"É verdade, a palavra consoada
deriva diretamente do verbo latino
consolar, e isso explica muita
coisa. Nesta refeição ritual católica existe uma intenção para lá da
comida. Uma intenção de satisfação plena, de consolação de todos,
conducente à paz e à harmonia
que se querem neste dia.
Ora, se pensarmos bem, é exatamente disso que se trata todo o
espírito natalício em que estão
implícitas a empatia e a partilha
com os outros tendo por único
objetivo proporcionar-lhe uma
dádiva de conforto e bem-estar
em nome de um ideal de paz
social e de remissão espiritual.
É assim que, quando cada um de
nós compra um presente, faz
uma boa ação. Ou, quando simplesmente convida alguém mais
isolado e arredado pela solidão,
está na realidade a cumprir, ao
menos por um dia, uma utopia
que ao longo de todo ano a nossa
sociedade simplesmente não é
capaz de materializar.
Sociedades houve, e há (cada vez
menos), em que toda a cultura
material e imaterial se orienta
para esse ideal. Essas sociedades
praticamente em estádio neolítico, praticando uma economia de
caça e recoleção, despojadas de
tudo e possuindo apenas os bens
necessários ao seu bem-estar
e sobrevivência, foram comparadas pelos filósofos iluministas
com o paraíso e deram lugar a
correntes de pensamento igualitário e de justiça social desenvolvidas a partir do chamado ‘mito
do bom selvagem’. Derivam daqui
muitas das ideias e das políticas
sociais que conhecemos.
Mas tratava-se duma ilusão: não
é assim o mundo, esta forma
de viver está praticamente extinta,
e aos nossos olhos surge como
uma enorme pobreza e desolação.
Talvez por isso hoje temos tudo e
falta-nos sempre alguma coisa,
somos ricos e sentimos que
somos pobres. Perdemos claramente em comparação com os
que, parecendo-nos pobres, vivem
na abundância apenas porque têm
tudo o que lhes faz falta e com isso
se satisfazem.
Nós já não, mas não perdemos
nem o sentido da humanidade
nem o dom da utopia, por isso, ao
menos um dia no ano, viramos o
mundo ao contrário e damos em
vez de tirar!"
Jorge Miranda, in O Benfica

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