"O Benfica é um clube do povo. Caricato se torna, portanto, que o seu melhor presidente de sempre tivesse sangue azul. Duarte Borges Coutinho da Câmara era o quarto Marquês da Praia e Monforte, título hereditário da família de excelente trato social. Ao espírito corajoso e simplista português juntou-lhe uma personalidade extremamente moldada pelos cânones britânicos. De boa educação, tira em Londres o curso de engenharia. Na erupção da segunda Grande Guerra, alista-se na RAF (Royal Air Force) como voluntário no combate contra o nazismo. A mesma paixão pela liberdade e a tolerância, qualidades que o caracterizaram para sempre, aliadas ao talento como diplomata, fizeram dele o gentleman por excelência e tornaram-no numa figura ímpar do dirigismo desportivo português. Soube representar como ninguém o clube junto das mais altas instâncias sociais, políticas e desportivas, em Portugal e no Mundo.
Inovador e arrojado nas suas ideias, com tiques futuristas, cabe-lhe a missão de renovar a já entediada geração bi-campeã europeia, tarefa que cumpre na perfeição. Faz coabitar no mesmo balneário a experiência de Eusébio, Simões e Jaime Graça com a vitalidade de José Henrique, Humberto Coelho, Toni, Artur Jorge, Néné, Jordão ou Vítor Baptista, ases das décadas seguintes. Como assumido adepto da cultura inglesa, é no outro lado do canal da Mancha que descobre o timoneiro desta super-equipa, que nas suas mãos se tornaria invicta: Jimmy Hagan, team manager do West Bromwich Albion e vencedor da FA Cup poucos anos antes. O talento português floresceu com a disciplina imposta pelo ex-soldado inglês, fortalecendo as bases para uma equipa que se manteria, grande parte dela, junta até meados dos anos 80. Tricampeão, Hagan, só não faz crescer ainda mais o número de títulos consecutivos por, na despedida de Eusébio, ter batido com a porta após episódio inusitado. Borges Coutinho, além de fazer de Mario Wilson o primeiro português a ser campeão ao comando do Benfica, não sai da presidência sem antes tornar a Inglaterra para descobrir outra figura benfiquista: John Mortimore. É também conhecido o desejo tímido de entregar a equipa a Pedroto, contratação que o presidente nunca efectivou por temer fricções e divisões na massa associativa. Um visionário sensato.
António Simões foi importantíssimo no projecto de reestruturação do Benfica dos anos 70 enquanto capitão de equipa.
É de Borges Coutinho a decisão de finalmente tomar posse dos terrenos da Luz, construindo três campos de futebol, uma pista de tártan e oito campos de ténis, alavancando as modalidades (ainda) amadoras e solidificando as suas bases, permitindo às gerações benfiquistas vindouras condições desportivas de excelência.
Eleito a 12 de Abril de 1969, reunindo 58% dos votos numa luta a três com Fernando Martins e Romão Martins, Duarte não precisa de concorrência nos três biénios seguintes, sinal de uma unanimidade esclarecedora e assente em toda a sua competência, reconhecida por sócios e adversários. Durante a sua gerência conseguiu sempre consensos em relação às questões mais sensíveis, dotando o seio do clube de uma unidade pouco vista até então e que se desvaneceu logo após a sua saída em 1977. Com ele, apesar do falhanço da retoma europeia (Ajax, Bayern e Liverpool eram efectivamente melhores), o Benfica consolidou a hegemonia nacional com seis campeonatos (1969, 1971, 1972, 1973, 1975 e 1976) e três Taças de Portugal (1969, 1970 e 1972), num palmarés que era até há bem pouco tempo o mais preenchido de todos os presidentes do Benfica.
Com o 25 de Abril, os ventos de mudança trouxeram à sociedade portuguesa novas dinâmicas e consciências e essas influências progressistas chegaram ao Benfica. Borges Coutinho, grande de espírito que era, entendeu a mensagem e, com a dignidade intacta, retira-se de cena, motivado também pelos cuidados a que a doença o obrigava. Em 1977, perde as eleições para José Ferreira Queimado, num processo natural de sucessão e no qual o desgaste dos anos propiciou.
Invariavelmente, “os bons despedem-se cedo”. Em 1981, durante um jogo de golfe, uma das suas paixões, sente-se mal e o efeito é devastador. Pressentindo o adeus, volta à Grã-Bretanha, último refúgio e lugar que o confortava. A 18 de Maio, aos 59 anos, o melhor presidente da história do Benfica e uma das mais prestigiosas figuras da sociedade portuguesa do século XX despede-se, deixando um legado muito difícil de igualar, quer pela sua postura nobre em todos os momentos da sua vida quer pela competência que demonstrou ao leme do maior clube português.
Mais tarde, em 1973, é condecorado com a Águia de Ouro."