"O FC Porto não vai na frente isolado por ter mais e melhor miolo do que o Benfica, mas porque em Coimbra, houve Xistra. Um aborrecimento, isto de os árbitros serem humanos.
O Benfica deixou dois pontos em Coimbra por culpa própria ou por culpa do árbitro? - eis a questão que vai dilacerar a opinião pública até ao próximo jogo dos eternos candidatos ao título, que é já amanhã em Paços de Ferreira e não se advinha nada fácil.
O FC Porto já lidera isolado a tabela por mérito próprio ou graças ao trabalho do árbitro Carlos Xistra em Coimbra? - eis outra questão do momento e também ela suficientemente dilacerante, sobretudo para os lados da Luz.
Falemos com franqueza. Postos perante a sangria de Agosto que levou os nucleares Javi Garcia e Witsel para longe, postos perante a suspensão de dois meses ao seu capitão Luisão, postos perante a falta de rodagem de Matic, postos perante as intermitências clínicas do genial Pablo Aimar e do valoroso Carlos Martins, poucos são os irredutíveis benfiquistas que olham para a presente Liga com o espírito a transbordar de optimismo.
Ninguém lhes pode levar a mal, em nome do bom senso, embora ser do Benfica é ter a alma a chama imensa como reza a nossa canção.
De estranhar apenas que o FC Porto tivesse demorado quatro jornadas a fugir do inimigo. Ao contrário do Benfica, o FC Porto, que perdeu Hulk mas parece ter arranjado substituto de mérito em Jackson Martinez, tem um meio campo suficientemente com gente variada como João Moutinho, Lucho González, Fernando, James Rodríguez, ou Defour.
Sendo no meio que está a virtude, o avanço que o FC Porto já leva do Benfica à 4.ª jornada poder-se-ia explicar simplesmente com questões práticas como esta, facilmente identificáveis até pelos adeptos do clube rival que olhando para o miolo da casa e para o miolo do adversário logo verão, e com muita pena, as diferenças.
Infelizmente para a paz social, não foi por aqui que o campeonato conheceu este fim de semana a significante alteração no topo da tabela de que toda a gente fala.
Houve Xistra, outra vez.
E só isso bastou para que uma multidão de críticos profissionais e amadores concluíssem cheios de moral que uma equipa que manda três bolas ao poste não tem o direito de se queixar de um árbitro que inventa duas grandes penalidades e não vê uma terceira, essa sim, a sério.
O Benfica, pelo que jogou, poderia ter saído de Coimbra com uma goleada tranquila e saiu indignado, exactamente como saiu no ano passado do mesmo estádio e por razões parecidas.
E poupem-nos, por favor, a ter de ouvir os nossos dirigentes proclamar que até foram avisados do que se ia passar e a falar mal, tarde e a más horas sobre a premente questão da proverbial incompetência de quem não sabe pôr trancas à porta, como reza o ditado popular.
O Benfica está indignado, está como o país. E tal como acontece no país, apetece dizer:
-Votaram neles, não é? Andam há anos a votar neles, não é? Então do que é que se queixam?
HULK marcou o seu primeiro golo ao serviço do Zenit de São Petersburgo. Witsel ainda não teve grandes hipóteses de conquistar com o seu indiscutível talento os adeptos do clube porque, a contas com uma mazela, não tem jogado.
O primeiro golo de Hulk no campeonato russo foi apontado ao Krylya Sovetov e foi uma bomba. Um remate de fora da área, com o brasileiro descaído sobre o lado direito a fuzilar a baliza do adversário. A bola embateu com estrondo na barra e ressaltou para dentro da baliza. Sorte de um campeão.
Na noite de domingo, em Coimbra, os avançados do Benfica que não devem nada a Hulk em termos de talento, embora disponham de reportórios diferentes, fartaram-se de acertar nos postes da baliza de Ricardo e nunca tiveram a felicidade de um ressalto favorável.
Deixemos Coimbra e regressemos à Rússia.
A bomba de Hulk permitiu que o Zenit iniciasse a recuperação de uma desvantagem de dois golos com que se viu surpreendido face ao modesto e remediado Krylya Sovetov. O Zenit esteve a perder por 2-0 mas lá acabou por empatar o jogo, à rasquinha, com um golo de Shirokov perto do fim. Na estreia a marcar noutras paragens, Givanildo assinou um golo à Hulk e golos à Hulk foi coisa que vimos muitas vezes quando Hulk jogava no campeonato português ao serviço do FC Porto.
Acontece que o poderoso Zenit ainda não ganhou um jogo desde que o brasileiro que foi comprar ao FC Porto e o belga que foi comprar ao Benfica aterraram na Rússia. A imprensa local avançou com uma explicação bastante prosaica para o caso. Os altos salérios que Hulk e Witsel auferem estarão a provocar revolta, indignação, inveja no balneário de São Petersburgo onde avultam uma mão cheia de internacionais russos com folhas salariais bem menos espampanantes.
A explicação tem a sua lógica. E confesso que me veio à ideia assistindo pela televisão à goleada que o Málaga impôs ao Zenit no jogo inaugural da fase de grupos da Liga dos Campeões, antes mesmo de a imprensa de São Petersburgo vir a público com a justificação. É que não se mexiam os bons dos russos em campo. E com Hulk sozinho, torna-se tudo mais difícil como, por exemplo, Vítor Pereira sabe muito bem.
A desigualdade nunca traz nada de bom, nem no futebol nem na vida. Há muitas anos, pela final da d´cada de 70, tive a oportunidade de entrevistar um Otto Glória já velhote, de passagem por Lisboa a caminho de um qualquer destino europeu de que já não me recordo.
Já nem sei como é que a conversa evoluiu para o assunto mas do que me lembro e bem foi do que o treinador brasileiro me disse a propósito das desigualdades salariais nas equipas por onde passara e de como era fundamental para ele manter, perante os jogadores, a superioridade hierárquica reflectida no salário.
- Nunca aceitei nem nunca aceitarei trabalhar num clube onde haja um jogador que ganhe mais um tostão do que eu.
Estávamos ainda na época dos tostões, como se depreende.
E Otto Glória explicou-se-me muito bem explicadinho:
- É a primeira pergunta que faço aos presidentes dos clubes que me querem contratar. Quanto ganha por mês o vosso jogador mais bem pago? Então eu vou exigir sempre ganhar mais um tostão do que a maior vedeta da equipa.
Otto Glória era um tipo prático e inteligente.
- Como é que me posso fazer respeitar num balneário onde há jogadores com idade para serem os meus filhos que ganham mais do que eu?
Voltemos uma vez mais à Rússia e ao tempo presente.
Desconhece-se de Luciano Spalleti se encontra formalmente entre o grupo de indignados do balneário do Zenit. Mas é de admitir que os recém-chegados de Portugal a peso de ouro ganhem um bom bocado mais do que o treinador italiano. E, assim, sendo, de acordo com o evangelho de Otto Glória, o pobre do Spalleti perder a autoridade sobre a equipa.
Será precisamente isso que os últimos resultados e as derradeiras exibições do Zenit nos querem dizer?
Ou é tudo apenas uma questão de tempo?
Passemos para Paris onde os factos parecem querer desmentir o preceito anteriormente referido. A sensacional e milionária chegada de Zlatan Ibrahimovic ao PSG só fez tremer os egos do balneário do Parque dos Príncipes durante as três primeiras semanas. Com o ex-Milan em campo, o PSG empatou nas primeiras três jornadas do campeonato francês mas esses eventuais maus humores estão já mais do que ultrapassados. O PSG encarreirou, já soma a terceira vitória consecutiva e na última transcendeu-se numa goleada por 4-0 ao Bastia, com o dito milionário sueco a marcar por duas vezes.
Ibraihmovic já leva 7 golos no campeonato, o seu PSG já subiu ao terceiro lugar da tabela e um eventual mau ambiente na equipa só poderá voltar se o seu caríssimo avançado de 30 anos desatar a acertar nos postes e na barra com as bolas que tão paulatinamente tem vindo a descartar para dentro das balizas dos adversários.
É assim o futebol. Tudo se resolve com golos. Daí o preço dos goleadores."
Leonor Pinhão, in A Bola