"O filósofo do século XIII Nasreddin, entre as suas inúmeras histórias caracterizadas pela sabedoria e espirituosidade, conta-nos aquela de dois homens, cada um em margens opostas de um rio, em que um deles apela ao outro que o ajude a passar para o outro lado, ao que o outro responde: 'Mas tu estás do outro lado'. Esta anedota, se aplicada ao futebol português, explica o contexto benfiquista.
Desde que se reergueu financeira e desportivamente, o Benfica é como um rio que desagua frequentemente num mar de glória. Ao FC Porto e ao Sporting cabe o papel das margens que, fragilizadas pela voracidade de conquista de um rio que procura manter o curso que lhe é natural, se vêem cada vez mais sedimentadas nos seus intentos. O primeiro constrói barragens, dinamita-se com o intuito de criar enseadas artificiais e recorre a toda a espécie de dejectos para poluir o rio; o segundo só sabe tentar a via da poluição. E assim solicita ao seu semelhante, na margem oposta, que o puxe para o outro lado, que, ao invés de fazê-lo, lhe oferece a ilusão de que estão ambos na outra margem, portanto, supostamente na mesma.
Assim se explica que de toda a berraria e urdideira leoninas sobre as arbitragens não tenha sobressaído uma voz convictamente crítica à grande penalidade sonegada ao Sporting nos últimos minutos do clássico anti-Benfica no Dragão.
Ou que de toda a parafernália supostamente pró-verdade desportiva não tenha havido, pelo menos, a menção entredentes de que Artur Soares Dias perdoara um penálti ao FC Porto na Luz, em falta cometida sobre Zivkovic, para já não falar do dérbi na Luz... E assim se faz a classificação (mesmo que o Record, decido a um lapso freudiano, a deturpe)."
João Tomaz, in O Benfica
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