Talvez eu consiga defender com elegância a minha tese sem magoar as emoções pró-CR de tanta gente. Lembrem-se que eu na introdução do supracitado artigo salientei de imediato que a minha análise não tocaria sequer a excelência desportiva do sujeito que é inquestionável.
Meus amigos! Isto de mitos cada um escolhe os que quer com o inalienável direito de liberdade de escolher. Também eu tenho os meus ídolos, que podem ser de pés de barro para outros, mas que para mim são referenciais da minha já longa existência. E não se pense que estou a falar dos ídolos meus coetâneos. Não senhor. Nesse particular sou bem democrático e toco várias eras dentro de espaço de tempo que já me calhou viver. Os meus ídolos não são melhores ou piores que os dos outros, só que são os meus e é isso que importa.
Aí vão alguns nomes que preencheram de beleza estética e sortilégio performativo a minha alma de desportista: Michael Jordan, Ronnie O’Sullivan, Fernando Pimenta, Manuel Campos, Emanuel Silva, José Ramalho, Roger Federer, Usain Bolt, Jesse Owens, Carlos Lopes, Joaquim Agostinho, Carlos Resende. Não estou certo que 50% dos portugueses saibam, sem falhar um, quem são estes heróis do Olimpo. Nas coisas do pontapé na “chincha” o meu panteão só tem lugar para dois extraterrestres – Eusébio e Maradona.
Em termos históricos, eu e todos os portugueses, devemos ter orgulho num campeão das nossas terras antes de sermos Portugal. De seu nome Caio Apuleio Diocles, nascido em Lamego (Lamecus em latim), auriga condutor de quadrigas que ganhou mais de um milhar de provas e auferiu, segundo Peter Struck, professor de Estudos Clássicos da Universidade de Pensilvânia, algo como 35.863.120 sestércios o que hoje daria qualquer coisa como 11,6 mil milhões de euros, o que o torna o atleta mais bem pago da história da humanidade deixando a léguas os mais bem pagos atletas da atualidade.
Há outros mitos desportivos, eu sei que há outros, mas estes são os meus e, como diz o povo, gostos não se discutem. Pode dar-se o caso de vocês querem torcer as minhas opções à força dos vossas. Ora tal atitude seria pouco democrática e completamente irracional.
Algumas vozes mais inquietas podem eventualmente vociferar contra a minha eventual misoginia: “Ouve lá ó esperto, não tens mulheres no teu panteão?”. No desporto, elevo ao grau de santidade as mulheres dos meus campeões que lhes devem ter aturado todas os pontuais desvarios que caracterizam todo o ser que é excecional. Quem luta para ser o melhor pode, muito naturalmente, perder as estribeiras emocionais afetando amigos, família e companheiros. Ali está a mulher para pacificar o leão destemperado. Já estou a ver um coro exaltado feminino a lançar-me os maiores impropérios e a classificar-me com todo o vernáculo da maravilhosa língua portuguesa. A mulher relegada para o papel de acalmar as fúrias dos campeões, como diria Nietzsche – “O homem nasceu para a guerra e a mulher para o descanso do guerreiro”. Calma, não é nada disso. Não sou misógino a esse ponto. Tenho uma pequenina costela de porco-machista, mas também tenho os meus ídolos femininos. Só que não pertencem ao desporto. É numa área em que mulheres de exceção são capazes de ombrear e suplementar muitas vezes os homens. Onde? perguntarão vocês muito justificadamente. Na investigação científica, é a resposta. Do imenso rol de mulheres brilhantes que elevam o nome de Portugal através da ciência aponto as que vingam em áreas mais ligadas aos meus interesses: Margarida Amaral, biologia molecular; Maria de Sousa (já jubilada), imunologia; Raquel Seruca (já falecida), oncologia. Estas três mulheres de excelência encabeçam uma plêiada de cientistas portuguesas, mais jovens e menos jovens, que dão de Portugal uma imagem de qualidade que nenhum pontapeador da bola alguma vez conseguirá. Meus senhores, para a maioria do povo, futebol é lazer mesmo que nele consiga dar vasão aos seus mais fulgurantes instintos hipotalâmicos. Para a maioria do nosso povo aquelas “artistas da ciência” são figuras completamente desconhecidas. Essa maioria, nem imagina, que é o labor destas mulheres e dos seus companheiros de luta científica, aqui e em todo o mundo, que lhes permite quando chegam em sofrimento ao hospital debelar total ou parcialmente as suas dores ou, nos casos letais, permite-lhes encarar o regresso à realidade quântica com o mínimo de sofrimento e o máximo de dignidade.
Portanto, quando me falam de ídolos e de mitos, temos de ser mais abrangentes e meter, nem que seja a martelo, quem, como diz Camões se vai da lei da morte libertando no seu labor ao serviço da ciência, isto é, da humanidade. Todas as mulheres cientistas têm um pouco de Madame Curie que morreu ao descobrir o oculto que a realidade comporta. Hoje, elas não morrem pela ciência, mas podem ver morrer a acalmia da sua vida familiar, pois, além de serem cientistas são muitas vezes mães, companheiras. Muitas sobrevivem em famílias estruturadas que as respeitam; outras, quando mergulham na ciência, veem a sua vida extra-ciência ser indelevelmente afetada. As primeiras são heroínas, as segundas são heroínas duas vezes.
Portanto meus amigos que importa o CR quando “outros valores mais altos se alevantam”.
Mas, o CR importa, só que importa numa dimensão que devemos saber relativizar. Não há valores absolutos, mas os valores relativos não são todos iguais. Uns são mais iguais que outros. Quem trabalha para o bem da humanidade sem os holofotes dos mass media está uns passos à frente no caminho da dignidade existencial que qualquer outro. Quando o CR morrer vai ter uma nuvem para viver afastada do centro do céu o que dá bem com a sua pulsão egoísta e egocêntrica. A Raquel Seruca, tenho a certeza, está hoje ao lado do braço direito de Deus a conversar com ele sobre o sofrimento humano provocado pelo cancro gástrico e a perguntar-lhe porque nos deixa Deus sofrer tanto. Ela lutou uma vida contra esse sofrimento e deverá estar a dizer ao pai dos céus que gostaria de ter ido por ali e por acolá nas linhas de investigação para ajudar a resolver um problema que Deus poderia resolver de uma penada. Mas, eu sei qual é a dele. Sem o sofrimento humano não emergiriam do berço humano estas forças transformadoras que nos fazem acreditar que ainda é possível acreditar no Homem.
Mas voltemos ao desporto. Devemos ver no mito o homem? Eu não consigo dissociar as duas expressões de mesmo ser. Por isso, nunca quero saber do homem nos mitos que me são referenciais. Não quero estragar o brilho da excelência desportiva com os fumos negros da mais pura humanidade. O mito deve ficar naquele sítio que Teilhard de Chardin denominou de noosfera. Fica lá em cima a pairar e nós cá em baixo para os admirarmos. “O mito é um nada que é tudo”, já sentia Fernando Pessoa. Mas, para ser um tudo há algumas condições que têm de ser respeitadas. Subir ao altar e lá ficar, escondendo bem escondidos os pés de barro.
Passo a dar um exemplo “exemplar” que se passou comigo. Como qualquer ser humano da minha geração que ama o desporto, a seleção de futebol do Brasil no campeonato do Mundo de 1982 levou-me ao céu da estética com um futebol de sonho para sonhadores. Com um meio campo ofensivo celestial, onde pontuavam verdadeiras lendas da bola – Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico, a seleção do Brasil foi de vitória em vitória até à derrota final nas meias-finais com a Itália. Só não chorei porque não sou de lágrima fácil e um homem que foi à guerra não chora.
Ficou-me na mente e na alma aquele futebol de sonho e a magia de Sócrates, o condutor divinal daquele futebol mágico. Mágico, mas irrealista. Os próprios italianos não compreendiam como uma seleção podia praticar um futebol tão alegre, bonito e irresponsável que beirava a soberba. Afirmavam eles muito lucidamente: - Nós viemos a Espanha para competir e os brasileiros para se exibir. Por isso, aconteceu a tragédia de Sarriá como ficou a ser conhecida para a história essa derrota dolorosa.
Tudo bem. De vez em quando lá ia eu rezar ao altar onde tinha colocado o Sócrates. Atenção, Sócrates o mago da bola e não o prisioneiro número 44. Até que o meu amigo e colega da faculdade Rodrigo Zacca, sabedor da minha admiração pelo homem do calcanhar mágico me ofereceu o livro de Tom Cardoso intitulado “Sócrates”. Aí o meu panteão mitológico sofreu duro revés. Ao conhecer o homem Sócrates de imediato o mito Sócrates se desvaneceu. Como posso admirar e respeitar um jogador que no final de um treino, com treino no dia seguinte, ia para os copos com os amigos e bebia 45 cervejas? Dizia ele: “Fizemos grandes farras ali, bebendo na piscina até de manhã”.
“O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele” (Kant). Sócrates fugiu da lógica desse aforismo. Teve educação (tirou o curso de Medicina), mas dela não captou o essencial que é transformar a educação em comportamentos elevados e responsáveis. A vida boémia em que mergulhou era incompatível quer com os estudos de medicina quer com as exigências profissionais do futebol de alta competição. O tabaco e o álcool talvez tenham impossibilitado uma carreira muitíssimo mais brilhante que a que teve.
Ao conhecer o homem morreu o mito. A culpa é do Zacca.
Mas permanecem indeléveis aqueles mitos que venero e dos quais não conheço, nem quero conhecer a dimensão humana. Todos sabem quem são Michael Jordan, Ronnie O’Sullivan, Fernando Pimenta, Emanuel Silva, Roger Federer, Usain Bolt, Jesse Owens, Carlos Lopes e Joaquim Agostinho, mas poucos conhecerão as sagas de Manuel Campos, José Ramalho, Jesse Owen e Carlos Resende.
Jesse Owens, o campeão que vergou Hitler e abanou a sua fé na superioridade da raça ariana.
José Ramalho, o melhor maratonista mundial da canoagem de todos os tempos. Aos 42 anos, depois de uma carreira com vários títulos de campeão do mundo e europeu continua a ser dos melhores e a elevar o desporto à dimensão de desígnio existencial.
Carlos Resende, o jogador que demonstrou que o andebol português também podia. O melhor jogador português de todos os tempos e um dos melhores do mundo.
Agora Manuel Campos. Pouquíssimos saberão quem é o Joca. É, nem mais nem menos, aquele campeão que deu à ginástica a carta de alforria. Foi o primeiro ginasta português a competir em pé de igualdade com os grandes campeões internacionais. Mas como? Com uma vontade férrea que nunca se deixou vergar pelo infortúnio. As lesões foram muitas pois o risco na ginástica de alta competição é grande. Nunca esmoreceu. Cada queda e cada lesão eram a motivação intrínseca para a recuperação e a retoma do sonho de chegar o mais longe possível. Onde chegou? À participação nos Jogos Olímpicos onde conseguiu a melhor classificação de todos os tempos de um ginasta português. Cair e levantar é o lema do verdadeiro campeão. Ser grande e manter a humildade de um principiante, só os grandes deuses do Olimpo o conseguem.
O homem da Madeira nunca conseguiu soletrar a palavra humildade. Que fique lá com o seu feitio."